O abismo de Cunha

Cleide Carvalho

Sérgio Roxo

 

 

Em apenas uma ação, ex-deputado é condenado por Moro a mais de 15 anos de prisão

 Preso desde outubro de 2016, o deputado cassado Eduardo Cunha foi condenado ontem a mais de 15 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A sentença assinada pelo juiz Sérgio Moro, determinando que o réu não pode recorrer em liberdade, refere-se apenas ao esquema na exploração de petróleo em uma plataforma na África, mas Cunha tem muito mais o que responder à Justiça: são pelo menos mais duas ações criminais e outros quatro inquéritos em curso.

Na sentença, o juiz considerou que a perda do mandato parlamentar não excluiu o risco de Cunha continuar a cometer crimes, como corrupção, extorsões e intimidações. Pela condenação por lavagem de dinheiro, Cunha fica também impedido de exercer cargo ou função pública pelo dobro do tempo da pena.

“A responsabilidade de um parlamentar federal é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes. Não pode haver ofensa mais grave do que a daquele que trai o mandato parlamentar e a sagrada confiança que o povo nele depositou para obter ganho próprio”, escreveu Moro, ao ressaltar que Cunha recebeu propina durante o exercício de mandato parlamentar, em 2011.

Ao GLOBO, interlocutores de Cunha reproduziram o que foi escrito por ele num bilhete horas depois da sentença. O ex-presidente da Câmara disse que Moro “quer se transformar em um justiceiro político” e tenta usá-lo como “seu troféu em Curitiba”. “Esse juiz não tem condição de julgar qualquer ação contra mim, pela sua parcialidade e motivação política”.

 

“PRISÃO NÃO FOI SUFICIENTE”

Moro lembrou ainda que, mesmo preso, Cunha buscou constranger o presidente Michel Temer na tentativa de buscar alguma espécie de intervenção a seu favor, o que não ocorreu. Temer foi arrolado por Cunha como testemunha de defesa e encaminhou a ele perguntas sobre o advogado José Yunes, amigo do presidente.

“Tais quesitos, absolutamente estranhos ao objeto da ação penal, tinham por motivo óbvio constranger o Exmo. Sr. Presidente da República e provavelmente buscavam com isso provocar alguma espécie de intervenção indevida da parte dele em favor do preso, o que não ocorreu (...) A conduta processual do condenado Eduardo Cosentino da Cunha no episódio apenas revela que sequer a prisão preventiva foi suficiente para fazê-lo abandonar o modus operandi, de extorsão, ameaça e chantagem”, afirmou o juiz, acrescentando que não há registro de que o presidente tenha cedido à tentativa de intimidação.

Na ação julgada por Moro, Cunha respondeu por ter recebido US$ 1,5 milhão pela aquisição, pela Petrobras, de 50% de um campo de exploração de petróleo em Benin, na África. Não foi achado petróleo, e o negócio causou prejuízo de US$ 77,5 milhões à estatal.

Ao fazer a sentença, Moro lembrou da “lista expressiva de ações penais e inquéritos” aos quais Cunha responde, como os que apuram propinas no Porto Maravilha, no Rio, abuso de poder com a ajuda de Lúcio Funaro, seu intermediador de propinas, desvios de recursos de fundos da Caixa, corrupção em contratos de Furnas e favorecimento de instituição financeira por meio de emendas parlamentares.

Pelo menos sete delatores acusaram Cunha. Os sócios da Carioca Engenharia descreveram a cobrança, por Cunha, de “compromisso” em torno de R$ 52 milhões na liberação de recursos do FI-FGTS — só a empreiteira diz ter pagado R$ 13 milhões em contas fora do país. O lobista Júlio Camargo afirma ter sido pressionado pelo então deputado a pagar US$ 10 milhões referentes à contratação de naviossonda pela estatal e Fernando Soares, o Baiano, diz ter repassado cerca de R$ 4 milhões em propina, em espécie, no escritório ou na casa do ex-deputado, com quem teria encontrado entre dez e 20 vezes.

 

“PAU-MANDADO DE CUNHA”

Ainda durante as investigações da Lava-Jato, o doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores, afirmou a Moro que estava sendo intimidado pela CPI da Petrobras e disparou: “Acho isso um absurdo, eu, como réu colaborador, quero deixar claro que eu estou sendo intimidado pela CPI da Petrobras por um deputado pau-mandado do seu Eduardo Cunha”

Na ação julgada ontem, o principal delator foi Eduardo Musa, ex-funcionário da Petrobras e da Sete Brasil. Ele disse que o ex-diretor Internacional da Petrobras Jorge Zelada foi indicado com apoio do PMDB de Minas Gerais, “mas quem dava palavra final era o deputado Eduardo Cunha”. Foi Zelada quem assinou o contrato para a compra do campo petrolífero em Benin.

Moro decretou o confisco de US$ 2,3 milhões bloqueados em contas secretas de Cunha na Suíça — ou R$ 7,2 milhões — e determinou que ele devolva a propina. O valor, segundo o juiz, será convertido pelo câmbio de junho de 2011 (R$ 1,58) e acrescido de juros de mora de 0,5% ao mês. Sem os juros, são R$ 2,37 milhões. No câmbio atual, R$ 4,6 milhões.

Em Brasília, os advogados de Cunha, Pedro Velloso e Ticiano Figueiredo, criticaram Moro por suposta pressa na decisão.

— Causa perplexidade a velocidade com que a sentença foi proferida, o que nos leva a duas conclusões: a peça da defesa, para o juiz, foi mera formalidade, eis que, muito provavelmente, sua excelência já tinha, no mínimo, uma minuta de decisão elaborada. E, mais uma vez, tenta evitar que o STF julgue a ilegalidade das prisões provisórias por ele decretada — disse Pedro Velloso.

 

ASCENSÃO E QUEDA DE EDUARDO CUNHA

1982

Campanhas

Começou na política nos anos 1980, quando atuou nas campanhas de Eliseu Resende para o governo de MG, em 1982, e de Moreira Franco (RJ) em 1986.

 

1991

Telerj

Com a ajuda de PC Farias, Cunha virou presidente da Telerj, em 1991. Em 1992, foi acusado de ter captado recursos ilegais com empresários.

 

1996

Rádio

Aproximou-se do empresário Francisco Silva, dono da rádio evangélica Melodia. Criou bordões e voltou à Telerj em 1996.

 

1999

Garotinho

Se aproximou de Anthony Garotinho e assumiu a Companhia Estadual Habitação, em gestão polêmica. Virou deputado estadual em 2001.

 

2002

Brasília

É eleito deputado federal. Seu estilo agressivo já aparecia e quase inviabilizou a aprovação da CPMF porque queria influência em Furnas.

 

2013

O auge

Vira líder do PMDB. Em 2014, elege-se presidente da Câmara. Rompe com Dilma Rousseff.

 

2016

Prisão

Suspeito de ter contas na Suíça, responde a processo no Conselho de Ética. Mesmo com manobras, acaba afastado do cargo pelo STF. É cassado depois pela Câmara e, por fim, preso.

O globo, n.30552 , 31/03/2017. País, p.3