Para evitar o pior

Raul Velloso 

13/03/2017

 

 

A divulgação dos 3,6% negativos do PIB do ano passado trouxe à tona os difíceis ajustes que segmentos importantes, mas despreparados para essa dificílima tarefa, têm de fazer. Somando os dois últimos anos, trata-se de uma queda acumulada de perto de 8%, a pior recessão para dois anos registrada em nossas estatísticas.

Destaco os casos das concessões rodoviárias aprovadas em 2013 e o das finanças estaduais. Em ambos, pode haver problemas de natureza estrutural por resolver, mas diante do que será detalhado a seguir, não dá para ter uma atitude meramente contemplativa dos aspectos conjunturais, deixando cada um se virar como pode.

No tocante às concessões, uma vez assinados os contratos, o serviço tem de ser executado, seja como for, a menos que se decrete a caducidade do contrato, pior dos mundos para as partes envolvidas, ou se o renegocie, coisa que o governo não demonstra disposição para fazer. Não há como fazer o que o setor privado faz em outras áreas. Lá, pode desistir de atuar, reduzir drasticamente investimentos, ajustar preços para cima etc.

Partindo das duas parcelas acima citadas, chega-se a uma impressionante frustração de receita dos projetos licitados em 2013 entre 19% e 20%, somando-se a elas o crescimento positivo acumulado que se projetava para 2014-16, ao redor de 11,4%. Adicionem-se a isso as perdas relativas a outras variáveis macroeconômicas relevantes para o cálculo da taxa de retorno dos projetos de concessão. O custo do dinheiro, por exemplo, representado pela taxa Selic, poderá aumentar 54% em 2014-2017, em relação às projeções feitas em 2013.

Outras intervenções governamentais que prejudicaram as concessionárias incluem o atraso nas concessões de licenças ambientais e o descumprimento das promessas de financiamento por parte do BNDES. Com a intenção de reduzir a tarifa ao mínimo imaginável para o usuário, o governo assumiu o compromisso de o BNDES financiar 70% dos projetos com juros subsidiados, o que reduziria substancialmente o custo de capital. Sob essa importante premissa, as concessionárias fizeram seus lances no leilão, só que, uma vez assinados os contratos, o governo voltou atrás, e a participação do BNDES caiu para 45%, afetando fortemente sua rentabilidade.

Isso tudo representou, sem dúvida, um tiro no coração dos contratos de concessão. Até o momento, o governo assiste passivamente à destruição desses importantes empreendimentos numa área crítica para a retomada, como a de infraestrutura. À medida que não são cumpridos determinados compromissos, como o de investir “x” numa determinada data, as autoridades aplicam multas milionárias, que obviamente contribuem para acentuar o problema. Nessas condições, para evitar o pior, é preciso renegociar adequadamente os contratos acima referidos, devendo-se salientar que a medida provisória em discussão no Congresso, destinada a ajustar as concessões, está longe de endereçar da melhor forma os principais problemas existentes.

Passando aos estados, onde há serviços essenciais bem próximos dos usuários que não podem ser abandonados, tenho mostrado o alto grau de rigidez dos gastos, esse sim um grave problema estrutural, ficando o governador com uma parcela mínima da receita para administrar. Foi em cima disso que desabou a megarrecessão de 2015-16, com o agravante, no caso do Rio de Janeiro, da forte queda de receita decorrente da queda no preço externo do petróleo, ambos impossíveis de prever.

Acabo de apurar, com base em dados de balanço para 2015, para o caso de Minas Gerais, segundo ou terceiro estado em maior dificuldade financeira, que no mínimo 27,1% da receita corrente líquida de transferências (RCLT) têm de ser destinados legalmente à educação e saúde, e, mesmo sem uma exigência legal específica, 15,7% à segurança pública e 11,3% aos poderes autônomos (Legislativo, Judiciário etc.). Adicionando-se a parcela de 10,7% da RCLT destinada ao serviço da dívida (basicamente à União), chega-se a 64,8% do total. Nesses itens não estão incluídos os gastos com aposentados, de 28% da RCLT, o que eleva a parcela altamente rígida a 92,8%. Ou seja, restam apenas 7,2% da RCLT para cobrir gastos de pessoal nas demais secretarias, de 4,8% e mais um custeio mínimo de 2,4% do total. Em 2015, na verdade, o custeio antes referido foi de 14,2%, e os investimentos mínimos, de 3,2% da RCLT. Dada uma receita de capital de 1% da RCLT, restou um déficit orçamentário de 14%, obviamente empurrado para a frente sob a forma de “restos a pagar”.

Assim, sob uma grave recessão e gastos muito rígidos, os percentuais do grupo mais rígido se elevam, e o governador, sem margem para se endividar, vai jogando os problemas para frente enquanto não chega o final do mandato, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que ele zere os atrasados.

Em vez de construir soluções razoáveis, como a que sugeri o ano passado (veja texto em <inae.org.br>), o governo só conseguiu até agora enfrentar, e de forma parcial, o caso mais grave, do Rio de Janeiro,

 

O globo, n. 30534, 13/03/2017. Artigos, p. 15