Valor econômico, v. 17, n. 4220, 23/03/2017. Brasil, p. A3

Governo diz que corte de R$ 58 bi é inviável e tributo pode subir

Fabio Graner
Edna Simão
Cristiane Bonfanti

 

O governo anunciou ontem que tem um rombo de R$ 58,2 bilhões para cumprir a meta fiscal, mas, diferentemente do padrão histórico, disse que não fará o contingenciamento na mesma magnitude. Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo de Oliveira, afirmaram que só na terça-feira da semana que vem será anunciado o corte de gastos. Eles já adiantaram que o número será menor e que ainda poderá ser anunciado um aumento de tributos para diminuir ainda mais o bloqueio de despesas.

"Não haverá contingenciamento de R$ 58,2 bilhões. Será menor", disse Meirelles. "Esse é um valor expressivo para se contingenciar num orçamento atual que já tem um patamar de despesas bastante comprimido", explicou o ministro, observando que decisões judiciais gerarão uma receita adicional ao Tesouro ao longo de 2017.
Os ministros deixaram claro que é inviável um bloqueio dessa magnitude. Dyogo explicou que as despesas que são possíveis de serem cortadas são da ordem de R$ 120 bilhões, sendo que os investimentos representam R$ 37 bilhões. O maior temor do governo é que um corte muito grande gere uma paralisação da máquina, em especial dos investimentos, abortando a retomada em curso da atividade produtiva. Por outro lado, a equipe econômica recusa a alternativa de mudar a meta fiscal deste ano, de déficit primário de R$ 139 bilhões para o governo central.

Para reduzir o corte, o governo espera poder contar com decisões judiciais envolvendo três usinas hidrelétricas a serem devolvidas pela Cemig à União porque a concessão venceu. Há também uma disputa judicial envolvendo precatórios. Segundo Meirelles, todas essas decisões podem gerar uma receita extraordinária que ainda será estimada, mas que pode ser de ao menos R$ 14 bilhões. Assim, explicou, essas decisões sozinhas podem levar o contingenciamento para algo entre R$ 42 bilhões e R$ 44 bilhões, sem considerar elevações de impostos.

Meirelles destacou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli decidiu ontem em favor da União no caso de uma usina que, sozinha, pode render algo em torno de R$ 3,5 bilhões em receitas. O STF revogou a liminar que mantinha a titularidade da concessão de Jaguara com a Cemig.

Além dessa, há outras duas usinas em discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Meirelles esclareceu, entretanto, que as áreas jurídicas do governo ainda avaliam se o governo poderá de fato incluir essas receitas em suas contas. Se não puder considerar, mesmo assim o corte será menor, enfatizou o ministro, deixando claro que a opção de elevação de tributos se tornaria inescapável. "Se não puder incluir receitas de usinas, teremos que fazer combinação entre corte e aumento de tributo", disse.

Dyogo defendeu o movimento inusitado do governo de deixar o corte para frente e correr para arrumar receitas. "O que há de especial neste momento é que há uma série de receitas que dependem de decisões judiciais e há possibilidade de adoção também de outras medidas. O que a legislação diz é que temos até o dia 30 subsequente ao encerramento do bimestre para detalhar essas medidas e implementar o contingenciamento equivalente. Estamos seguindo o ritual previsto na legislação", disse o ministro do Planejamento, defendendo a legalidade do formato.

Dyogo observou que a ideia de não deixar para incorporar essas receitas no segundo relatório bimestral, previsto para maio, busca evitar um corte que sacrifique demais o Orçamento já apertado. Ele rebateu a pergunta de uma jornalista que apontou o uso de uma "contabilidade frágil" no anúncio do governo. "É o contrário de contabilidade frágil. Seria frágil se contabilizasse receita de venda de hidrelétricas que dependem de decisão [judicial]. Só vamos colocar nas receitas quando tiver total segurança", disse.

O rombo de R$ 58,2 bilhões foi calculado com base em uma redução da estimativa de receitas de R$ 55,3 bilhões. A menor expectativa de crescimento econômico gerou perda de arrecadação, contribuindo para diminuir a receita administrada em R$ 34 bilhões. Além disso, o governo espero ter R$ 13,2 bilhões a menos de recursos decorrentes de concessões e permissões. Também houve queda de R$ 2,9 bilhões na expectativa com venda de ativos, como imóveis da União.

Houve também uma baixa de R$ 9,4 bilhões na estimativa para a receita previdenciária, que também é reflexo da atividade econômica e do nível de emprego. Assim, mesmo com uma redução de R$ 1,8 bilhão na estimativa de despesa da Previdência, o déficit projetado para o ano subiu para R$ 188,8 bilhões.

O governo ainda elevou em R$ 3,4 bilhões a estimativa de despesas primárias. Entre os gastos cuja previsão aumentou estão o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e créditos extraordinários para ações na área de defesa civil e também em subsídios e subvenções, puxado pela maior demanda do setor do agronegócio.

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Números são 'realistas', mas adiamento de anúncio é 'frustrante', dizem analistas

 

Tainara Machado

 

Ainda que as estimativas para a receita apresentadas ontem pelo governo no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 1º bimestre tenham sido consideradas "realistas", causou ruído a decisão do governo de postergar o contingenciamento do Orçamento para a próxima semana, quando pode ser anunciado também alguma alta de impostos.

"É um pouco frustrante não terem apresentado já o corte no Orçamento", afirmou Juan Jensen, economista-chefe da 4E Consultoria. De acordo com os cálculos apresentados pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o governo tem uma "deficiência" de recursos de R$ 58,2 bilhões para cumprir a meta de déficit primário deste ano, de R$ 139 bilhões.

O ministro afirmou, porém, que esse não é o valor do contingenciamento, que depende de decisões judiciais pendentes e de elevação de tributos, anúncio previsto para semana que vem. Caso não haja alta de impostos, disse Meirelles, a necessidade de contingenciamento seria de até R$ 44 bilhões.

Para Jensen, essas contas estão em linha com o que era esperado pelo mercado. "Não é trivial cumprir a meta deste ano, mas, se tiver um pouco de aumento de impostos, poderia contingenciar menos". Para Jensen, alguns tributos, especialmente a Cide sobre combustíveis, já deveriam ter subido.

A estimativa de receita líquida apresentada por Meirelles, de R$ 1,132 trilhão, é R$ 25 bilhões inferior à estimativa do Banco Safra, afirma o economista-chefe da instituição, Carlos Kawall. Por isso, ele considerou os parâmetros econômicos e as estimativas de receita apresentadas pelo governo bastante "realistas e conservadores". "Os números fizeram sentido, o que é bastante importante."

Para Kawall, a maneira como a comunicação desses números foi feita causou algum ruído, mas por questões legais o governo precisava apresentar o Relatório de Avaliação ontem. "Talvez a comunicação pudesse ter sido mais clara, mas por outro lado nos acostumamos a ter anúncios de contingenciamento que eram irrealistas, que se baseavam em estimativas de receita que não se confirmavam", diz.

Para Kawall, a deficiência de recursos identificada pode ser reduzida, caso o governo tenha mais clareza em relação ao desfecho de decisões judiciais, como sobre a venda de usinas hidrelétricas, ou caso haja decisão por elevação de tributos, especialmente aqueles que não precisam de autorização do Congresso, como Cide e IOF.

Essa última alternativa, diz ele, é uma possibilidade, mas talvez não seja a estratégia mais indicada. "Elevar impostos não é o mais desejável em momento de recessão, mas temos meta a cumprir, o que é importante do ponto de vista da lógica do ajuste."

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Estimativa da Fazenda para a expansão do PIB neste ano recua de 1% para 0,5%

 

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Fabio Kanczuk, "não tem certeza nem da morte" mas avalia que o risco é "zero" de a iniciativa privada não ocupar a redução do Estado da economia que o governo está promovendo com as reformas.

Durante o anúncio da redução da estimativa de crescimento deste ano de 1% para 0,5%, o secretário disse acreditar que as projeções de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) para 2017 e 2018 podem ser melhores do que o que o governo está estimando.
"O balanço de riscos é positivo, há distribuição positiva em termos de cenários alternativos É mais provável que PIB seja melhor que o 0,5% projetado para o ano", disse. O dado está em linha com a previsão do boletim Focus (0,48%) e bem inferior ao 1,6% estimado na Lei Orçamentária Anual (LOA).

A nova previsão foi fundamental para que o governo chegasse à conclusão de que há uma "deficiência" de R$ 58,2 bilhões no Orçamento para garantir o cumprimento da meta fiscal deste ano, de déficit primário de R$ 139 bilhões.

Até terça-feira, o governo definirá a combinação que será feita para suprir essa diferença, o que pode incluir receitas de decisões judiciais, contingenciamento e uma eventual elevação de impostos. Para 2018, a Fazenda estima uma expansão do PIB de 2,5%, o que significa uma desaceleração ao ritmo que a economia estará no fim deste ano, de 3,2%.

"Certeza não tenho nem da morte. Dado que não tenho certeza da morte, tenho convicção bastante grande, dentro da margem de convicção de um economista, que o Brasil virou a curva, começa a crescer positivamente no primeiro trimestres e vai ter crescimentos expressivos [nas bases trimestrais]", disse o secretário.

Ele explicou que o crescimento potencial da economia aponta para uma alta de 3,7% a 3,8% do PIB, na média, durante os próximos dez anos. Os cenários analisados pelo Ministério da Fazenda também consideram um crescimento acima de 3% a partir de 2018.

"Se a gente chegar a 2017 e calcular o crescimento médio dos dez anos anteriores, esse é o número. Então, o cenário no qual o Brasil continua o mesmo Brasil de antes, sem reformas, é um crescimento de 2,5%. Um cenário no qual o Brasil segue com as reformas microeconômicas e segue com o 'crowding in' [entrada do setor privado] é de crescimento pouco abaixo de 4% ao ano", disse Kanczuk.

O governo ainda projeta para 2017 um IPCA acumulado de 4,3% e câmbio de R$ 3,3. Para 2018, a previsão é de inflação de 4,5% e câmbio de R$ 3,4. Foi mantida a projeção de crescimento da economia de 2,7% no quarto trimestre de 2017 em comparação com igual período de 2016.

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Comércio e serviços temem aumento de PIS e Cofins

 

Marta Watanabe

 

As declarações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre a possibilidade de elevar tributos para garantir o cumprimento da meta fiscal, colocam em foco o PIS e a Cofins e elevam a preocupação dos setores de comércio e serviços em relação a uma proposta que resulte em elevação de carga principalmente para setores intensivos em mão de obra.

A elevação dos dois tributos vem sendo cogitada desde o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. A decisão, da semana passada, pode resultar em perda de arrecadação para a União. Antes mesmo desse julgamento, porém, o governo divulgou a intenção de alterar a cobrança das duas contribuições sob justificativa de simplificação tributária, inicialmente do Programa de Integração Social (PIS) e depois da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

O receio é de que o governo reúna agora todos os argumentos - a situação fiscal, a decisão do STF e a "simplificação do sistema tributários" - para retomar uma antiga proposta de unificar alíquotas e forma de cálculo do PIS/Cofins. "Com isso é possível até mesmo que o governo deixe de lado o discurso da neutralidade e assinale a necessidade de elevar carga tributária", diz Luigi Nese, vice-presidente executivo da Confederação Nacional de Serviços (CNS).

Janaína Lourenço, assistente jurídica da Fecomercio SP, acredita que a decisão do STF sobre o ICMS na base de cálculo das duas contribuições irá pesar na proposta de mudança. "Não temos dúvidas de que haverá uma tentativa de compensar as perdas de arrecadação, que serão grandes."

A unificação de alíquotas e forma de cobrança das duas contribuições elevaria a carga tributária dos setores de comércio e serviços em três a cinco pontos percentuais da receita bruta e aumentaria os preços ao consumidor em até 5,45%. A mudança, dizem entidades que rejeitam a mudança, elevaria a carga principalmente dos setores intensivos em mão de obra num momento em que o desemprego ultrapassa a taxa de 12%. A mudança coloca em jogo 10% das vagas dos setores atingidos, o que equivale a 2 milhões de postos, segundo cálculos solicitados em 2013 pela Fenacon, que reúne as empresas de serviços contábeis.

Entre os segmentos que seriam afetados estão comércio, saúde, educação, tecnologia da informação, segurança, contabilidade e consultoria, construção, transporte, comunicação, engenharia e hotelaria, entre outros. "É um erro elevar tributos justamente no setor de serviços, que reage mais rapidamente à recuperação da economia, mas que também pode elevar a informalidade, se a carga aumentar muito", diz Nese.

Como não houve proposta nova, o receio, diz Sérgio Aprobato Machado Júnior, diretor da Fenacon, é de que o governo retome a ideia veiculada durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff de colocar todos os segmentos no cálculo não cumulativo de PIS/Cofins, com unificação de alíquotas.

Atualmente as empresas do setor de serviços recolhem 3,65% de PIS e Cofins - 0,65% de PIS e 3% de Cofins - calculados sobre a receita bruta. Além do comércio e de vários segmentos de serviços, também recolhem dessa forma as empresas menores, que pagam Imposto de Renda pelo lucro presumido, e as micro e pequenas empresas do Simples.

As empresas maiores, que estão no lucro real, pagam o PIS e a Cofins de outra forma, no chamado sistema não cumulativo. Nesse método, elas calculam uma alíquota de 9,25% sobre a receita bruta - 1,65% de PIS e 7,6% de Cofins. Mas para definir o valor efetivo a recolher, compensam o PIS e a Cofins pagos na compra de produtos e serviços que servem como insumos. Calcula-se que a alíquota efetiva com as duas contribuições fica em torno de 3% a 4%.

O sistema não cumulativo, implantado desde 2002, porém, deu origem a uma série de divergências e disputas administrativas e judiciais sobre o que são considerados insumos e, consequentemente, dão direito a crédito. Isso gerou um pleito para que o sistema seja simplificado.

Por isso um dos pilares da proposta de reforma do PIS/Cofins já defendida em ocasiões anteriores pelo governo federal é substituir o modelo de "crédito físico" atrelado aos insumos pelo "crédito financeiro" pelo qual o PIS e a Cofins pagos em qualquer produto ou serviço, independentemente da discussão sobre o que é ou não insumo, poderão ser compensados.

Essa proposta, porém, estabelece também a uniformização no recolhimento dos dois tributos. Assim, todas as empresas devem migrar para o sistema não cumulativo, com uso de créditos financeiros, inclusive as empresas que atualmente pagam PIS/Cofins pelo sistema cumulativo, como as prestadoras de serviços.

Nese explica que, no setor de serviços, o principal custo é com a folha de pagamentos, que não dá direito a crédito de PIS e Cofins. Por isso, se houver migração para um sistema não cumulativo com alíquota de 9,25%, a alíquota efetiva desse segmento ficaria muito próximo da alíquota nominal. Ou seja, dos 9,25% sobre receita bruta.

Com cerca de 65% do custo vindo dos salários, a alíquota efetiva do setor de serviços, com a mudança, subiria dos atuais 3,65% para até mais de 9% da receita bruta. Esse aumento, diz Machado Júnior, é maior que a margem de lucro de empresas em muitos setores.

O diretor da Fenacon lembra que ao fim de 2015 o governo federal chegou a cogitar a aplicação de várias alíquotas, e não somente a de 9,25%. As alíquotas, porém, nunca foram divulgadas, o que gerou desconfiança das empresas.

Machado Júnior lembra que a desconfiança não vem à toa. Em dezembro de 2002, quando o governo federal começou a instituir o cálculo não cumulativo das duas contribuições, os passos foram semelhantes. Começou-se primeiro com o PIS e depois com a Cofins, com a promessa de que não haveria elevação de carga tributária. Mas na época a arrecadação com os dois tributos cresceu de forma significativa. A mudança elevou a carga tributária do PIS em 35% em 2003 e em 29% a da Cofins, em 2004.

O setor de comércio e serviços, diz Machado Júnior, não é contra a simplificação do sistema tributário. "Esse é o caminho, mas a simplificação precisa ser feita com critério, com projeto discutido em conjunto com as empresas."