Valor econômico, v. 17, n. 4201, 22/02/2015. Política, p. A6

Besteiras recorrentes

Por: Rosângela Bittar

 

A resposta do ministro Roberto Freire ao escritor Raduan Nassar, em termos polidos mas ao seu estilo veemente, e ao auditório petista que insultava o governo o qual representava na solenidade de entrega do Prêmio Camões, promovida pelo Ministério da Cultura, foi menos uma chamada ao cumprimento de regras da boa educação e mais a expressão de firme posição contra o aparelhamento da Cultura sobre o qual o ministro já tem posição clara.

Freire tem um discurso sempre muito forte. Colocado como resposta aos que o atacaram em premiação de que, admita-se, era anfitrião, deve ter parecido a quem não estava no local uma briga de rua. Mas não foi. Os manifestantes no recinto não perceberam a nuance entre aquele e outros alvos da sua luta política.

O ministro tem uma reflexão e já vinha se colocando diante da extrema partidarização do setor cultural. Chegou ao Ministério com a questão, em sua fase aguda, sendo enfrentada pelo ministro que o antecedeu, Marcelo Calero, cujo período foi mais dramático no combate ao aparelhamento. Havia manifestos, alguns destruidores da imagem do Brasil no exterior, sem a menor preocupação com consequências; prédios fisicamente ocupados; debate interditado. O "golpe", como o PT denominou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, foi desde o início desqualificado por Freire.

Para ele, se a bandeira é levantada por alguém muito jovem, que não viveu e não sabe o que é um golpe, até aceita. Mas se vem de alguém que conheça a história, não tolera. "Pode ter lá muita gente que tenha ainda o histrionismo de imaginar que estamos vivendo um golpe, num país que tem plena liberdade e não tem preso político. Se forem jovens eu admito, porque não viveram a história, mas alguém que tenha uma certa idade, que inclusive participou da resistência e sabe o que é um golpe, não dá. Num regime democrático até a estultice política é permitida".

Freire há muito percebeu o jogo jogado na Cultura. Velho comunista reformista, viu o muro de Berlim cair na cabeça da esquerda como vê agora as besteiras que o PT fez no poder, das quais imagina ter escapado a tempo de não se confundir com a corrupção.

Freire vê em todas as áreas do governo, na que comanda, inclusive e principalmente, reflexos do vale tudo dos governos petistas para implantar seu projeto de poder, "até mesmo despreocupando-se com o código penal". Cabia ao novo governo, a seu ver, superar esse fato.

E como superar se, ainda agora, nove meses depois, na solenidade de premiação da qual o governo era anfitrião e pagador, as reações à sua presença foram tão agudas, como se o impeachment tivesse acabado de ser feito? "A forma de superar é não continuar com práticas que nos dividem. A política é apenas a expressão que cada um usa para debater. O poder republicano não tem que definir nada em função da política. Aqui eu recebo quem pedir para conversar, discutir. Não peço carteirinha de partido".

Sobre o aparelhamento, o ministro Roberto Freire tem uma consolidada percepção e assegura que não trocará o bunker do PT pelo bunker comunista.

"Até porque nós, comunistas, fizemos todas essas besteiras que o petismo fez e não deu certo: dirigismo na arte, pensar que a cultura pode ser dirigida como instrumento de propaganda de qualquer governo. Isso nós já fizemos e demos com os burros n'água. Eu aprendi. O nosso partido aprendeu. Eu costumo dizer que quando o Muro de Berlim caiu, caiu na cabeça da gente".

Desde que reviu sua inserção na política, Freire sempre foi transparente quanto às suas posições, destemido inclusive para defender os governos que representou. "Aqui (na área da Cultura) é um governo democrático e pluralista. O artista é artista, o pintor é pintor, não importa a posição política".

Dizendo-se não tão surpreendido pela partidarização da Cultura, Roberto Freire acha que não encontrou essa prática no manuseio dos principais instrumentos de gestão do Ministério, como a Lei Rouanet, mas em outros, como os setores da diversidade, sim. "Setores da diversidade eram distribuídos em função de partidos, tanto que é uma área onde a prestação de contas não existe. E nós estamos com sindicância".

No cinema, expressão cultural desde sempre partidarizada e não apenas nos períodos de poder petista, o ministro acha que o problema não se aprofundou com o impeachment. "O Conselho Superior de Cinema, que é o órgão que cuida de definir diretrizes para o desenvolvimento do cinema e o audiovisual, apenas homologava o que era mais ou menos definido pela Ancine. Um cineasta nos disse que passou dois anos como conselheiro e não votou uma só resolução". Hoje, conta, já tem lá vários cineastas - os reconhecidos Cacá Diegues e Bruno Barreto entre eles. O diálogo com o setor do cinema brasileiro foi retomado.

Roberto Freire sabe onde está e as suas razões: porque fez o impeachment e a sucessão constitucional dava o cargo a MichelTemer. "Eu não escolhi esse governo que está aí, embora hoje, pelo que Temer tem feito, mereça todo o meu respeito". O ministro da Cultura compara com outra oportunidade, idêntica, em que precisou ajudar a tocar um governo no qual não havia votado e que também assumiu com o afastamento do titular, "Eu estou participando de um governo que é por imposição constitucional e democrática, a de tirar um governo irresponsável e corrupto e colocar um governo que era parte do governo que foi impedido. Eu já vivi isso, não é a primeira vez."

Refere-se o ministro ao governo de Itamar Franco, presidente que era vice de Fernando Collor e que assumiu o governo com o afastamento do antecessor. "Fui líder de Itamar e também não tinha votado em Itamar. Hoje todo mundo o respeita".

Ainda sobre a repulsa ao dirigismo cultural, Freire lembra que, até por ter sido do dirigismo total, que reafirma não ter dado certo, não aprova e não ficará incidindo em erro. "Gera totalitarismo". Não posso ter o Estado definindo quais são as obras que tenho que financiar, o que é que pode ser publicado." Assim, nada mais natural que a concessão de um prêmio elevado em dinheiro a um grande escritor adversário político. "O controle que a própria sociedade, no seu pluralismo, exerce é o que é fundamental na cultura, afirma Freire".(...)

 

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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Relator de proposta tributária estuda criar contribuição para substituir IOF

Por: Fernando Taquari, Cristiane Bonfanti e Andrea Jubé
 

O relator da reforma tributária na comissão especial da Câmara, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), disse que está sendo discutida a criação de uma contribuição de movimentação financeira que substituiria o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O relator disse não ter detalhes sobre a alíquota dessa contribuição, mas que ela representaria entre 3% e 4% da arrecadação total.

Segundo Hauly, entre as medidas estudadas estão ainda a extinção do ICMS e de outros tributos e a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional e de um imposto seletivo "monofásico" para determinados produtos. "Nossa proposta preserva o Imposto de Renda e sugere que, nos anos vindouros, ele se torne progressivo", afirmou o deputado do PSDB, durante o intervalo de uma reunião sobre a reforma tributária no Palácio do Planalto.

Além de Hauly, participaram da reunião o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. A reunião não estava na agenda das autoridades.

Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, apurou que os pressupostos para o futuro do sistema tributário nacional discutidos no encontro incluem a manutenção da carga tributária perto de 35% do PIB e o fim da guerra fiscal predatória entre os Estados. O governo também debate a redução dos encargos sobre a folha de pagamento, com o objetivo de aumentar a empregabilidade, e a criação de uma Super-Receita Estadual para tributar e fiscalizar a cobrança no novo IVA.

O relator disse que o texto da proposta de reforma tributária está praticamente pronto, mas que não há uma data sobre sua eventual votação. A ideia, segundo o tucano, é afinar a proposta com o governo federal. O assessor especial da Casa Civil Gastão Toledo, por sua vez, disse que o texto ainda está em fase de estudo. "Não temos uma definição sobre a proposta que será aprovada ou apoiada pelo governo. É muito cedo para ter uma formatação completa e definitiva de uma proposta", afirmou.

Questionado sobre a criação de uma espécie de CPMF, o ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy, disse que não há sentido em fazer uma proposta de aumento da carga tributária. "Estou tomando conhecimento agora do que o deputado Hauly falou sobre CPMF. O governo tem proposta clara. Estamos na construção da retomada do crescimento econômico, de recuperação da renda e cortando despesas, cortando a própria carne. Não vejo nenhum sentido de fazer proposta do governo de aumento da carga tributária", afirmou o ministro Imbassahy, após reunião também no Palácio sobre reforma da Previdência. Para o ministro, a não elevação da carga tributária é uma questão "basilar" para o governo. No caso da criação de uma espécie de CPMF em substituição ao IOF, e não somente como elevação de carga tributária, o ministro da Secretaria de Governo disse que não conhece qual seria essa mecânica. "Se houve conversação nesse sentido [de substituição], pode prosperar, mas com base na ideia básica de que não haverá aumento da carga tributária. Isso é inquestionável", afirmou.

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Relator de proposta tributária estuda criar contribuição para substituir IOF

Por: Fernando Taquari, Cristiane Bonfanti e Andrea Jubé
 

O relator da reforma tributária na comissão especial da Câmara, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), disse que está sendo discutida a criação de uma contribuição de movimentação financeira que substituiria o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O relator disse não ter detalhes sobre a alíquota dessa contribuição, mas que ela representaria entre 3% e 4% da arrecadação total.

Segundo Hauly, entre as medidas estudadas estão ainda a extinção do ICMS e de outros tributos e a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional e de um imposto seletivo "monofásico" para determinados produtos. "Nossa proposta preserva o Imposto de Renda e sugere que, nos anos vindouros, ele se torne progressivo", afirmou o deputado do PSDB, durante o intervalo de uma reunião sobre a reforma tributária no Palácio do Planalto.

Além de Hauly, participaram da reunião o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. A reunião não estava na agenda das autoridades.

Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, apurou que os pressupostos para o futuro do sistema tributário nacional discutidos no encontro incluem a manutenção da carga tributária perto de 35% do PIB e o fim da guerra fiscal predatória entre os Estados. O governo também debate a redução dos encargos sobre a folha de pagamento, com o objetivo de aumentar a empregabilidade, e a criação de uma Super-Receita Estadual para tributar e fiscalizar a cobrança no novo IVA.

O relator disse que o texto da proposta de reforma tributária está praticamente pronto, mas que não há uma data sobre sua eventual votação. A ideia, segundo o tucano, é afinar a proposta com o governo federal. O assessor especial da Casa Civil Gastão Toledo, por sua vez, disse que o texto ainda está em fase de estudo. "Não temos uma definição sobre a proposta que será aprovada ou apoiada pelo governo. É muito cedo para ter uma formatação completa e definitiva de uma proposta", afirmou.

Questionado sobre a criação de uma espécie de CPMF, o ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy, disse que não há sentido em fazer uma proposta de aumento da carga tributária. "Estou tomando conhecimento agora do que o deputado Hauly falou sobre CPMF. O governo tem proposta clara. Estamos na construção da retomada do crescimento econômico, de recuperação da renda e cortando despesas, cortando a própria carne. Não vejo nenhum sentido de fazer proposta do governo de aumento da carga tributária", afirmou o ministro Imbassahy, após reunião também no Palácio sobre reforma da Previdência. Para o ministro, a não elevação da carga tributária é uma questão "basilar" para o governo. No caso da criação de uma espécie de CPMF em substituição ao IOF, e não somente como elevação de carga tributária, o ministro da Secretaria de Governo disse que não conhece qual seria essa mecânica. "Se houve conversação nesse sentido [de substituição], pode prosperar, mas com base na ideia básica de que não haverá aumento da carga tributária. Isso é inquestionável", afirmou.

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Planalto quer votar reforma em abril

Por: Edna Simão e Raphael Di Cunto
 

O governo quer levar a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência Social para votação no plenário daCâmara dos Deputados ainda em abril e, para diminuir resistências, promoveu ontem reunião dos integrantes da comissão que discute o projeto e dos líderes dos partidos da base com o presidente Michel Temer, e os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Governo, Antônio Imbassahy.

No encontro, o presidente Temer reafirmou compromisso com as reformas estruturantes e destacou que as mudanças são necessárias "para arrumar a casa". "[Temos a] Menor inflação dos últimos 20 anos. Os juros começaram a cair, não sem razão. E a cair responsavelmente", disse.

Pressionado por parlamentares da base a ampliar o tempo de debate, Imbassahy afirmou que o governo negocia uma pequena dilatação do prazo, de no máximo de 10 dias, mas que "a ideia é ter a proposta aprovada em abril no plenário da Câmara".

Após a reunião, o relator da PEC, deputado Arthur Maia (PPS-BA), afirmou que é difícil falar em calendário para o plenário, mas que ele entregará o parecer entre os dias 16 e 20 de março na comissão. Maia defende a necessidade da reforma, mas avisou que seu relatório dificilmente manterá a regra de transição proposta pelo governo por considera-la "desigual". O relator está estudando alternativas, que considerem a idade do trabalhador e a quantidade de anos que restam para a aposentadoria. "Nenhum ponto da PEC aqui é fato consumado", afirmou.

A reforma da Previdência prevê uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres, porém homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos terão uma regra de transição que é um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para solicitar a aposentadoria.

Além das mudanças já defendidas pelo relator, um grupo de 23 deputados de oito partidos protocolará hoje emenda para flexibilizar as regras propostas pelo governo, como a idade mínima, os 49 anos de contribuição para receber aposentadoria integral e as regras de transição e acúmulo de pensões.

Segundo o deputado Paulinho da Força (SD-SP), presidente da Força Sindical, a proposta será apresentada com as assinaturas de "mais de 250" deputados. Embora o número seja expressivo, vários assinam para deixar a proposta tramitar, sem compromisso de votar favoravelmente.

A emenda propõe idade mínima para aposentadoria de 60 anos para homens e 58 anos para mulheres, com 40 anos de contribuição para receber o benefício integral. A regra de transição será de 30% a mais de tempo de trabalho para atingir a aposentadoria e a permissão para acumular pensões, desde que o valor somado não ultrapasse o teto do INSS.

O relator disse que todas as emendas serão avaliadas, desde que não desvirtuem a reforma. "Não podemos aceitar emendas que desfigurem o projeto e não tragam para a Previdência a necessária recomposição da sua sustentabilidade. Não adianta fazermos uma reforma inócua", disse. O relator voltou a defender o fim das isenções das filantrópicas, como as da educação.

Sobre a possível alteração de pontos da reforma, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, disse que o governo reconhece a soberania do Congresso Nacional na votação da matéria, mas espera que os deputados mantenham o texto "o mais fiel possível à proposta original".

Representantes dos trabalhadores presentes ontem em comissão da Câmara protestaram contra as mudanças, dizendo que não deveriam ocorrer de forma açodada. "Vamos fazer com passos adequados. Não vamos querer deixar o legado da miséria e injustiça. Vamos construir o legado da cidadania", afirmou o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah.

O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, afirmou que a proposta do governo não só retarda a aposentadoria como dificulta o acesso e reduz o valor do benefício. (Colaboraram Andrea Jubé, Cristiane Bonfanti e Fernando Taquari)