Lava-Jato: Servidor do Uruguai é achado morto 

Janaína Figueiredo e Chico Otavio 

27/02/2017

 

 

Secretário Antilavagem de Dinheiro iria colaborar com as investigações brasileiras

-BUENOS AIRES E RIO- O secretário uruguaio de Luta contra a Lavagem de Dinheiro, Carlos Díaz, de 69 anos, foi encontrado morto na piscina de sua casa, em Punta del Este, na noite do último sábado. Autor de um projeto de lei considerado estratégico pelo governo do presidente Tabaré Vázquez na cruzada contra a lavagem, Díaz também pretendia colaborar com as investigações brasileiras da Operação Lava-Jato. De acordo com uma fonte do Judiciário uruguaio, a polícia “não encontrou indícios de violência na casa e nem no corpo” e trabalha inicialmente com a hipótese de infarto.

Carlos Díaz estava disposto a ceder o próprio gabinete às autoridades brasileiras. A parceria pode ocorrer num momento delicado das relações do Uruguai com o Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (Gafi). Espécie de xerife do mercado financeiro global, o Gafi havia incluído o Uruguai na lista de países que não cumprem a legislação internacional sobre operações financeiras. Só retirou o país provisoriamente da lista depois que o governo assumiu o compromisso de mudar, sendo mais transparente e obrigando as empresas offshores a declarar os seus proprietários.

— Se não cooperarmos com o Brasil, teremos enormes problemas com o Gafi — disse Díaz, na entrevista ao GLOBO, semana passada, em Montevidéu.

Na autopsia feita pelo Instituto Técnico Forense (ITF), “foram descartados agentes externos no caso e tudo indica que foi uma morte natural”, revelou ao GLOBO uma alta fonte do Judiciário. Díaz, um ex-fumante que tinha 69 anos, teria sofrido um ataque cardíaco fulminante. A mulher do funcionário que estava dentro da casa no momento da morte foi quem encontrou o corpo na piscina, que tem em torno de 1,5 metro de profundidade.

Díaz era o mais importante funcionário uruguaio na luta contra a lavagem. Em sua sala, exibia um cartaz com a imagem de Dom Quixote e Sancho Pança, acompanhada da frase “Retroceder nunca, renderse jamais”. Advogado, era o autor do projeto de lei “Transparência fiscal internacional e prevenção de lavagem de ativos e financiamento ao terrorismo”, ponta de lança da campanha que pretende retirar o Uruguai definitivamente da lista de paraísos fiscais. Uma das mudanças propostas cria normas que identificam o beneficiário final das empresas offshores residentes no país, o que acaba com a cultura do sigilo usada há anos para esconder donos de dinheiro movimentado ilegalmente.

Ao GLOBO, contou que iria ao Parlamento uruguaio em março para defender a aprovação do projeto. Admitiu, porém, a existência de pressões, exercidas principalmente por alguns escritórios de advocacia especializados na abertura de offshores.

No início do ano que vem, o Gafi, ligado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), iniciará uma auditoria no Uruguai para constatar se o país cumpriu o prometido para ter o nome retirado da lista. O Uruguai foi incluído em 2009, junto com a Costa Rica.

Desde 2010, Díaz e sua equipe participavam de importantes investigações sobre lavagem de dinheiro no Uruguai. Uma delas estava relacionada aos chamados Panamá Papers, revelados no ano passado. O funcionário sempre defendeu publicamente um maior controle estatal sobre as imobiliárias que operam no país, há décadas suspeitas de envolvimento em operações de lavagem.

Díaz também mostrou-se disposto à parceria com as autoridades brasileiras para investigar uma das maiores redes de lavagem de dinheiro sujo procedente do Brasil. O ponto de partida é a descoberta do esquema usado pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral para esconder em paraísos fiscais cerca de US$ 100 milhões ganhos ilegalmente. Um dos envolvidos nas operações de Cabral, o advogado Oscar Algorta, de Montevidéu, é dono de 180 empresas offshores no Uruguai e no Panamá, supostamente criadas para esconder patrimônio e movimentação de recursos de clientes secretos.

O pedido de cooperação entre os dois países deve ser apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) do Brasil nos próximos dias. Um dos alvos é Algorta, que apareceu nas investigações da Operação Calicute, versão da Lava-Jato no Rio, quando os investigadores descobriram que uma secretária do advogado, María Esther Campa Solaris, figurava como titular de uma conta no banco Pictet & Cie, com sede em Genebra, onde Cabral teria escondido US$ 10 milhões (R$ 31,2 milhões). Algorta também é acusado de ter ajudado o exdiretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró a lavar dinheiro na compra de um apartamento de R$ 7,5 milhões em Ipanema, no Rio, em 2009. (*Correspondente)

“Se não cooperarmos com o Brasil, teremos enormes problemas com o Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional)” Carlos Díaz Em entrevista ao GLOBO, semana passada, em Montevidéu

 

O globo, n. 30520, 27/02/2017. País, p. 5