Procuradoria mira em pensão de filha solteira

André de Souza

01/02/2017

 

 

Ministério Público poderá entrar com ações judiciais contra irregularidades

Em 2015, 185 mil filhas solteiras nas Forças Armadas recebiam pensão. Entre os civis, são mais de 60 mil beneficiadas

Em meio à discussão da reforma da Previdência, o Ministério Público (MP) vai ter uma atuação mais ativa, inclusive com a apresentação de ações judiciais, para evitar irregularidades nos pagamentos de benefícios às chamadas filhas solteiras. Tratase de filhas de servidores públicos falecidos que recebem pensão por não terem se casado. Muitas delas nunca formalizam o relacionamento, justamente para garantir o benefício, mas vivem em união estável. O objetivo do MP é cortar essas pensões.

A medida integra recomendação aprovada ontem pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A norma recomenda que “o Ministério Público brasileiro, observadas as disposições constitucionais e legais, adote as medidas administrativas e judiciais necessárias para assegurar o efetivo controle e fiscalização do pagamento de pensões e benefícios similares, recebidos por filhas solteiras e cônjuges, dentre outros legitimados, de servidores públicos federais, distritais, estaduais ou municipais, civis ou militares, falecidos”.

O benefício foi extinto em 1990 para os servidores federais civis e em 2000 para os militares, mas a medida não afetou quem tinha direito à pensão antes disso. Assim, em 2015, continuava sendo pago a cerca de 185 mil filhas solteiras nas Forças Armadas, com impacto anual de R$ 3,8 bilhões. Entre os civis, são mais de 60 mil beneficiadas, com impacto estimado de R$ 2,4 bilhões em 2015. Alguns estados, como São Paulo e o Rio de Janeiro, também preveem o benefício.

Em 1º de novembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) começou uma ofensiva contra o pagamento do benefício, ao constatar que havia indícios de irregularidades em 19.520 pensões de filhas solteiras de servidores federais civis e militares. O TCU deu um prazo, que ainda não se esgotou, para que elas pudessem se explicar. Caso não consigam comprovar que o benefício é legal, ele será cancelado. O entendimento do TCU é mais restritivo: mesmo solteira, a mulher não pode acumular o benefício se tiver renda própria de outras atividades que lhe garantam autossuficiência econômica, como empregos públicos e privados ou sociedade em alguma empresa.

No CNMP, a recomendação foi proposta em 2016 pelo conselheiro Sérgio Ricardo de Souza. “Há tempo a mídia tem noticiado o pagamento de pensões e aposentadorias a mulheres, filhas ou cônjuges de servidores públicos, que formalmente encontram-se solteiras justamente para continuar fazendo jus a tais benefícios. No contexto atual, de recessão das contas públicas, a questão vem novamente a lume”, escreveu ele. Após receber contribuições de várias unidades do MP, o relator, o conselheiro Orlando Rochadel Moreira, concordou com a proposta, apontando para o desequilíbrio da Previdência.

“No contexto atual de recessão, a questão adquire ainda mais relevância, vez que, por determinação legal, insuficiências financeiras dos Regimes Próprios de Previdência Social devem ser arcadas pelo ente instituidor. Em razão disso, o déficit previdenciário ameaça o equilíbrio fiscal, a gestão do ente federativo e o patrimônio público”, anotou o relator.

Ele reconhece algumas dificuldades para definir quando há união estável, uma vez que é uma situação “independente de qualquer solenidade e/ou registro para ser válida no mundo jurídico”. Além disso, destaca que grande parte das beneficiárias, “seja por negligência, seja por má-fé, omitem-se em informar voluntariamente ao órgão previdenciário acerca de alterações em seu status quo que acarretem perda do direito ao benefício”.

Assim, a recomendação também é para que o “Ministério Público brasileiro diligencie junto aos órgãos responsáveis para que adotem procedimento periódico de verificação da manutenção das condições para percepção da pensão, com a tomada de declaração pessoal, sob as penas legais, de que a beneficiária não se encontra em união estável”.

Nas Forças Armadas, a pensão foi extinta em 2000 para militares admitidos a partir daquela data. Quem já integrava o quadro pôde optar pelo pagamento de adicional de 1,5% na contribuição previdenciária para manter o privilégio. Ou seja, novos benefícios ainda poderão ser requeridos. Entre servidores federais civis, o benefício vigorou de 1958 a 1990, mas quem recebia nessa época ainda tem direito à pensão.

A base do tribunal para identificar irregularidades foi o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) e informações repassadas por Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público da União (MPU), Banco Central, Comandos Militares e pelo próprio TCU.

O globo, n.30494 , 01/02/2017. Economia, p.20