O Estado de São Paulo, n. 45050, 18/02/2017. Política, p. A4

Relator da Lava Jato defende revisão do foro privilegiado

 

Breno Pires

 

O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, defendeu ontem o debate, pela Corte, do alcance do foro privilegiado. De acordo com ele, o plenário deve discutir se é possível alterar o entendimento que existe sobre o tema por meio de uma mudança de interpretação da Constituição ou se apenas o Poder Legislativo poderia promover essa alteração.

“A questão é saber se essa alteração pode ser feita por uma mudança de interpretação constitucional ou se ela demanda uma alteração própria do Poder Legislativo”, afirmou Fachin. “Eu, já de há muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano.”

O foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função, é a determinação de que, em razão do cargo, uma autoridade só possa ser julgada em um tribunal específico. No caso de deputados, senadores e autoridades do Executivo, pelo STF.

Fachin também disse que a Corte deve debater se o foro deve ser restrito a atos praticados durante o mandato – tese encampada pelo ministro Luís Roberto Barroso e já defendida pelo ministro Celso de Mello no passado. Na avaliação de Barroso, o Supremo deveria processar apenas crimes praticados no exercício do mandato.

“Esse é o debate que o Supremo vai enfrentar para saber se há espaço para interpretação, como na proposta feita no sentido de que o foro compreenderia apenas os eventuais ilícitos praticados no exercício da função e não abrangeria os ilícitos praticados anteriormente”, disse.

A manifestação do relator da Lava Jato reforça o debate deflagrado por Barroso em um momento em que se discute a lentidão do Supremo para processar e julgar parlamentares. O prazo médio para recebimento de uma denúncia pelo STF é de 565 dias, segundo dados do tribunal, conforme apontou Barroso nesta semana, ao dizer que “o sistema é feito para não funcionar”.

O julgamento em questão é o do ex-deputado federal Marquinho Mendes (PMDB), que renunciou recentemente ao mandato para assumir a prefeitura de Cabo Frio (RJ). “As diversas declinações de competência estão prestes a gerar a prescrição pela pena provável, de modo a frustrar a realização da justiça.”

Limites. Há diferentes ideias de limitar o foro privilegiado. Alguns defendem o fim da prerrogativa – a exemplo de Celso de Mello, que disse isso em entrevista em 2012. Outra proposta é que a prerrogativa seja limitada a certas condutas, relacionadas ao que foi feito no exercício do cargo. Há ainda quem defenda a reduçãodo número de autoridades que seriam necessariamente julgadas no STF.

Limitar o foro aos presidentes dos três poderes da República foi sugerido pelo juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, em entrevista ao Estado, em novembro. O ministro

Gilmar Mendes criticou. “Para todo problema complexo, uma solução simples é geralmente errada”, disse na época.

Em tempos em que se discute se existe um “ativismo judicial” e se o Supremo, por vezes, invade a competência do Congresso, uma possível limitação do foro privilegiado pelo STF poderia ser mais um elemento na rede de tensão entre os poderes.

O Congresso não tem interesse em extinguir a prerrogativa. Diversas propostas de emenda constitucional tramitam há anos na Câmara e no Senado. O motivo, segundo parlamentares afirmam sob reserva, é que no STF as chances de os processos não serem julgados são maiores que nas instâncias inferiores.

A ação penal que Barroso tornou disponível para ser julgada depende da decisão da presidente da Corte, Cármen Lúcia, para ser pautada ao plenário. Não há prazo para isso ser feito.

Para Gilmar Mendes, o debate sobre foro está cercado de “assanhamento juvenil”. “Agora se descobriu que o grande mal do Brasil é o foro. É populismo jurisdicional.” O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que “uma coisa é interpretação, outra coisa é querer reescrever a Constituição”. “Não temos que debater o que é claro e está sedimentado na jurisprudência.”

 

‘Incompatível’

“Eu, já de há muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano, que é o programa normativo que está na base da Constituição brasileira.”

Edson Fachin

MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E RELATOR DA OPERAÇÃO LAVA JATO NA CORTE

 

 

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1. O que é foro privilegiado?

Prerrogativa de políticos ou autoridades serem julgados em ações criminais nas instâncias superiores da Justiça. Deputados, senadores e ministros de Estado só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

 

2. O que fez Luís Barroso?

Levou a plenário ação penal contra o prefeito de Cabo Frio, Marquinho Mendes (PMDB), por crime eleitoral. O caso chegou ao STF em 2015 porque Mendes assumiu mandato na Câmara. Em 2016, eleito prefeito, renunciou, mas o caso já estava liberado para ser julgado no Supremo.

 

3. O que o STF vai discutir?

Barroso pede que a Corte aproveite o caso para debater o foro especial previsto no artigo 102 da Constituição. Ele defende restrição ao alcance da prerrogativa, limitando-a a crimes cometidos durante o mandato. A ação contra o prefeito, diz, não deveria estar no STF porque o crime teria ocorrido quando ele não era deputado.

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Fachin arquiva inquéritos contra Collor e Lindbergh


Rafael Moraes Moura

 

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, arquivou inquéritos instaurados contra os senadores Fernando Collor (PTC-AL) e Lindbergh Farias (PT-RJ) no âmbito da Lava Jato. Fachin substitui Teori Zavascki como relator dos processos relativos à operação no STF.

O inquérito contra Collor apurava acusações do ex-diretor de Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró, que apontou envolvimento do senador em esquema de corrupção e lavagem de dinheiro relacionado à BR Distribuidora. Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não foram verificados “elementos suficientes que possam fundamentar a continuidade do inquérito e, por mais forte razão, a propositura de uma ação penal”.

Quanto a Lindbergh, a Procuradoria- Geral da República e a Polícia Federal já se manifestaram pelo arquivamento do inquérito, que apurava se o petista havia cometido crimes de corrupção passiva e lavagem.

Até a conclusão desta edição, o Estado não havia obtido resposta do gabinete de Collor e da defesa de Lindbergh para comentar o assunto. No mês passado, o advogado do petista, Rodrigo Mudrovitsch, disse que “não há elementos que liguem o senador Lindbergh a qualquer prática ilícita mencionada”.

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Julgamento sobre Raupp é liberado

 

BRASÍLIA O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, liberou para julgamento a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da operação. O senador é acusado de ter recebido R$ 500 mil para a sua campanha ao Senado, em 2010, que teriam sido desviados do esquema de corrupção na Petrobrás. Ele nega irregularidades. A data do julgamento da denúncia pela Segunda Turma do STF ainda não foi definida.

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PF pede mais 60 dias para investigar Renan

 

Mateus Coutinho

 

A Polícia Federal pediu prorrogação por 60 dias do inquérito contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE) e o executivo da Serveng Paulo Twiaschor por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro no esquema de corrupção na Petrobrás. O caso está sob análise do ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Em nota, a assessoria de Renan disse que “a própria prorrogação é um indicativo de que nada foi encontrado contra o senador”. Aníbal negou irregularidades. A reportagem não localizou a defesa do executivo da Serveng.