Sem substitutos, corte pode ficar travada

Mateus Coutinho / Alexandra Martins

30/03/2017

 

 

Tribunal do RJ tem três auditores e somente um deles pode assumir vaga de conselheiro se prisões temporárias decretadas ontem forem mantidas

 

 

 

Com a prisão temporária de cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), ontem, a Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon) avalia adotar medidas judiciais para garantir a atuação dos conselheiros substitutos na corte de contas fluminense.

Cada tribunal de contas estadual tem uma regra sobre o número de conselheiros substitutos. No caso do Rio, são três substitutos. Atualmente, a corte de contas tem uma regra que permite apenas um conselheiro substituto assumir o cargo de conselheiro.

A entidade aguarda definição da presidência do TCE-RJ na sessão da próxima terça-feira para decidir se serão ocupados os cargos vagos. Com isso, na prática, enquanto os cinco conselheiros permanecerem presos, a corte de contas ficará travada.

As prisões temporárias têm prazo de cinco dias, podendo ser prorrogadas por mais cinco dias ou até mesmo convertidas em prisão preventiva.

A sessão prevista para ontem no TCE-RJ, por exemplo, foi suspensa por falta de quórum – lei complementar prevê número mínimo de quatro conselheiros para a realização da sessão.

 

Concurso. Diferentemente dos conselheiros, que são nomeados por indicação política, os substitutos são concursados. Eles têm suas atribuições previstas na Constituição, que inclui não apenas substituir os conselheiros como também julgar os processos nas cortes estaduais, tal qual seus pares indicados politicamente.

Na prática, porém, a situação dos “conselheiros concursados” nos tribunais estaduais é considerada mais precária do que a dos conselheiros, e a categoria reivindica há anos uma distribuição igualitária de processos e uma melhor infraestrutura para atuar.

Em nota divulgada ontem, o presidente da Audicon, Marcos Bemquerer, afirmou que a entidade defende as apurações envolvendo os integrantes do TCE-RJ e reitera a importância dos substitutos.

Apesar de a carreira ser prevista desde 1988, o próprio TCERJ só fez concurso público para os cargos de conselheiros substitutos no ano passado.

Antes disso, em 2012, a Audicon entrou com duas ações no Tribunal de Justiça do Rio para que fosse nomeado um conselheiro substituto em vez de Domingos Brazão, atual vice-presidente do TCE-RJ e que foi detido temporariamente ontem.

Na ocasião, o pedido foi negado e Domingos Brazão, que não tem curso superior, assumiu o cargo. Para fazer o concurso para conselheiro substituto é preciso ter formação em um dos seguintes cursos: Direito, Economia, Ciências Contábeis ou Ciências Sociais.

 

Conselho Nacional. Enquanto os “conselheiros concursados” reivindicam suas demandas, o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal, defendeu ontem a criação de um Conselho Nacional para os Tribunais de Contas.

A entidade defende a criação do órgão por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). “Esse conselho teria a responsabilidade de zelar pela Constituição. Hoje, é difícil para a Corregedoria dos Tribunais de Contas fazer esse trabalho, em função da proximidade dos membros com o Poder Executivo”, afirmou.

Pascoal classificou de “gravíssima” a situação do Tribunal de Contas do Rio e afirmou que é preciso aprimorar a seleção de conselheiros desses tribunais nos Estados.

 

Investigação. Agentes da PF deixam prédio do TCE-RJ depois de fazer busca e apreensão de documentos

 

Dificuldade

“Esse Conselho (Nacional do Tribunal de Contas) teria a responsabilidade de zelar pela Constituição. Hoje é difícil para a Corregedoria dos Tribunais de Contas fazer esse trabalho.” Valdecir Pascoal

PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ATRICON)

 

Sede

Agentes federais cumpriram mandado de busca e apreensão no Palácio Guanabara, no gabinete do secretário de Governo, Affonso Monnerat.

 

PERFIS

ALOYSIO NEVES

PRESIDENTE DO TCE-RJ

Presidente do TCE-RJ, Aloysio Neves foi chefe de gabinete por oito anos do presidente da Assembleia, Jorge Picciani (PMDB). Ele também ocupou o cargo no período em que o ex-governador Sérgio Cabral presidiu a Alerj (1995-2003). Neves apareceu em fotografias, ao lado de Cabral, na viagem que o então governador fez a Paris com o empresário Fernando Cavendish, da Delta.

 

DOMINGOS BRAZÃO

VICE-PRESIDENTE DO TCE-RJ

Vice-presidente do TCE-RJ, Domingos Brazão é ex-deputado estadual e teve a indicação para conselheiro do TCE apoiada por Jorge Picciani. Brazão foi citado na CPI das Milícias e foi investigado por suposto envolvimento na Máfia dos Combustíveis. Sua indicação ao TCE foi questionada por associações de classe, que alegaram à época que Brazão não preenchia os requisitos necessários para o cargo.

 

JOSÉ GOMES GRACIOSA

CONSELHEIRO DO TCE-RJ

O conselheiro José Gomes Graciosa foi presidente do TCERJ entre 2001 e 2006. Em 2009, foi indiciado pela Polícia Federal na Operação Pasárgada, sob suspeita de formação de quadrilha, corrupção passiva e prevaricação.

O inquérito apurava o suposto pagamento de propinas a funcionários públicos para favorecer empresas investigadas pelo tribunal. Foi absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

MARCO ANTONIO ALENCAR

CONSELHEIRO DO TCE-RJ

Filho do governador Marcello Alencar, foi nomeado pelo pai para o TCE-RJ em 1997s. Advogado, foi deputado estadual em 1990 e reeleito em 1994. Delações da Andrade Gutierrez apontam que um dos operadores do esquema envolvendo o tribunal de contas tinha como operador Jorge Luiz Mendes Pereira da Silva. Nas investigações, Marco Antônio foi apontado como responsável por sua contratação.

 

JOSÉ MAURÍCIO NOLASCO

CONSELHEIRO DO TCE-RJ

Nomeado para o TCE em 1998, presidiu o órgão entre 2007 e 2010. Foi citado na Operação Descontrole, desdobramento da Lava Jato. Segundo os procuradores, Wilson Carlos, o ex-secretário de governo de Sérgio Cabral, pediu propina à Andrade Gutierrez da obra do Maracanã que seria para Nolasco. Ele foi presidente da Companhia Estadual de Água e Esgoto na gestão Marcello Alencar (1995-1998).

 

MARIANNA MONTEBELLO

CORREGEDORA DO TCE-RJ

Única conselheira do TCE-RJ que não foi alvo da operação de ontem, Marianna Montebello Willeman, de 40 anos, é a mais nova integrante da Casa – tomou posse em 2015. Sua escolha teve apoio de Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembleia Legislativa, mas ela nega que tenha havido indicação política. Marianna era procuradora do Ministério Público e do próprio tribunal.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45089, 30/03/2017. Política, p. A6.