O Estado de São Paulo, n. 45054, 23/02/2017. Economia, p. B1

Governo reduz em 50% exigência de conteúdo local para setor de petróleo

Nas novas licitações que serão realizadas este ano, as petroleiras poderão comprar menos equipamentos de fornecedores brasileiros do que o exigido nas anteriores; para a indústria local, no entanto, essa é uma política de ‘exportação de empregos

Por: Lu Aiko Otta

 

O governo reduziu em cerca de 50%, em média, a exigência de conteúdo local para contratação de equipamentos de equipamentos pela indústria de petróleo na exploração de novas áreas. A nova metodologia valerá para os leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP) previstos para setembro (14.ª rodada) e novembro (3.ª rodada do pré-sal).

A redução se deu por meio da mudança da forma de cálculo do conteúdo local nos equipamentos. Em vez de um complicado sistema com mais de 90 itens, que descia a detalhes como o tipo de tubo utilizado num equipamento, a apuração agora será global. Nos campos de exploração em terra, ele será calculado nas duas etapas do processo exploratório: exploração e desenvolvimento da produção. Nos dois casos, o conteúdo local será de 50%.

“Entendemos que, melhor que porcentual alto, inexequível, é melhor um porcentual baixo que todos possam atingir”, disse o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, ao anunciar a medida.

Para os campos em mar em profundidade superior a 100 metros, o índice exigido na exploração será de 18%. A etapa de desenvolvimento da produção terá quatro índices: 25% na construção do poço, 40% no sistema de coleta e 25% nas unidades estacionárias de produção (plataformas).

No geral, esses números representam um corte de aproximadamente 50% em relação às exigências atuais, segundo Bezerra Filho, que creditou às exigências elevadas anteriores a grande quantidade de multas por descumprimento.

O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, informou que, ao contrário das rodadas passadas, o índice de conteúdo local não será mais critério de pontuação. “Nenhum país do mundo tem uma política de conteúdo local com mais de 90 itens controlado por notas fiscais”, disse.

 

Disputa. A exigência de alto índice de conteúdo local nos equipamentos de petróleo era uma norma considerada imutável nos governos Lula e Dilma. A justificativa era fomentar a indústria nacional de petróleo. Mas as grandes petroleiras pediam essa mudança, argumentando que a exigência acabava tornando os equipamentos muito mais caros, e que a indústria nacional não tinha capacidade para a entrega de vários equipamentos necessários.

Por isso, as petroleiras comemoraram as mudanças. Em comunicado, o Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) afirmou que as medidas vão “colaborar para destravar investimentos, gerar empregos e estimular maior competição da 14.ª rodada de licitações de blocos”.

Para representantes da indústria local, porém, a mudança será desastrosa. “É uma política que vai exportar empregos”, disse o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso.

Para atender à indústria nacional, o governo prometeu destinar recursos para a qualificação dos fornecedores da cadeia de petróleo, para que eles possam competir com os importados. Parte dos recursos de pesquisa e desenvolvimento, correspondente a 1% do faturamento das operadoras, será destinada a um programa com essa finalidade.

“Não funciona”, reagiu Velloso. Ele explicou que o problema do setor de máquinas não é tecnologia, e sim a concorrência desequilibrada que sofre em relação aos importados, que chegam ao País sem pagar impostos.

O governo estima arrecadar R$ 4,5 bilhões este ano com leilões de óleo e gás. Nessa conta não está a terceira rodada do pré-sal, prevista para novembro. As mudanças anunciadas ontem ainda terão de passar por uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), prevista para março. / COLABORARAM ANNE WARTH e FERNANDA NUNES

 

MENOS COMPLICADO

● Nova política de conteúdo local para indústria de petróleo

Índice exigido

EM PORCENTAGEM

 

CAMPOS EM TERRA/ EXPLORAÇÃO – 50

DESENVOLVIMENTO – 50

 

CAMPOS EM MAR / EXPLORAÇÃO – 18

CONSTRUÇÃO DO POÇO -  25

SISTEMA DE COLETA E ESCOAMENTO -  40

PLATAFORMAS  - 25

 

PARA LEMBRAR

A nova política de conteúdo local é a segunda grande mudança de rota promovida no setor de petróleo e gás desde a descoberta do pré-sal, em 2006. A primeira foi a autorização para que qualquer empresa, e não só a Petrobrás, lidere projetos na região, considerada uma das mais promissoras no mundo. As transformações nas regras de aquisição no mercado interno foram iniciadas ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, quando a economia entrou em crise e as grandes petroleiras sinalizaram que não iriam comparecer aos leilões de áreas se as condições oferecidas para atuar no Brasil não melhorassem.

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União bloqueia R$ 220 mi de contas bancárias do Rio

Por: Vinicius Neder e Wilson Tosta

 

Um dia após o Estado do Rio de Janeiro aprovar a primeira medida de contrapartida prevista no plano de recuperação fiscal firmado com a União, o Tesouro Nacional bloqueou ontem R$ 220 milhões das contas bancárias do governo fluminense.

O motivo foi o atraso no pagamento de dívidas com a União.

O bloqueio atrasará ainda mais o pagamento dos salários de janeiro dos servidores públicos – só parte do funcionalismo recebeu os vencimentos do mês passado.

Agora, a última folha salarial só será totalmente quitada no dia 22 de março e não mais em 15 de março, como prometido antes. Isso se não houver novos sequestros de verbas, informou o governo fluminense.

Ao todo, serão dois bloqueios: o primeiro, de R$ 46 milhões, aconteceu na terça-feira; o segundo, de R$ 174 milhões, acontecerá hoje. Nesta semana, os deputados estaduais do Rio aprovaram a privatização da Cedae, estatal fluminense de saneamento.

A venda da companhia, dada como garantia para empréstimos de até R$ 3,5 bilhões com aval da União, foi exigida como contrapartida do plano de recuperação fiscal, assinado pelo Rio com a União no fim do mês passado.

Segundo a Secretaria de Estado da Fazenda, os bloqueios ocorrem pelo “não pagamento da dívida com a União”. Os R$ 220 milhões fazem parte de um saldo de R$ 876 milhões de parcelas de débitos não pagos pelo Rio desde a virada do ano até meados deste mês. Nos próximos 20 dias, mais R$ 314 milhões de pagamentos de dívidas vencerão, e novos sequestros poderão ocorrer.

Uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro impediu bloqueios das contas do Estado em duas situações específicas, mas a Advocacia-Geral da União recorreu. Agora, o Rio não tem mais proteções legais para evitar novos bloqueios.

O Estado informou que 29% dos servidores ativos e inativos ainda não receberam totalmente os salários de janeiro. Na última sexta-feira, o Estado anunciou que os salários em atraso seriam divididos em seis parcelas, a serem pagas até 15 de março.

A primeira parcela, de R$ 577, foi paga ontem, mas, com os novos bloqueios, esses pagamentos foram reescalonados.

Uma fonte do governo que pediu para não se identificar disse que o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) não foi avisado previamente do bloqueio. Para o presidente da Assembleia Legislativa fluminense (Alerj), Jorge Picciani (PMDB), faltou “sensibilidade” à União.

“O bloqueio é legal, mas é lastimável”, disse o deputado. Segundo ele, a aprovação da privatização da Cedae foi demonstração “contundente” de apoio ao ajuste.