O Estado de São Paulo, n. 45037, 06/02/2017. Política, p. A6

Tese de Moraes impediria sua nomeação ao STF

Doutorado - Entre as regras sugeridas pelo ministro da Justiça em seu trabalho para a USP está o veto a quem ‘exerce cargo de confiança’ para a Presidência

Por: Luiz Maklouf Carvalho

 

Em tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da USP, em julho de 2000, o hoje ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, defendeu que, na indicação ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, fossem vedados os que exercem cargos de confiança “durante o mandato do presidente da República em exercício” para que se evitasse “demonstração de gratidão política”. Por esse critério, ele próprio, um dos cotados para a sucessão do ministro Teori Zavascki, estaria impedido de ser indicado pelo presidente Michel Temer.

O veto sugerido por Moraes está no ponto 103 da conclusão da tese. Ele diz: “É vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo, mandatos eletivos, ou o cargo de procurador-geral da República, durante o mandato do presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa Corte Constitucional”.

O ministro não quis dar entrevista sobre sua tese de doutorado.

Um sumário da mesma está no banco de dados bibliográficos da USP (dedalus.

usp.br). Seu título é Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da Constituição. Além do veto já citado, Moraes defende que os ministros do Supremo tenham mandato por tempo determinado, e não a vitaliciedade prevista na Constituição de 1988.

Defende, também, mudança expressiva na forma da escolha dos 11 ministros: quatro pelo presidente da República (“mediante prévio parecer opinativo do Conselho Federal da OAB”), quatro eleitos pelo Congresso e três escolhidos pelo próprio STF. Pela Constituição, hoje os onze ministros são escolhidos pelo presidente da República – como Michel Temer fará ao indicar o substituto de Teori Zavascki, morto mês passado – e, depois, sabatinados pelo Senado, que tem a palavra final.

A tese – um “tijolo” de 416 páginas, originais disponíveis na biblioteca da USP do Largo de São Francisco – foi orientada pelo jurista e professor Dalmo Dallari. “Como estudioso do direito, ele é melhor do que nos cargos executivos, inclusive o de ministro”, disse Dallari ao Estado. O professor emérito lembrou do doutorando, mas não quis fazer mais comentários.

Os demais integrantes da banca foram o hoje ministro do STF Ricardo Lewandowski e os professores Paulo de Barros Carvalho, Celso Fernandes Campilongo e Mônica Garcia.

Aprovaram a tese, mas sem o “com louvor” que costuma brindar trabalhos mais elaborados e/ou originais.

Já naquele 2000 – quase 12 anos passados depois da Constituinte, que neste fevereiro completa três décadas –, Alexandre de Moraes era fã do hoje presidente Michel Temer. Não só o citou na bibliografia do cartapácio – Temer, Michel – Constituição e política, 1994; Elementos de Direito Constitucional, 1995 – como, mais relevante, defendeu, na tese, quase as mesmas posições do constituinte Temer, também favorável a mandatos e a uma nova forma de composição e de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, propostas (não só dele) derrotadas nas votações.

A ideia central da tese é, em juridiquês repetitivo, “identificar a necessidade de uma atuação efetiva e eficiente da justiça constitucional, por meio de seu órgão máximo, o Tribunal Constitucional, como meio de garantir a supremacia constitucional”.

 

Atribuições e mudanças. Na primeira parte, Moraes teoriza sobre o direito constitucional. Na segunda, detalha, relatorialmente, como funciona a justiça constitucional em alguns países (modelos americano, alemão, austríaco e francês). Na última parte, menos árida, debulha a jurisdição constitucional brasileira, e o Supremo Tribunal Federal.

“Após a análise detalhada da evolução histórica do STF e de suas competências constitucionais, concluiu-se pela necessidade de sua transformação em exclusiva (grifo no original) Corte de Constitucionalidade, dirigindo seus trabalhos para a finalidade básica de preservação de supremacia constitucional e defesa intransigente dos direitos fundamentais”, escreveu o agora ministro e também autor de outras obras jurídicas.

Nos 110 pontos em que dividiu a conclusão de sua tese, Moraes fez inúmeras sugestões de mudanças – como a do mandato e da nova forma de escolha dos ministros do STF. Uma outra diz que a Constituição “deverá exigir maiores requisitos capacitários para o exercício do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, além de maiores vedações e incompatibilidades”.

Entre as condições “capacitárias”, dez anos de efetivo exercício de cargos privativos de bacharel em Direito, ou a condição de jurista, com o título de doutor. Para os três a serem escolhidos pela própria Corte, dez anos de carreira no magistério ou no Ministério Público. Entre as vedações, aquela que hoje, se vigente, impediria a sua indicação para o cargo.

 

Divisão. Moraes escreve que Congresso e o próprio Supremo deveriam sugerir nomes

 

TRECHOS

“É vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo,...

...mandatos eletivos, ou o cargo de procurador-geral da República, durante o mandato do presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa Corte Constitucional.

 

“Após a análise detalhada da evolução histórica do STF e de suas competências constitucionais,...

...concluiu-se pela necessidade de sua transformação em exclusiva Corte de Constitucionalidade, dirigindo seus trabalhos para a finalidade básica de preservação de supremacia constitucional.”

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Eunício e Renan divergem sobre candidatura à CCJ

Por: Vera Rosa / Ricardo Brito / Isabela Bonfim

 

No primeiro embate velado desde que inverteram os papéis no Senado, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), e o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), defendem candidatos diferentes para comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Renan e Eunício têm estratégias distintas para os trabalhos do mais importante colegiado do Senado. É por ali que passarão as sabatinas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) a ser indicado pelo presidente Michel Temer, nos próximos dias, e do novo procurador- geral da República, que deve ocorrer em setembro.

A disputa pelo comando da comissão foi tamanha na semana passada que, apesar de os peemedebistas terem feito três reuniões, não houve consenso para a escolha do nome. Para evitar que a briga fosse a voto na bancada do PMDB no mesmo dia da eleição de Eunício, a decisão foi adiada. O mais provável é de que ocorra amanhã.

Alvo de mais de dez inquéritos no Supremo, incluindo os da Lava Jato, Renan defende o nome de Edison Lobão (PMDB-MA), outro investigado, para comandar a CCJ. Sem medo de polêmica, o ex-presidente do Senado pretende reativar ali o debate sobre o projeto que pune abuso de autoridade por parte de juízes, procuradores e promotores.

Vista pelo Ministério Público e também pelo Judiciário como retaliação às investigações da Lava Jato, a proposta foi a principal bandeira de Renan no fim do ano passado. À época, ele tentou colocar o projeto em votação no plenário, sem sucesso. Agora, avalia que Lobão, mesmo diante de críticas, não se furtaria a encampar a proposta na CCJ.

Eunício, por sua vez, defende o nome do senador Raimundo Lira (PMDB-PB), ex-presidente da Comissão do Impeachment.

De perfil discreto, Lira não apareceu, até o momento, em qualquer citação da Lava Jato e, de acordo com seus amigos, não mexeria no “vespeiro” do abuso de autoridade.

O receio do novo presidente do Senado é de que uma agenda como esta o ponha na mira do Ministério Público, como ocorreu com o próprio Renan, no ano passado, quando foi alvo de pedidos de prisão e afastamento do cargo. Eunício não responde a inquérito na Lava Jato, embora já tenha sido citado em delações, como a do ex-executivo da Odebrecht Cláudio Melo Filho, que o acusou de receber R$ 2,1 milhões de propina para defender interesses da empreiteira.

Ele nega.

Na última semana, Lira relatou que se sentiu prejudicado pela atuação de Renan na disputa.

“Eu deixei de fazer todo o trabalho de articulação antecipado porque o senador Renan me pediu para ficar com a liderança.

Mas, na última semana, ele mesmo assumiu o cargo (de líder do PMDB no Senado) e apresentou novo indicado para a CCJ.”

 

Concorrentes. Além de Lobão e Lira, a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) também quer presidir a CCJ, mas seus colegas de partido dizem que ela não apenas não tem chance como não aceitaria esse jogo político.

 

Sem consenso. Renan e Eunício: escolha adiada