Proposta alternativa 
Catarina Alencastro e Maria Lima
29/03/2017
 
 
Janot busca proteger juízes com mudanças no projeto de abuso de autoridade

-BRASÍLIA- O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregou ontem ao Congresso uma proposta alternativa do Ministério Público Federal ao projeto de lei sobre abuso de autoridade que tramita no Senado. A tentativa dele é evitar que juízes e investigadores sejam criminalizados por divergências na interpretação da lei. Integrantes da Lava-Jato avaliam que o texto do relator Roberto Requião (PMDB-PR) para o projeto permite que haja punição para o chamado “crime de hermenêutica”, ou de interpretação, o que poderia inviabilizar investigações. O texto de Requião deve começar a ser analisado hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Janot apresentou a proposta aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira. Embora a questão da interpretação seja o cerne da divergência entre as propostas, ela não é a única. Diferentemente do MP, o Senado propõe, por exemplo, punição para quem decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado “manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo”. As conduções coercitivas ganharam destaque depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado forçadamente para depor na Lava-Jato.

ARMAMENTO E ALGEMAS

O uso de armamento e pessoal de forma “ostensiva e desproporcional (...) para expor o investigado a situação de vexame” também se torna crime de abuso de autoridade pelo relatório de Requião, mas é ignorado no de Janot. Este suposto excesso também é frequentemente alvo de críticas de investigados na Lava-Jato. Outras divergências são mais sutis, como o uso de algemas. Tanto o senador quanto o procurador querem regulá-lo, mas enquanto Requião considera abuso usá-las sem que haja inequívoca tentativa de resistência à prisão, o procurador diz que algemas só não devem ser usadas com o “fim deliberado” de constranger o preso.

Ao fim do encontro com Maia e Eunício, Janot disse que nenhum servidor responsável tem medo de uma lei que criminaliza abuso de autoridade.

— Nós, do serviço público, que trabalhamos de forma responsável, nenhum de nós tem medo de uma lei de abuso de autoridade. É uma lei moderna, que traz tipos de abusos antigos e abusos modernos, com a preocupação que essa lei não tenha nenhum traço de corporativismo. Não é uma sugestão de discussão que pretenda proteger nenhum agente político — afirmou.

Maia afirmou que ainda não leu a proposta, mas avaliou positivamente o fato de o procurador-geral da República estar participando da discussão:

— É bom que a PGR apresente uma proposta de abuso para debatermos. É bom que venha deles uma ideia para que não fique parecendo que é um tema que vai ser debatido contra ou a favor de alguém — disse o presidente da Câmara.

Autor da proposta relatada por Requião, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), disse que o projeto que criminaliza abuso de autoridade é fundamental para punir os vazamentos de investigações e quebras de sigilo. Ele disse não ter lido a proposta de Janot, mas considera que são positivas por contribuir com o debate.

— A única forma de coibir vazamento é com a lei do abuso de autoridade. Vazamentos e quebras de sigilos acontecem e ninguém é punido — defendeu Renan. Empenho para aprovar fim do foro glo.bo/2nnlyYS

FIM DA “CARTEIRADA”

O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC), defendeu a aprovação do projeto no Senado.

— É preciso aperfeiçoar a legislação sem medo. Queremos que as atribuições das autoridades sejam preservadas, mas não podemos permitir que a autoridade ofenda a cidadania, ofenda os direitos básicos dos cidadãos — disse Bauer.

Na esteira da Lava-Jato, Requião propõe criminalizar a prisão e a busca e apreensão de quem não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária. E também quer proibir que se fotografe ou filme presos e investigados sem o consentimento deles ou com autorização “obtida mediante constrangimento ilegal”. Nenhuma dessas previsões constam do texto elaborado pelo MP.

Em contrapartida, Janot sugere punição para investigadores que participem de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação. O procurador ressaltou que sua proposta prevê que seja mantida a criminalização da chamada “carteirada”, quando a autoridade usa de sua função para coagir alguém ou obter alguma vantagem.

Janot pediu para que promotores e membros do Ministério Público sejam julgados por juízes de primeira instância. E diz que quem for condenado pela lei de abuso de autoridade será automaticamente demitido. (Colaborou Júnia Gama)

VERSÕES PARA PUNIR O ABUSO

Crime de interpretação

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, alterou o primeiro artigo do projeto do Senado. A mudança determina que as divergências de interpretações não sejam encaradas como abuso de autoridade e, portanto, passíveis de punição.

Para integrantes do Ministério Público e professores de Direito, o texto original dá margem, por exemplo, para que um juiz de primeira instância seja punido caso condene um réu que seja absolvido depois em uma instância superior da Justiça.

Proteção à investigação

Janot acrescentou a expressão "sem justa causa fundamentada 1 ' para proteger os investigadores. O texto original é considerado vago e pune quem começar uma investigação "com abuso de autoridade”.

Em defesa da condução coercitiva

Janot retirou a punição para a condução coercitiva "descabida". O instrumento é defendido por investigadores. Ele também retirou do texto a punição para quem usar provas obtidas de maneira ilícita. Porém, Janot acrescentou a punição a quem se manifesta r publica mente sobre a cuIpa do investigado antes do fim das apurações do caso.

 

O globo, n. 30550, 29/03/2017. País, p. 3