Valor econômico, v. 17, n. 4220, 23/03/2017. Política, p. A5

Janot acusa Gilmar de "decrepitude moral"

 

Maíra Magro

 
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusou ontem o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de sofrer de "decrepitude moral" e "disenteria verbal". Num discurso duro e com referências claras ao ministro, mas sem citar o nome dele, Janot reagiu à acusação de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) teria vazado, para veículos de comunicação, os nomes de políticos que viraram alvos de pedidos de inquérito com base nas delações da Odebrecht.

"Em projeção mental, alguns tentam nivelar a todos a sua decrepitude moral, e para isso acusam-nos de condutas que lhes são próprias, socorrendo-se não raras vezes da aparente intangibilidade proporcionada pela posição que ocupam no Estado", disse Janot, insinuando que Gilmar é que teria o suposto costume de passar informações "em off" - ou seja, com a garantia de sigilo da fonte - para jornalistas.

O procurador também negou a afirmação feita na coluna da ombudsman da "Folha de S.Paulo", Paula Cesarino Costa, de que a PGR teria feito uma suposta "coletiva de imprensa em off" para vazar informações sobre a chamada "Lista de Janot". Foi com base no texto da ombudsman que Gilmar criticou a PGR. "É uma mentira, que beira a irresponsabilidade, afirmar que realizamos, na Procuradoria-Geral da República, coletiva de imprensa para 'vazar' nomes da Odebrecht", afirmou Janot. "Não posso deixar de repudiar com toda veemência a aleivosia que tem sido disseminada para o público nos últimos dias."

Mais uma vez sem citar o nome de Gilmar, Janot acusou o ministro de sofrer de "disenteria verbal" ao replicar a afirmação da ombudsman. O procurador mencionou que, na mesma coluna, a autora atribuiu a prática de realizar supostas "coletivas em off" ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e até ao STF - mas, segundo ele, Gilmar preferiu ocultar as menções a outras instituições.

"Apesar da imputação expressa [inclusive ao STF], não vi uma só palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre essa imputação ao Congresso, ao Palácio do Planalto e ao STF. Só posso atribuir tal ideia a mentes ociosas e dadas a devaneios, mas, infelizmente, com meios para distorcer fatos e desvirtuar instrumentos legítimos de comunicação institucional", declarou.

Janot também fez uma crítica velada ao fato de Gilmar ter participado de reunião recente com o presidente Michel Temer e os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia. "Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder público. E repudiamos a relação promíscua com a imprensa", afirmou. Segundo o procurador, as "críticas injustas" à PGR são feitas por "quem teve interesses contrariados por nossas ações".

As declarações foram feitas na manhã de ontem em discurso durante reunião de avaliação das eleições de 2016, na Escola Superior do Ministério Público da União, em Brasília. O procurador aproveitou a ocasião para defender a Operação Lava-Jato e a reforma política. "Nosso sistema político-partidário foi conspurcado e precisa urgentemente de reformas. A política não pode continuar a ser uma custosa atividade de risco propícia a aventureiros sem escrúpulos."

À tarde, Janot e Gilmar estiveram presentes à rápida cerimônia de posse de Alexandre de Moraes como ministro do STF. Ex-ministro da Justiça do governo Temer, Moraes foi nomeado pelo presidente em 22 de fevereiro. Ao falar com jornalistas depois da posse, ele negou-se a comentar os trabalhos relacionados à Lava-Jato que terá de realizar na Corte. "Não vou comentar nenhum assunto que não a posse", afirmou o ministro, dizendo-se feliz e honrado com o cargo.

Moraes acrescentou que assume a função "com absoluta convicção" de que pode auxiliar o STF no caminho de "defesa dos direitos fundamentais, equilíbrio entre os três poderes, combate à corrupção e combate à criminalidade." Questionado se sentiu constrangimento em ter na sua posse a presença de vários políticos investigados na Lava-Jato, Moraes limitou-se a agradecer a presença de todos.