Escolha de filho de Crivella provoca debate

Caio Barretto Briso e Luiz Ernesto Magalhães 

03/02/2017

 

 

Ministros do STF têm discutido a súmula vinculante que libera para cargos políticos indicações de parentes

 

A decisão do prefeito Marcelo Crivella de escolher o próprio filho como secretário-chefe da Casa Civil — Marcelo Hodge Crivella foi nomeado e tomou posse ontem — reacendeu entre especialistas a discussão sobre os limites do que pode ou não ser nepotismo. Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem debatido alterações na Súmula Vinculante 13, que libera para cargos políticos a indicação de parentes por gestores públicos. A discussão envolve a possibilidade de proibir nomeações nos casos em que o escolhido não tiver qualificação técnica. Ontem, o prefeito disse que não havia motivos para se preocupar com a sua decisão e revelou que, no caso do filho, dispensou até mesmo uma exigência que ele instituíra por decreto: antes das nomeações, todos os candidatos a cargos na prefeitura devem apresentar certidões para comprovar que não têm antecedentes criminais.

— Você precisa entender que ninguém conhece melhor meu filho. E quem nomeia sou eu, você não precisa se preocupar com isso, não. Ele já está trabalhando — disse Crivella.

SECRETÁRIO É FORMADO EM PSICOLOGIA CRISTÃ

Marcelinho, como é conhecido pela família, é formado em psicologia cristã pela Universidade Biola, na Califórnia, e tem mestrado em empreendedorismo em Oxford Brookes, no Reino Unido, segundo divulgou numa rede social. A Casa Civil será sua primeira experiência como gestor público. Ontem, o filho de Crivella não quis dar entrevista. Mas, segundo fontes da prefeitura, terá uma caneta com muita tinta. Cabe à Casa Civil dar a última palavra nas nomeações de cerca de dez mil cargos comissionados. Além disso, a ideia de Crivella é que ele participe da coordenação de projetos estratégicos que deem visibilidade à administração municipal, assim como ao próprio filho: o pai deseja que Marcelinho se candidate ao Senado em 2018.

No STF, a discussão sobre alterações do conceito de nepotismo já dura alguns anos. Em fevereiro de 2016, o ministro Luiz Fux determinou que a Justiça de São Paulo desse prosseguimento a uma ação do Ministério Público contra um ex-prefeito do interior daquele estado, acusado de nepotismo por ter nomeado como secretários dois parentes que não teriam a qualificação necessária. Na sentença, Fux escreveu que a nomeação que não leva em conta a “capacidade técnica para o seu desempenho de forma eficiente, além de violar o interesse público, mostra-se contrária ao princípio republicano”.

No processo, Fux cita a proposta de Súmula Vinculante 56, em tramitação na corte, que trata justamente da competência técnica para cargos. O ministro se refere ainda a decisões anteriores na mesma linha tomadas pelos ministros Luís Roberto Barroso e Celso de Mello. Com base nessa decisão, o advogado Victor Rosa Travancas entrou ontem com representações na Justiça tentando anular a nomeação do filho do prefeito, alegando que, em sua avaliação, ele não teria competência técnica comprovada para o cargo.

Por sua vez, o presidente da OAB-Rio, Felipe Santa Cruz, diz que, independentemente da discussão a respeito da competência técnica de Marcelinho, considera que Crivella cometeu um “erro inadmissível” ao nomear o próprio filho:

— Do ponto de vista legal, pode não haver afronta à Súmula 13. Mas, no momento atual do país, essa nomeação é de uma imoralidade escancarada. A sociedade clama por gestores gabaritados e especializados.

Na Câmara dos Vereadores, a decisão também é motivo de críticas da oposição. O tema será alvo de uma reunião da bancada do PSOL hoje:

— Seja ou não nepotismo, a decisão foi absurda. E demostra que o PRB do prefeito não tem quadros e precisa até recorrer ao filho dele — disse o vereador Paulo Pinheiro (PSOL).

Ainda há muita divergência em relação à Súmula 13. Em 2014, uma ação envolvendo a prefeitura de Pinheiral, no interior de São Paulo, pedia o afastamento do então secretário de administração, irmão da vice-prefeita, porque ele não tinha ensino superior. O ministro Barroso indeferiu o pedido, considerando que “a realidade dos municípios é muito variada, sendo certo que, em muitos deles, a escolha de alguém com qualificação técnica formal nem sempre é viável”. No entanto, ele ressaltou que “alguns ministros observaram que a caracterização do nepotismo não estaria afastada em todo e qualquer caso de nomeação para cargo político, cabendo examinar cada situação com a cautela necessária”. Ele se referia aos ministros Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e também à atual presidente do STF, Cármen Lúcia.

 

O globo, n. 30496, 03/02/2017. Rio, p. 14