O Estado de São Paulo, n. 45059, 28/02/2017. Política, p. A4

TCU avalia veto a empresas investigadas na Lava Jato

 

Fábio Fabrini

 

Apesar dos acordos de leniência já firmados entre Ministério Público Federal (MPF) e parte das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) avaliam decretar a inidoneidade das principais construtoras investigadas na força-tarefa.

Com isso, as empresas ficariam proibidas de fechar contratos com a administração pública federal. De acordo com integrantes da corte ouvidos pelo Estado, processos que estão em fase adiantada de tramitação confirmam a ocorrência de conluio entre empreiteiras e de fraude em licitações na Petrobrás e na Eletronuclear, o que ensejaria a aplicação da sanção.

O TCU, além do próprio governo, é um dos órgãos públicos com a prerrogativa de declarar inidôneas pessoas jurídicas envolvidas em atos ilícitos. A Lei Orgânica do tribunal prevê que, nesses casos, aplica-se a proibição de participar de concorrências públicas e, em consequência, assinar contratos por até cinco anos.

Parte dos ministros sustenta que a corte deve levar a julgamento os processos em curso, independentemente de negociações entre empresas e o Executivo, que se arrastam há mais de dois anos, sem desfecho. Em vários casos, os delatores ligados a essas empresas já confessaram as fraudes em outras esferas de investigação.

A Lava Jato completa três anos em março. As principais empreiteiras do País foram implicadas na investigação. O governo ainda não puniu nenhuma das grandes empresas do setor nem recuperou recursos desviados, por meio de acordos de leniência – espécies de delações premiadas de pessoas jurídicas.

O MPF também vem fechando acordos com as empreiteiras, como foi o caso, por exemplo, da Camargo Corrêa e da Odebrecht.

 

Resultados. O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) abriu processos de responsabilização contra 29 pessoas jurídicas. Em cinco casos – nenhum com as maiores construtoras –, houve declaração de inidoneidade. Em outras três situações, os processos foram arquivados por falta de provas.

Permanecem em curso 21 procedimentos – em 12 deles, são discutidos acordos de leniência.

A demora na tramitação permite que as empreiteiras fechem negócios com o governo e não cubram os prejuízos causados aos cofres públicos. Além disso, os prazos de prescrição continuam correndo.

 

Suspeitas. Um dos processos em que, segundo ministros do TCU, cabe decretar inidoneidade trata da participação de 16 empreiteiras em combinação de preços, quebra de sigilo de propostas, divisão de mercado, acerto prévio de resultados e consequente direcionamento de licitações em obras da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco.

Nesse grupo, estão empresas como Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.

O TCU constatou fraudes com base em material compartilhado com autorização da Justiça Federal em Curitiba e, em junho do ano passado, determinou que todas as empresas fossem ouvidas, o que já ocorreu.

Os auditores trabalham agora no relatório a ser enviado ao relator, ministro Benjamin Zymler.

Ele não se pronuncia sobre o mérito do processo, sob sigilo, mas informou que o assunto é tratado como prioridade.

Em outro caso, também em fase avançada de tramitação, o TCU identificou o envolvimento de sete empresas em conluio e fraudes à licitação de R$ 2,9 bilhões para a montagem eletromecânica da Usina de Angra 3, entre elas Odebrecht, UTC, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa. O processo está sob relatoria do ministro Bruno Dantas, que também não se manifestou.

 

Questionamento. O Estado enviou questionamentos ao Ministério da Transparência sobre a condução dos processos relacionados às empreiteiras implicadas na Lava Jato. A pasta informou que não iria respondê- los e acrescentou apenas que quatro acordos de leniência estão em estágio avançado.

Divergências do governo com outros órgãos, entre eles o TCU e o MPF, sobre a forma de celebrar os acordos suscitam embates desde 2015, o que impacta a tramitação dos acordos.

Outra razão é a instabilidade provocada pelas mudanças na legislação que trata do assunto, como a implementada pela expresidente Dilma Rousseff por meio da Medida Provisória 703.

Essa norma alterou vários itens da Lei Anticorrupção. Vigorou de dezembro de 2015 a junho do ano passado, mas caducou.

 

Casos. Auditoria do TCU constatou fraudes envolvendo a participação de empreiteiras em obras de Abreu e Lima e Angra 3

 

 

PARA ENTENDER

Órgãos ligados aos acordos

1. CGU e AGU

O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria- Geral da União (CGU), juntamente com a Advocacia- Geral da União (AGU), está autorizado a celebrar acordos de leniência em nome do governo federal.

 

2. TCU

O Tribunal de Contas da União (TCU) também participa dos acordos de leniência, mas não tem competência para, por si só, celebrá-los. Na prática, pode aplicar punições que inviabilizam os efeitos da transação com o governo.

 

3. Cade

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça, pode negociar benefícios com pessoas físicas e jurídicas que cometam infrações contra a ordem econômica, como formação de cartel.

 

4. MPF

O Ministério Público Federal (MPF) também faz acordos de leniência com empresas envolvidas em corrupção, porém, não pode, isoladamente, assegurar à celebrante continuar fechando contratos com o poder público. Mas pode ajudar formalmente governos federal, estaduais e municipais a transacionar com a pessoa jurídica que aceitou colaborar.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Corte cria julgamento sem pauta para empreiteiras

 

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro, decidiu que processos sobre acordos de leniência, nos quais se discute o ressarcimento de bilhões por empreiteiras envolvidas em esquemas de corrupção na esfera federal, não precisam mais serem pautados antes do julgamento.

Com a medida, advogados, auditores e outros interessados não vão mais saber com antecedência quando esses casos serão apreciados.

A pauta das sessões plenárias do TCU, conforme determina o Regimento Interno, deve ser publicada até 48 horas antes do seu início. A divulgação pode ser dispensada para alguns processos, mas não para os que tratam de acordos de leniência.

O procurador de contas Júlio Marcelo de Oliveira, que atua perante a corte, criticou a decisão.

“É chato não respeitar o próprio regimento”, disse.

Questionado, um ministro admitiu que a medida é controversa e declarou, reservadamente que não dá para, neste caso, entrar em atrito com o presidente.

A mudança ocorreu depois que o secretário executivo do Ministério da Transparência, Wagner Rosário, reclamou na corte do vazamento de relatório sobre o acordo de leniência da empresa Aceco TI para o estadao.

com.br. A nova sistemática foi adotada pela primeira vez na quarta-feira passada, quando Carreiro interrompeu a sessão pública e convocou para minutos depois uma reunião extraordinária reservada para analisar um processo da empreiteira UTC que não estava na pauta.

Ao Estado, Carreiro enviou nota na qual sustenta que o processo apreciado tratou de assunto sigiloso, conforme previsto na Lei Anticorrupção. “O TCU adotou procedimento de forma regular, dentro da sua competência constitucional, legal e regimental.”