Da cadeia às ruas

Marcelo Freixo 

02/02/2017

 

 

Os presídios são nossos centros de amnésia, neles entulhamos as misérias que produzimos e queremos esquecer. Mas, diante do esforço em esconder de nós mesmos a barbárie evidente e cotidiana, eles se tornaram também os centros do nosso cinismo.

Em janeiro de 2014, o Brasil ficou atônito com o vídeo que mostrava a degola de detentos no Complexo de Pedrinhas, em São Luís do Maranhão. Três anos depois, a falsa calmaria é interrompida, e o país experimenta a mesma surpresa diante de mortes no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, como se não fosse mais uma tragédia anunciada e ignorada.

O que há de novo? Nada. As prisões continuam sendo notícia apenas quando políticos passam a fazer suas refeições por lá ou ocorrem fugas ou rebeliões. Para muitos, o modelo funciona: basta isolar e castigar, quanto mais cruel, melhor, não importam as condições e os objetivos do cumprimento da pena.

A deterioração carcerária impacta diretamente a segurança pública: a violência lá dentro é a daqui de fora. As organizações criminosas são consequências do caos. Elas não nasceram nas ruas, mas nas cadeias. O descaso público e os discursos que defendem o quanto pior melhor, como se desferissem chibatadas, contribuem para o fortalecimento das facções.

A política penitenciária é parte fundamental do planejamento da segurança pública. Investir e garantir a dignidade nos presídios é estratégico para diminuir a criminalidade. Por isso, é uma aberração que o dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional não seja destinado a melhorias nas prisões.

O resultado é que não existem projetos mínimos para ampliar a quantidade de presos que estudam e trabalham, nem para acompanhar o ex-detento e sua família para evitar que ele volte a cometer crimes.

O Judiciário não se posiciona sobre a escandalosa ilegalidade do sistema. A superpopulação carcerária do Rio já passou de 50 mil detentos. Cerca de 22 mil são presos provisórios que ainda não foram julgados. E a lei de drogas tem servido apenas para prender usuários como traficantes, principalmente moradores de áreas pobres.

É necessário intensificar mutirões processuais e garantir em todo o país a realização das audiências de custódia, em que os detidos em flagrante são levados à presença do juiz em até 24 horas. Essas medidas simples diminuiriam a quantidade de pessoas presas indevidamente.

União e estados precisam atuar em conjunto, integrando dados e ações. O perfil dos presos sequer é conhecido de forma adequada. A Fundação Getulio Vargas publicou o estudo “Geografia do encarceramento”, que mostra onde moram os detentos do Rio. Esses dados são essenciais para agir na raiz do problema, com prevenção. De que forma ele será aproveitado pelo poder público? Sem informações, não é possível criar políticas públicas eficazes.

Mais do que um lugar caro para tornar as pessoas piores, as cadeias brasileiras são motores da violência. Confundir justiça com vingança e querer que prisão seja pelourinho é condenar à barbárie quem está dentro e fora dos presídios.

 

O globo, n. 30495, 02/02/2017. Artigos, p. 15