O Estado de São Paulo, n. 45038, 07/02/2017. Política, p. A6

‘In pectore’

Por: Eliane Cantanhêde

 

O ministro Alexandre de Moraes foi desde o início o nome preferido do presidente Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki no Supremo. Podia até não preencher os critérios da opinião pública, mas preenchia todos os critérios do próprio Temer: constitucionalista como ele, doutor pela USP, professor universitário, livros publicados, cioso do equilíbrio entre poderes e cuidadoso em matéria penal e em questões fiscais – algo fundamental em tempos de reformas.

Temer deixou inflar o número de candidatos e a cada um correspondia uma avalanche de críticas, enquanto ele avisava, conforme publicado neste espaço em 31 de janeiro: “Se eu tiver de pagar um alto preço, pago com o Alexandre”. Era uma senha: se fosse para apanhar com fulano ou beltrano, ele nomearia – como nomeou – a sua opção in pectore.

Um sinal do favoritismo de Moraes foi que ele subitamente se recolheu e ficou mudo, mas, quando Temer reforçou o Ministério da Justiça com a Segurança Pública, ficou a dúvida: se reforçou, é porque não vai trocar o ministro? Trocou, mas, antes, certificou-se de que os demais ministros acatariam bem o nome de Moraes, consultou os presidentes da Câmara e do Senado (que sabatina ministros do STF) e esperou Edson Fachin preencher a Segunda Turma e abrir caminho para Moraes na Primeira, que não tem a ver diretamente com a Lava Jato. O voto dele pesa, mas em plenário.

Além de falar demais, Moraes teve uma passagem particularmente infeliz na Justiça, quando disse que Roraima não tinha pedido ajuda federal e foi desmentido cabalmente pela governadora do Estado. Um vexame, que potencializou as críticas a um ministro que carrega uma curiosa ambiguidade: um currículo acadêmico exemplar e a imagem de superficial e desengonçado ao falar.

O mais delicado, porém, são as circunstâncias políticas. Moraes é filiado ao PSDB, foi secretário duas vezes nas gestões tucanas em São Paulo e é do primeiro escalão do governo Temer, deixando a impressão de que será uma extensão do Planalto no Supremo. Em sua tese de doutorado, como mostrou o Estado ontem, ele defendeu que a indicação de ministros do STF fosse vedada a quem exerça função de confiança do presidente, para evitar “demonstração de gratidão política”. Esqueçam o que escrevi? Uma comparação inevitável é com Dias Toffoli, que também chegou jovem ao STF (42 anos, contra os 48 de Moraes).

Ele foi advogado do PT em três campanhas presidenciais, assessor da liderança do PT e da CUT e advogado-geral da União com Lula. A diferença é que Moraes é considerado aluno brilhante, enquanto Toffoli não tem mestrado nem doutorado e levou duas bombas para juiz, antes de ir para a mais alta corte.

Assim como Toffoli, sete dos atuais ministros foram indicados por Lula ou Dilma, menos Celso de Mello (Sarney), Marco Aurélio (Collor) e Gilmar Mendes (FHC). Fachin, inclusive, apoiou publicamente a campanha de Dilma. Ou seja, não se pode dizer que Moraes vá desequilibrar o plenário...

E mais: se os ministros indicados na era PT têm sido juristas e não petistas nos julgamentos, mesmo no do mensalão, é esse apartidarismo que se espera de Moraes. A ver.

Dos 28 nomes levados a Temer, um chegou a estremecer a vantagem de Moraes, o do presidente do TST, Ives Gandra Filho, com apoio de setores da Igreja Católica e das evangélicas, do empresariado, do tucanato paulista.

Excessivamente conservador, atraiu um turbilhão de críticas. E, como avisou Temer, se é para pagar um alto preço com o candidato alheio, ele prefere pagar com o seu próprio.

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JURISTA RECONHECIDO, POLÍTICO CONTROVERSO

Atual ministro da Justiça entrou na política pelas mãos do ex-governador Cláudio Lembo e é autor de best seller jurídico

Por: Pedro Venceslau e Gilberto Amendola

 

Escolhido pelo presidente Michel Temer para ocupar a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF), o atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de 48 anos, colecionou polêmicas e desafetos tanto na política quanto em sua vida acadêmica.

Doutor pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona, sua indicação foi alvo de críticas de estudantes ligados ao tradicional Centro Acadêmico XI de Agosto tão logo foi divulgada.

Entre outras acusações, alegam que Moraes tem postura “arrogante” em sala de aula.

Colega do ministro na São Francisco, a advogada Janaina Paschoal o defende. “Alguns alunos podem ter restrições ao trabalho dele, mas isso é natural no meio acadêmico. Alexandre sempre foi uma pessoa gentil e convicta de suas crenças.” Moraes ingressou no meio jurídico ao ser aprovado em primeiro lugar em concurso para promotor de Justiça em São Paulo, em 1991, aos 23 anos. No cargo, se notabilizou por investigar o caso do “Frangogate”, que apurou a compra superfaturada de frangos pela Prefeitura de São Paulo nas gestões de Paulo Maluf e Celso Pitta.

Também foi professor de cursinho para concursos e, em 1997, escreveu Direito Constitucional, best-seller sobre o assunto que está na 33.ª edição.

Em entrevista ao Estado em   2016, defendeu restringir o foro privilegiado a chefes de Poderes e a ministros do STF. Também já defendeu o início da execução de pena para réus condenados em segunda instância.

 

Política. Moraes começou a carreira na gestão pública em 2002, quando foi indicado pelo ex-governador Cláudio Lembo (DEM) e nomeado por Geraldo Alckmin (PSDB) no cargo de secretário de Justiça. Junto de outros nomes, como Lars Grael, integrava um grupo que nos bastidores do Palácio dos Bandeirantes era conhecido como “Lembo boys”.

Entre 2007 e 2010, durante a gestão do então prefeito Gilberto Kassab, foi secretário municipal dos Transportes e de Serviços, chefiou a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e a SPTrans. No período, foi chamado de “supersecretário”.

Kassab chegou a ventilar o nome de Moraes como seu sucessor na Prefeitura, mas eles romperam em 2010. Desde então, a relação com o hoje colega de Esplanada nunca mais foi a mesma.

Em 2014, voltou ao governo paulista, agora como secretário da Segurança Pública. Assessores e colegas que estiveram ao seu lado nesse período usam adjetivos como “centralizador”, “exigente” e “vaidoso” para defini-lo.

Em 2015, trocou o PMDB pelo PSDB, entrando na lista de cotados para disputar a Prefeitura.

Foi preterido por João Doria.

Entre os tucanos, tornou-se desafeto do deputado estadual Fernando Capez, presidente da Assembleia Legislativa. O motivo foi o apoio à Operação Alba Branca, que investiga suspeitas de corrupção na compra de produtos destinados à merenda escolar. O nome de Capez foi citado na operação.

À frente do Ministério da Justiça, teve uma gestão conturbada, marcada pela crise no sistema penitenciário, pela antecipação de uma fase da Operação Lava Jato e por críticas à política de combate às drogas.

Seu escritório de advocacia teve como cliente uma cooperativa de vans citada em investigação por suspeita de ligação com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Também foi advogado do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em outubro passado, o jornal Folha de S.Paulo revelou que a Operação Acrônimo da   Polícia Federal apreendeu documentos que indicam o pagamento de ao menos R$ 4 milhões de uma das empresas investigadas para a firma de advocacia de Moraes. O caso foi arquivado “liminarmente” por Luiz Fux, seu futuro colega no STF caso passe pelo Senado. /  COLABORARAM BRENO PIRES e RAFAEL MORAES MOURA

 

Tese

Em sua tese de doutorado, conforme revelou o Estado ontem, Moraes defendeu proibir a indicação de nomes ao STF que ocupassem cargos de confiança no governo. O objetivo, segundo ele, seria evitar “demonstração de gratidão política”.

 

POLÊMICAS

Lava Jato

Em setembro, Alexandre de Moraes antecipou uma das fases da Lava Jato a integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre), em Ribeirão Preto (SP). Naquela semana, a Polícia Federal prendeu o ex-ministro Antonio Palocci.

 

Presídios

Moraes foi desmentido por documentos após afirmar que a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), não havia pedido ajuda do governo federal para controlar a situação dos presídios.

 

Maconha

Após divulgação de propostas do Plano Nacional de Segurança para erradicar comércio e uso de maconha no País, Moraes negou as orientações. Em julho, ele apareceu em vídeo cortando pés da planta com facão, no Paraguai.

 

Advogado

Entre os clientes de seu escritório de advocacia estiveram a Transcooper, cooperativa de perueiros que foi investigada em 2015 por suspeita de lavar dinheiro do PCC, e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

 

Febem

Quando presidiu a Febem (atual Fundação Casa), em 2002, ele demitiu 1,6 mil funcionários concursados. A Justiça considerou a ação arbitrária e os funcionários tiveram de ser readmitidos.

 

Secretário

No comando da Secretaria da Segurança Pública de SP, Moraes liberou a Polícia Militar para fazer ações de reintegração de posse sem autorização judicial. Também foi acusado de usar força excessiva durante protestos.

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ESTRATÉGIA INUSUAL

Por: Vera Magalhães

 

Uma estratégia inusual à sua personalidade garantiu a Alexandre de Moraes a indicação à vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF): ele articulou com discrição.

Durou pouco, é verdade. Ontem, Moraes rompeu o silêncio que mantinha nas últimas semanas – se abstendo de polêmicas e esperando os adversários ao cargo se queimarem um a um – e foi flagrado por um fotógrafo enviando mensagem à mulher pelo celular confirmando a indicação.

Mas o fato é que, depois de entrar em várias bolas divididas desde que assumiu o Ministério da Justiça, as mais recentes depois de explodir a crise penitenciária, Moraes se recolheu. Passou a implementar o Plano Nacional de Segurança nos bastidores.

Enquanto isso, assistiu à montanha-russa que ceifou nomes como Ives Gandra Martins Filho – outro dos “finalistas” de Temer – e vários ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Prevaleceu o critério político: Temer não esperava ter uma nomeação para o STF em seu curto mandato. Seria um gesto ousado demais indicar seu ministro da Justiça para relatar a Lava Jato.

Mas, ao se eximir de indicar o sucessor de Teori até que a própria Corte resolvesse a vacância da relatoria, o presidente abriu caminho para seu favorito.

A expectativa dos políticos é de que Moraes integre uma maioria a favor da tese de que é preciso separar o joio (enriquecimento pessoal) do trigo (financiamento de campanha) ao tratar dos políticos enrolados na Lava Jato. Não à toa, ele contou com a simpatia dos ministros que têm defendido, aberta ou reservadamente, esse entendimento.

Resta saber se o magistrado Alexandre de Moraes primará pela discrição do candidato ao STF ou pela eloquência anterior (e posterior). Para um juiz, o mais sensato é se manifestar só nos autos.