Propina abastecia esquema do PMDB, diz MP
Cleide Carvalho, Cristiane Jungblut e Katna Baran
24/02/2017
 
 
Lava-Jato: Jorge Luz e seu filho Bruno Luz teriam movimentado ilegalmente US$ 40 milhões em dez anos

-SÃO PAULO, BRASÍLIA E CURITIBA- Na 38ª fase da Operação Lava-Jato, chamada Blackout e deflagrada ontem, a Polícia Federal mirou um operador financeiro ligado ao PMDB que atua na Petrobras desde a década de 1980: Jorge Luz. Ele e seu filho Bruno Luz teriam movimentado US$ 40 milhões em propina, agindo como intermediários de agentes públicos e políticos, a maioria senadores, segundo a investigação.

A atuação de ambos, como detalhou o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Diogo Castor de Mattos, ocorria principalmente na diretoria Internacional da Petrobras, mas também em serviços esporádicos na diretoria de Abastecimento e de Serviços da estatal.

Sem detalhar ou citar nomes, Mattos reforçou que os destinatários da propina são “pessoas que ainda estão no cargo, gozando de foro privilegiado”.

O despacho do juiz Sérgio Moro lembra que Luz e seu filho já tinham sido citados em depoimentos dos ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa. Cerveró disse que, após a negociação da primeira sonda, chamada Petrobras 10.000, em 2006, se comprometeu a repassar — por meio de Jorge Luz e o lobista Fernando Baiano — US$ 5,5 milhões de dólares para Renan Calheiros (AL) e Jader Barbalho (PA), em troca do apoio do PMDB para permanecer na diretoria Internacional.

Já Paulo Roberto Costa contou que, em 2008, Jorge Luz lhe apresentou uma empresa americana, fornecedora de asfalto, que acabou sendo contratada pela Petrobras. Pelo contrato, a companhia teria pagado “comissão” a Costa de US$ 192,8 mil e também a Luz, que repassou parte dos recursos a outro político.

Jorge e Bruno Luz tiveram a prisão preventiva decretada e são considerados foragidos da Justiça. De acordo com o despacho de Moro, Bruno deixou o país em 16 de agosto, sendo seguido por seu pai em 11 de janeiro. Os dois estariam nos Estados Unidos, segundo fontes da PF. Moro pediu a inclusão de ambos na lista vermelha de procurados da Interpol. A defesa dos acusados disse ontem que eles vão antecipar as passagens de volta para que possam se entregar às autoridades “no menor tempo possível”. Os advogados Gustavo Teixeira e Rafael Cunha Kullmann afirmaram que os acusados não são foragidos porque já tinham passagem de retorno agendadas anteriormente. Além de Jorge e Bruno Luz, um terceiro operador teve pedido de prisão revogado ontem por Moro após decidir negociar delação premiada com o MPF. Trata-se de Apolo Santana Vieira, que era um dos donos do jatinho que caiu e provocou a morte do candidato à Presidência em 2014 Eduardo Campos.

Segundo o MPF, os operadores agiam com auxílio de inúmeras empresas de fachada criadas no Brasil, offshores e com verbas enviadas para contas na Suíça e Bahamas. Foi por meio da cooperação internacional da Lava-Jato que se pode chegar ao destino do dinheiro e, assim, a uma série de provas que levaram aos mandados de prisão cumpridos ontem.

— Pode haver relação desses operadores com outros delatores e crimes além dos indicados na representação de hoje. Mas, em princípio, as provas robustas estão nessa frente da representação — explicou o delegado da PF Maurício Moscardi.

Em nota, na manhã de ontem, o ex-presidente do Senado e atual líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), confirmou que conhecia Jorge Luz, mas que não o via há 25 anos. Em um primeiro momento, assessores haviam dito que o senador não encontrava o operador há dez anos — versão depois classificada como “um erro”. No comunicado, Renan frisou que “a chance de se encontrar qualquer irregularidade em suas contas pessoais ou eleitorais é igual a zero”.

CORRUPÇÃO, FRAUDE E LAVAGEM

O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) afirmou que jamais teve relacionamento com Jorge Luz e acredita que tenha sido apresentado a ele em 1983. Já o presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR), negou envolvimento com os operadores. Em nota, ele ainda destacou que Jorge e Bruno “não têm relação com o partido e nunca foram autorizados a falar em nome do PMDB”.

Ligados a parlamentares do PMDB e a funcionários da área internacional da Petrobras, Jorge e Bruno Luz criavam oportunidades de negócios para empresas nacionais e multinacionais em troca de comissão a ser dividida com parlamentares.

Segundo a PF, os dois vão responder por crimes de corrupção, fraude em licitações, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. (* Especial para O GLOBO)

3x4

Jorge Luz é descrito como homem inteligente, discreto e com poucos bens em seu nome — grande parte está com seus filhos e irmãs. Filho de comandante da Marinha nascido no Pará, que mantinha relações com políticos influentes do estado, Luz veio para o Rio jovem e recebeu formação militar. Nos anos 1980, quando não prezava pela discrição, desfilava pela Barra com uma Ferrari. Nessa época, visitava com frequência o Pará, onde se dizia braço-direito do então governador Jader Barbalho. Mesmo casado, Luz circulava no início dos anos 1990 com Ariadne da Cunha Lima, que casou-se depois com Jair Coelho e ficou conhecida como a rainha das quentinhas. O relacionamento de Luz com Ariadne durou quatro anos.

 

O globo, n. 30517, 24/02/2017. País, p. 5