Vale cede à pressão política e troca comando 
Danielle Nogueira 
25/02/2017
 
 
Murilo Ferreira anuncia que deixará presidência em maio, após insatisfação de tucanos e peemedebistas de Minas

A política voltou a ditar os rumos do comando da Vale, maior produtora global de minério de ferro e uma das maiores empresas do país. Mesmo satisfeitos com a gestão de Murilo Ferreira, seus principais acionistas — Bradesco, a japonesa Mitsui e a Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) — cederam às pressões do governo e de parlamentares e concordaram com a substituição do executivo, segundo fontes. Ferreira anunciou sua saída na manhã de ontem, após reunião com a diretoria, como antecipado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim. Ele permanecerá no cargo até seu mandato acabar, em 26 de maio.
A saída de Ferreira vinha sendo costurada no Palácio do Planalto. As principais pressões sobre o presidente Michel Temer (PMDB-SP) vinham de Minas Gerais, tanto de peemedebistas como de tucanos, insatisfeitos com as demissões no estado em 2015, o acidente da Samarco em Mariana e o menor protagonismo de Minas Gerais na estratégia da Vale. O vice-governador de Minas e presidente do PMDB no estado, Antonio Andrade, era um dos principais interlocutores no Palácio.

Nas últimas semanas, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que também vinha se articulando para indicar o sucessor de Ferreira, aumentou a pressão sobre Temer. Segundo uma fonte, o senador vê na Vale uma forma de compensar a perda de poder em Minas desde 2014, quando não conseguiu eleger o candidato tucano para o governo estadual e teve de amargar a derrota para o petista Fernando Pimentel.

— As estatais de Minas estão fechadas para o Aécio. Ele busca indicar alguém de sua confiança para a Vale — disse a fonte.

‘A FILA TEM QUE ANDAR’

A assessoria de imprensa do senador não confirmou envolvimento pessoal de Aécio na sucessão de Ferreira, mas disse que ele defende um nome técnico para a empresa. Andrade confirma que teve conversas com Temer sobre o assunto e que o presidente sinalizou que a escolha seria pautada “por um nome de mercado”. Desde o ano passado, Temer manda recados de que não permitirá indicações meramente políticas. Seu receio é que isso tenha má repercussão no mercado num momento em que o país precisa atrair investidores.

Apesar de, esta semana, ter sido anunciada uma proposta de novo acordo de acionistas da Vale, que, no futuro, deve reduzir a influência do governo sobre a mineradora, a ingerência política sobre a empresa ainda é forte. Os fundos de pensão de estatais e o BNDES detêm maioria na Valepar, holding que controla a companhia. Apenas em 2020, quando termina o prazo do novo acordo de acionistas, é que a Vale estará livre das amarras do governo e possivelmente listada no Novo Mercado, o mais alto nível de governança da Bolsa.

Há seis anos, a Vale também foi alvo de ingerência política. Roger Agnelli, que ocupou a presidência da empresa até maio de 2011 e que havia sido indicado pelo Bradesco, sofreu forte pressão de petistas. O executivo, que já havia se desentendido com o ex-presidente Lula devido às demissões feitas em plena crise de 2008, era pressionado a investir em siderurgia. Agnelli, que mais tarde morreria num acidente de avião, não permaneceu no cargo.

Em teleconferência com jornalistas ontem, Ferreira disse que tomou a decisão de anunciar sua saída após notícias sobre sua sucessão pipocarem esta semana. Segundo fontes, o executivo conversou ontem à noite com os acionistas privados e ficou acertado que ele faria o anúncio antes do fim do mandato. Procurados, Bradesco, Mitsui e Previ não se manifestaram.

— O noticiário esquentou de tal forma (esta semana), que achei que devia acelerar (a decisão). Tomei a decisão ontem à noite e me senti na obrigação de que isso fosse publicado hoje. Transparência é fundamental — afirmou Ferreira.

Nascido em Uberaba, Ferreira, que fará 64 anos em junho, contou que poderia ficar mais um ano à frente da companhia, uma vez que as regras da Vale limitam a idade da diretoria executiva a 65 anos. Mas disse que, comentando ser uma expressão muito usada por sua filha, “a fila tem que andar”:

— Não tenho a mosca azul do poder. A fila tem que andar.

BOLSA DE APOSTAS

Ele disse ainda que “nem desconfia” de quem será seu sucessor e negou que tenha feito incursões no meio político para salvar seu mandato. Segundo fontes, porém, o diretor de Recursos Humanos, Sustentabilidade, Integridade Corporativa e Consultoria Geral, Clovis Torres, teria percorrido gabinetes de Brasília em defesa do presidente da Vale.

Em nota, o presidente da Previ e presidente do Conselho de Administração da Vale, Gueitiro Matsuo Genso, informou que será contratada uma empresa de recrutamento para indicar potenciais sucessores. Nos bastidores, o processo vem sendo conduzido pessoalmente pelos presidentes do Brasdesco, Luiz Carlos Trabuco, e do Banco do Brasil, Paulo Caffarelli.

São muitos os nomes na bolsa de apostas. Além de Clovis Torres, que ganhou muito poder na empresa na gestão de Ferreira, são cogitados Nelson Silva, diretor de Estratégia da Petrobras, que já trabalhou na Vale, e Eduardo Bartolomeo, ex-diretor da Vale e atual conselheiro da mineradora. Outros citados são Tito Martins, ex-diretor da Vale e atual presidente da Votorantim Metais, e dois atuais diretores da Vale: Luciano Siani (Finanças) e Peter Poppinga (Ferrosos). O ex-diretor de Ferrosos da mineradora José Carlos Martins teria sido vetado pelo Bradesco.

Ferreira assumiu o comando da mineradora em 2011, no fim do superciclo das commodities. Liderou uma estratégia de redução de custos e venda de ativos, o que vez a Vale encolher: em 2010, a empresa atuava em 38 países e tinha 174 mil funcionários. Em 2015, tinha operações ou escritórios em 27 nações e 166 mil empregados. Com a queda do preço do minério de ferro, viu o valor de mercado despencar quase 40%, para R$ 169,8 bilhões.

Concluiu o mais importante projeto da história da empresa, o S11D (expansão de Carajás, no Pará), mas teve de lidar com o pior desastre ambiental já ocorrido no país, o da Samarco (da qual tem 50%), e suportar o prejuízo recorde em 2015 de R$ 44 bilhões.

 

O globo, n. 30518, 25/02/2017. Economia, p. 21