Valor econômico, v. 17, n. 4219, 22/03/2017. Brasil, p. A2

País terá que acelerar a revisão de incentivos condenados pela OMC

 

Assis Moreira

 

O governo de Michel Temer poderá ter de concluir mais rapidamente a revisão de incentivos à indústria brasileira condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), diante da nova dinâmica entre os países de acelerarem pedidos de retaliação.

A decisão da OMC condenando os programas foi enviada ao Brasil, à União Europeia e ao Japão em 20 de dezembro do ano passado. No entanto, o documento é confidencial até que circule para todos os 164 membros da OMC, o que ocorrerá no segundo semestre.

O Brasil já indicou que vai apelar. Isso pode ocorrer por volta de novembro. O Orgão de Apelação poderá tomar uma decisão entre três e seis meses, ou seja, até meados de 2018. A partir daí os riscos aumentam.

Como nova derrota parece inevitável também na apelação, o Brasil estaria na condição de ter de se defender de sanção dos parceiros. É que os países na OMC não estão mais aguardando a sequência normal de disputas, por exemplo, pedir nova investigação sobre como foram revisados os programas condenados. Agora, pedem diretamente retaliação.

O Valor teve acesso a detalhes das principais decisões dos juízes da OMC, que continuam sob sigilo, envolvendo os programas condenados: Inovar-Auto (Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores); os programas sobre tecnologia da informação (Lei de Informática, Programa de Incentivos ao Setor de Semicondutores), Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para TV Digital e o de Inclusão Digital). Além de programas que isentam impostos para empresas exportadores PEC (insumos para exportação) e Recap (bens de capital para exportação).

Os juízes do painel enfatizaram que não tomaram nenhuma decisão em relação aos programas de tecnologia da informação (o que inclui a Lei de Informática) e Inovar-Auto como um todo, nem decidiram sobre a consistência dos requisitos da etapa de produção. Segundo eles, as conclusões sobre os programas foram cirúrgicas ao identificar aspectos específicos que violam as regras da OMC.

Sobre a Lei de Informática, Padis (semicondutores), PATVD (TV digital) e o programa de inclusão digital, os juízes concordaram com o Brasil que a inclusão social e a redução da brecha digital são, em princípio, objetivos públicos do Brasil, no contexto de um artigo da OMC. Além disso, consideraram que é possível que aspectos discriminatórios dos programas poderiam potencialmente contribuir para a criação de uma indústria competitiva e estável para suprir o mercado brasileiro.

No entanto, dizem os juízes, o Brasil não demonstrou que as medidas eram necessárias para assegurar ''continuidade de suprimento'' do mercado. E as importações devem ser levadas em conta nesse caso. Conclui que o Brasil poderia alcançar melhor os objetivos reduzindo barreiras na importação de equipamentos de TV digital, por exemplo.

Com relação ao Inovar-Auto, o Brasil argumentou que queria fortalecer a indústria doméstica afim de adquirir tecnologia e "know-how". Os juízes reconheceram também nesse ponto que é possível que certos aspectos discriminatórios do programa poderiam ter um impacto no desenvolvimento da indústria nacional e resultar em maior segurança dos veículos e eficiência de energia. Apesar disso, acharam que o Brasil não forneceu qualquer evidência para apoiar a interpretação de que esse cenário poderia ocorrer. E consideraram que importações ajudariam nos objetivos buscados pelo país.

Sobre o Recap, o painel reconheceu que companhias brasileiras, cujos produtos finais são submetidos a baixos níveis de taxação, ou isenção total, podem ter um problema de acumulação de crédito tributário, e que evitar isso seria um objetivo legítimo de política.

Mas o painel notou que algumas empresas brasileiras com o mesmo problema de acumulação de crédito tributário não recebem as desonerações. A conclusão é que o Brasil não demonstrou a existência de uma regra de aplicação geral para evitar a acumulação de crédito, de forma que os programas são considerados subsídios vinculados ao desempenho de exportação, proibidos pelas regras internacionais.