Cidades buscam saneamento privado

Luciano Máximo

18/02/2017

 

 

Enquanto a estruturação do modelo de privatização a ser empregado por seis empresas estaduais de saneamento prossegue lentamente dentro do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, pelo menos 248 municípios brasileiros se movimentam para atrair o capital privado a investir em suas operações e melhorar os indicadores do setor.

Consulta do Valor com prefeituras, governos estaduais e empresas mapeou as mais de duas centenas de cidades, onde hoje vivem quase 10 milhões de habitantes. Atualmente elas estão em diferentes estágios do processo licitatório que poderá resultar, no curto e médio prazo, no fechamento de contratos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), na maioria dos casos, que contemplarão dezenas de bilhões de reais em investimentos num prazo médio de 30 anos.

De acordo com o departamento de licitações da prefeitura de Caçador, no interior de Santa Catarina, nos próximos dias será anunciado o vencedor da concorrência pública para a concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento de cerca de 75 mil usuários do município. Disputam o certame Odebrecht Ambiental, Consórcio Caçador Saneamento, formado pelas empresas de engenharia Serrana e Itajuí, e o Consórcio Água e Esgoto de Caçador (Aegea e Solvi).

Em Erechim (RS), Ubatuba (SP) e Mirandópolis (SP), que juntas contabilizam mais de 210 mil habitantes, as empresas interessadas entregam neste mês os envelopes com as propostas para a concessão da operação de água e esgoto.

Em nove municípios da região metropolitana de Porto Alegre, onde vivem 1,3 milhão de pessoas, uma PPP coordenada pela para Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) prevê aportes de R$ 1,85 bilhão, diluídos em 11 anos, para obras de expansão da rede de esgoto. Interessado no projeto, o presidente da Aegea Saneamento, Hamilton Amadeo, diz que o edital estará na rua em abril. "A entrega de propostas deve ocorrer em setembro. Até o fim do ano dá para esperar a assinatura dos contratos", projeta Amadeo.

Ainda no primeiro trimestre deste ano o mercado terá novidades sobre projetos de PPP para água e esgoto em Viana e Cariacica, no Espírito Santo, e só esgoto no Rio de Janeiro, onde o prefeito Marcelo Crivella (PRB) anunciará em breve iniciativa para ampliar a rede que atende 100 mil pessoas que vivem na Barra da Tijuca, zona oeste da capital fluminense.

"Vamos repetir a experiência de outras duas cidades maiores do Estado [Vila Velha e Serra] e lançar novas PPPs. Com esses projetos eu consigo compartilhar a capacidade de investimento da nossa estatal e do próprio Estado num momento difícil e ampliar os serviços", disse o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung.

Mesmo credenciada para a privatização do PPI, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) decidiu não esperar e planeja subconceder sua atual operação água e esgoto em Belém, Marituba e Ananindeua, na região metropolitana da capital do Estado. Com baixa capacidade de investimento, a Cosanpa quer agilizar a terceirização dos serviços a 2 milhões de usuários com o objetivo de conseguir melhorar os péssimos indicadores da companhia, cuja cobertura urbana de abastecimento de água está estagnada na marca de 60% da população. No momento a empresa analisa estudos técnicos entregues pelo setor privado na fase denominada procedimento de manifestação de interesse (PMI).

Amadeo, da Aegea, explica que assinaturas pontuais de concessão ou PPP agora não prejudicarão venda, concessão ou PPP das companhias estaduais de saneamento quando o PPI estiver em fase mais avançada. "Os estudos de viabilidade técnica são a parte mais complexa de todo o processo, assim como a autorização municipal para um empresa estadual avançar em concessões ou PPPs no âmbito municipal. O PPI vai desenhar uma solução que não conflite com contratos em vigor", avalia o executivo.

O mapeamento da onda de privatizações no setor de água e esgoto em curso nos municípios brasileiros também mostra que 68 cidades do interior do Mato Grosso do Sul, onde há 1,8 milhão de habitantes, são alvo de estudos técnicos (PMI) para definição da modelagem licitatória. Jardinópolis, no interior paulista, também aguarda entrega do PMI para seguir com à concorrência.

Em Pernambuco há o interesse da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) de levar PPPs focadas no serviço de coleta e tratamento de esgoto a mais de 150 cidades do interior, o que beneficiaria cerca de 4 milhões de pessoas, conta Roberto Tavares, presidente da estatal e da Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe). "O momento é de repactuação entre os setores público e privado. Estou sentindo que, com segurança jurídica, o setor privado vem com força", complementa Tavares.

Em etapas também iniciais, o levantamento aponta que há cidades organizando audiências públicas e discutindo a formatação de seus planos municipais de saneamento, exigência legal para contratar parceiros privados.

Há ainda uma leva de projetos privatizantes em todo o país que ficaram pelo caminho com a entrada dos prefeitos eleitos em janeiro deste ano. "O índice de reeleição foi muito baixo nos pleitos de 2016. Vejo grande parte dos municípios paralisada com a chegada dos novos prefeitos. Muitos têm cancelado ou suspendidos editais que estavam em andamento, além disso há limitações técnicas dos municípios e pendências regulatórias que dificultam novas concorrências", opina Carlos Henrique da Cruz Lima, diretor de planejamento do Grupo Águas do Brasil.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4199, 18/02/2017. Brasil, p. A4.