Reforma do Ensino Médio

Nossa opinião - Mudanças necessárias

13/03/2017

 

 

Tema em discussão : Reforma do Ensino Médio

A situação do Ensino Médio no Brasil é calamitosa. Um termômetro desse malogro educacional são os números do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), exame aplicado periodicamente para alunos de 15 anos em 70 países, entre eles os 35 que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O último, relativo ao triênio 2013-2015, mostra que o desempenho dos alunos ficou praticamente estagnado. E num patamar crítico. Em Ciências, o Brasil ocupa a 63ª posição no ranking, ficando à frente apenas de República Dominicana, Argélia, Kosovo, República da Macedônia, Tunísia, Líbano e Peru. Em leitura, mantém a 59ª colocação; e, em matemática, a 65ª.

Dos resultados do Pisa, conclui-se, por exemplo, que a maioria dos alunos brasileiros de 15 anos não detém conhecimentos básicos para, segundo os parâmetros da pesquisa, “exercer plenamente sua cidadania”. E que cerca de 82% dos nossos estudantes obtiveram menos de 483 pontos no exame, alcançando, no máximo, o nível 2 de aprendizado, dos sete estabelecidos na pesquisa. Em leitura e matemática, a maior parte sequer alcançou o nível 2.

Nesse contexto, é bem-vinda a reforma do Ensino Médio aprovada mês passado pelo Senado, por meio da Medida Provisória 746, e sancionada pelo presidente Michel Temer. A chamada Base Nacional Curricular Comum (BNCC) — que entra em vigor imediatamente, mas erá implantada gradualmente — prevê, entre outras coisas, a flexibilização da grade curricular. O que permitirá aos alunos, já a partir do primeiro ano do Ensino Médio, optar por matérias de seu interesse profissional. Eles poderão se aprofundar em linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e formação técnica e profissional. Com isso, jovens que saem do ensino fundamental escolhem sua área de carreira e se preparam para o mercado de trabalho. Atrativo importante para que o adolescente se mantenha na escola — 12% na faixa de 15 a 17 anos estão hoje fora das salas de aula.

Outro ponto importante é a implementação do tempo integral. De acordo com a BNCC, num prazo de cinco anos, todas as escolas de Ensino Médio deverão ter regime de cinco horas diárias, em vez das quatro atuais. Futuramente, toda a rede deverá adotar o turno de sete horas. As mudanças valem indistintamente para escolas públicas e privadas.

Há quem critique o fato de a reforma, que tramitava há quatro anos no Congresso, ter sido efetivada por meio de Medida Provisória, mas, diante da crise aguda no Ensino Médio, as mudanças se tornam urgentes. Além disso, a MP não exclui o debate sobre o tema. O Brasil já perdeu tempo demais. Para que o país se desenvolva plenamente, é preciso preparar bem os seus jovens para o mercado de trabalho, como fizeram nações desenvolvidas. E, com o inexorável envelhecimento da população, o tempo se torna cada vez mais exíguo.

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Aprofundar desigualdades

Maria do Rosário

13/03/2017

 

 

Tema em discussão : Reforma do Ensino Médio
Por meio de Medida Provisória, o governo enviou ao Congresso uma reforma do Ensino Médio que passou por cima do Conselho Nacional de Educação — que construía a BNCC — e das metas e diretrizes do Plano Nacional de Educação.

A tramitação açodada impediu a participação da comunidade escolar e da academia. Enquanto estudantes ocupavam escolas em todo o país, o Legislativo se fechava para a sociedade e dava mais uma demonstração de subserviência ao Planalto. Hoje o governo defende que a reforma ampliará a possibilidade de escolha dos jovens. Nada mais distante da realidade.

Na verdade, ficará a cargo do gestor estadual definir quais dos cinco itinerários formativos serão ofertados. Para os estudantes de escolas públicas, principalmente os de cidades de pequeno e médio porte, que em geral possuem uma única escola de Ensino Médio, restarão apenas duas opções: realizar longos deslocamentos ou cursar o que for oferecido pela escola.

Essa reforma é antidemocrática pela ausência de debate, mas também porque sonegará conhecimento e ampliará desigualdades. Enquanto as escolas privadas manterão suas grades curriculares inalteradas, o ensino público sofrerá redução da carga horária dos conteúdos comuns a todos, passando de 2.400 horas para 1.800 ao longo dos três anos, e limitará os componentes curriculares obrigatórios a português, matemática e inglês.

Trata-se de política de orientação mercadológica que empobrecerá cultural e educacionalmente o currículo escolar, e imporá àqueles que não podem arcar com uma educação particular um sistema de ensino que os privará de saberes necessários para assegurar uma formação cidadã.

Estamos diante de uma fraude, que longe de superar os problemas do Ensino Médio poderá aprofundar disparidades regionais e o fosso entre o ensino público e privado, além de contribuir com a ampliação das dificuldades de acesso ao ensino superior para estudantes de baixa renda.

Uma reforma séria necessita de mais do que alterações curriculares. É preciso construir uma educação atenta aos conteúdos que, ao mesmo tempo em que dialoguem com a realidade da comunidade escolar, a tornem mais atrativa e contribuam com o enfrentamento à cultura de violência. Que assegure condições estruturais para a construção do conhecimento, como valorização dos profissionais de educação e acesso às tecnologias educacionais variadas; e também condições socioeconômicas que permitam a jovens de qualquer origem social oportunidades iguais de acesso e permanência nesta etapa do ensino.

O congelamento de investimentos públicos por 20 anos, somado às reformas trabalhista e da Previdência, vai na contramão do que precisamos. Tais medidas reduzirão a renda familiar e contribuirão para que os jovens precisem adentrar o mercado de trabalho cada vez mais cedo, interrompendo sua formação, juntamente com suas chances de construir um futuro melhor. Não é de escolha que se trata, mas de exclusão.

 

O globo, n. 30534, 13/03/2017. Editorial , p. 14