Padilha é operado hoje e tem retorno incerto

Cristiane Jungblut 

27/02/2017

 

 

Licença de ministro deve ser estendida para tentar conter crise no Planalto causada por declarações de Yunes

-BRASÍLIA- O presidente Michel Temer se refugiou na Bahia para passar o carnaval, mas não tirou “folga” da crise política e da situação em torno do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que atingiu diretamente o Planalto. Segundo interlocutores, Temer manteve contato com Padilha, que pediu afastamento. O ministro se submeterá hoje a uma cirurgia em Porto Alegre. Padilha tem dito que voltará no dia 6 de março, mas entre políticos e até integrantes do governo o sentimento é de que, no mínimo, a licença será ampliada. O retorno de Padilha é incerto, dependendo dos desdobramentos das declarações de José Yunes, amigo e ex-assessor de Temer, de que recebeu um pacote a pedido de Padilha. A suspeita é de que o pacote seria de dinheiro para uso em campanha eleitoral do PMDB.

Em delação premiada, o exdiretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho contou aos procuradores da Lava-Jato que esteve com Temer em um jantar no Palácio do Jaburu, no qual o então vice-presidente pediu apoio financeiro para campanha do PMDB. De acordo com Cláudio Melo, o acordo previa o repasse de R$ 10 milhões, dos quais R$ 4 milhões “foram realizados via Eliseu Padilha, e um dos endereços de entrega foi o escritório de advocacia do Sr. José Yunes”.

YUNES CONTOU EPISÓDIO A TEMER

Em depoimento, Yunes disse que, em 2014, recebeu um pedido de Padilha para que recebesse documentos em seu escritório. Ele contou que foi surpreendido com a chegada de Lúcio Funaro — apontado como operador do PMDB e doleiro de Eduardo Cunha — trazendo um “pacote”. Yunes disse que não se preocupou em esclarecer o fato nem com Funaro e nem com Padilha, mas revelou que contou o episódio a Temer no mesmo ano. O presidente, segundo Yunes, reagiu com “aquela serenidade de sempre”. Após a história vir à tona, a Procuradoria-Geral da República divulgou que quer investigar Padilha.

Eliseu Padilha passará por uma cirurgia de próstata, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Esse tipo de procedimento requer, segundo médicos, uma recuperação de 12 a 15 dias. Amigos médicos de Padilha já disseram isso ao ministro e ao próprio Temer. Esse poderá ser o argumento para um afastamento maior do ministro.

Padilha é do grupo seleto de colaboradores de Temer. Articulador político, operador, Padilha não tem hoje substituto à altura — segundo os próprios peemedebistas —, e essa instabilidade pode comprometer o futuro das reformas, sobretudo da Previdência.

Para os aliados, Temer vive um momento complicado. A preocupação é não perder a base parlamentar de mais de 300 deputados e mais de 60 senadores.

— O risco é o Temer perder a maioria da base. Algo que nenhum outro presidente teve como tem Michel — disse um senador aliado.

O Ministério da Fazenda tem pressa em aprovar a reforma da Previdência, até julho na Câmara e no Senado. Esse calendário era considerado irreal por aliados antes mesmo da crise política aberta com as declarações de Yunes.

No Senado, o primeiro teste de Temer será apenas no dia 7, com a votação da proposta que trata de novas regras para repatriação de recursos no exterior. Na Câmara, a questão da reforma da Previdência será retomada logo depois do carnaval. Antes do feriado, o clima era de insatisfação no PMDB com a forma da escolha de Osmar Serraglio (PMDBPR) para o Ministério da Justiça e o fortalecimento junto a Temer da dobradinha Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Para peemedebistas, todo o desenho da articulação política na Câmara está sendo acertado com Rodrigo Maia e Moreira Franco. Atingido pelas revelações de Yunes, Padilha acaba perdendo ainda mais espaço no Planalto para Moreira Franco.

As declarações de Yunes geraram apreensão e reações diversas dentro do governo e do PMDB. De um lado, a perplexidade de aliados com a atitude de Yunes, tão próximo de Temer. De outro, alguns avaliam que as declarações acabam afetando Padilha diretamente e blindando o próprio Temer.

O enfraquecimento de Padilha neste momento deixa Moreira Franco como único remanescente do núcleo de colaboradores de Temer. Na última sexta-feira, Temer foi conversar com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), a quem fez uma visita no hospital. Eunício foi operado na quinta-feira para a retirada da vesícula e deixou o hospital no sábado.

PRESIDENTE VEM PERDENDO MINISTROS

Ao comunicar sua alta hospitalar, Eunício disse em mensagem no Twitter que o Brasil precisa de “ponderação” neste momento. Ele afirmou ainda que voltará ao Congresso depois do carnaval, e que o Brasil “está precisando de muita ponderação e segurança para trabalhar”. O Senado só terá votações a partir do dia 7.

Temer vem perdendo seus principais colaboradores — a chamada “cozinha” do Planalto — devido principalmente às investigações da Lava-Jato. Nos últimos dias, Temer conversou com parlamentares e ministros sobre o estado de saúde de Padilha, considerado vital na composição do governo. Não haveria nome político capaz de substituí-lo, e a saída seria manter o atual subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha.

Os estragos na condução política podem comprometer o momento de respiro na economia. O próprio anúncio da liberação de recursos de contas inativas do FGTS — que tinha causado boa reação na população —ea nova queda da taxa de juros viraram notícias de menor importância. (Colaborou Gabriela Lara)

 

O globo, n. 30520, 27/02/2017. País, p. 4