Valor econômico, v. 17, n. 4219, 22/03/2017. Política, p. A10
Servidores estaduais e municipais saem de texto da reforma
 
Ribamar Oliveira
Bruno Peres
Marcelo Ribeiro
Raphael Di Cunto
 
O governo desidratou a proposta de reforma da previdência, ontem, ao excluir do alcance da reforma da Previdência o funcionalismo dos Estados e municípios. O presidente Michel Temer afirmou, em pronunciamento no Palácio do Planalto, ontem, que a reforma respeitará a autonomia dos Estados e será feita apenas para servidores federais. O recuo facilitará a aprovação do restante da proposta, segundo avaliação política do governo.

"Desde domingo, temos tido muitas reuniões com as lideranças da Câmara e do Senado. Surgiu com grande força a ideia de que nós deveríamos obedecer a autonomia dos Estados, portanto fortalecer o princípio federativo", disse o presidente, ao anunciar a mudança. "Vários Estados, tenho ciência disso, já providenciaram a sua reformulação previdenciária. Seria uma relativa invasão de competência que nós não queremos levar adiante", completou.

Relator da reforma da Previdência, o deputado Arthur Maia (PPS-BA) explicou que a exclusão refere-se aos servidores estaduais e municipais do regime próprio de Previdência e não aos que contribuem com o INSS.

"Não estamos cedendo em nada. Ceder seria tirar uma ou outra categoria da reforma, como policiais ou professores. Estamos respeitando princípio federativo de respeito entre as unidades da Federação", disse Maia. "Não se trata de ficar mais fácil ou mais difícil. Se trata de respeitar as prerrogativas de cada um. Cada Estado poderá fazer sua regra de acordo com sua realidade", afirmou.

Segundo o relator, não ficou definido se a PEC tornará obrigatório um prazo para os Estados adequarem suas previdências, conforme sugerido por alguns parlamentares. "Esses detalhes serão avaliados", afirmou.

O regime próprio de previdência dos Estados apresenta um déficit de cerca de R$ 90 bilhões, sendo responsável, assim, por um quarto (1/4) do déficit de todo o sistema previdenciário do país. O mais grave, porém, é o déficit atuarial desses regimes, uma verdadeira "bomba relógio" na visão de especialistas.

Temer destacou a necessidade de se aprovar a reforma da Previdência para que o país caminhe na direção da recuperação da economia, da retomada de emprego e do reequilíbro das contas públicas.

"Sempre dissemos que queríamos prestigiar principio federativo. Estados que não fizeram reforma as farão se for necessário. Se não for necessário não se submeterão a uma regração que viria na Constituição Federal", argumentou o presidente.

Durante o pronunciamento ele estava acompanhado do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e de deputados aliados.

Mais cedo, Temer recebeu o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que reforçou o apoio da legenda à aprovação da reforma da Previdência, mas reconheceu que o texto precisa de ajustes para ser aprovado no Congresso.

Em conversa com deputados e senadores da base governista, em sucessivas reuniões, Temer pediu que haja maior nível de consenso sobre as mudanças a serem realizadas no texto para dar celeridade à tramitação da proposta no Congresso.

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Concessões serão feitas na comissão

 
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro
Edna Simão
 
Antes dividido sobre em que fase da tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Reforma da Previdência abrir negociações, o governo bateu o martelo em reunião do presidente Michel Temer com líderes de partidos aliados na Câmara e no Senado ontem e fará todas as concessões no texto já na comissão especial.

A ideia é votar esse texto no plenário da Câmara e no Senado sem modificações em relação ao texto que sairá da comissão especial. Parte do governo receava que, ao flexibilizar pontos da proposta já no colegiado, os deputados de fora da comissão, que não participaram do acordo, exigiriam no plenário uma segunda rodada de concessões.

Venceu a tese de que é preciso fechar o acordo com os partidos, do contrário seria muito difícil a aprovação em plenário. "Como é que vamos explicar para a população que aprovamos o texto original, ressalvados os destaques, e que esse texto original não era o que queríamos, porque tinha os destaques?", questionou o deputado Domingos Neto (PSD-CE).

O relator da PEC, deputado Arthur Maia (PPS-BA), apresentará seu parecer na próxima semana para negociação com os partidos da base e votação até meados de abril. Pelo acerto de ontem, o que sair dessas conversas será o texto aprovado também no Senado porque qualquer alteração que os senadores fizessem obrigaria nova análise pelos deputados, comprometendo o calendário de votar no primeiro semestre.

Os próximos dias serão de intensas negociações. Na reunião, os partidos da base listaram seis pontos considerados mais problemáticos na PEC: a idade mínima igual para homens e mulheres e para os trabalhadores rurais, de 65 anos; as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), como desvinculação do salário mínimo e aumento da idade; aposentadoria rural; aposentadorias especiais (de policiais); acúmulo de benéficos previdenciários; e a regra de transição.

"Esses seis temas englobam praticamente 90% das emendas. É necessário que estabeleçamos uma regra e um critério de debate. Vamos chamar os autores dessas emendas para tentar construir um pensamento único em torno delas e ver o que é possível incluir no relatório", afirmou o relator, dizendo que é preciso cuidado na inclusão das emendas para que não afetem os efeitos na retomada da economia.

O acerto para que os senadores já sejam chamados para discutir o projeto durante a tramitação na Câmara, contudo, tem um problema: o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos que mais têm criticado a reforma, não participou da reunião, nem enviou representantes de seu partido.

O governo ficou de avaliar com a equipe econômica as demandas, sem ainda se posicionar, mas deixou claro que há margem para negociação - exposta ontem, com o anúncio de Temer de excluir servidores estaduais e municipais da PEC. Segundo o líder do PSDB na Câmara, Ricardo Tripoli (SP), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deixou uma porta aberta para negociação. "O canal [de negociação] não está obstruído. Isso é o mais importante numa democracia", afirmou.

PSDB e do DEM receberam Meirelles num debate sobre os pontos mais críticos da PEC. O ministro afirmou que se houver flexibilização de algum item, outro terá que ser apertado para compensar.

Já o ministro do Planejamento, participou de audiência pública na comissão especial para defender que a seguridade social é deficitária e não superavitária como informa a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip). Mesmo com as alegações do ministro, os parlamentares da oposição contestaram os dados do governo.

O Palácio vai melhorar também a estratégia de comunicação, já acertada com parlamentares, para focar mais no WhatsApp - citado por 87% dos entrevistados em pesquisa do governo como principal fonte de informações nas redes sociais sobre a reforma.

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Para presidente do PSB, proposta do governo não serve

 
Ricardo Mendonça
 
O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, afirmou ontem, em entrevista ao Valor, que não é contrário à ideia de reformar a Previdência, mas o projeto de mudanças, tal qual enviado pelo governo à Câmara dos Deputados, "não tem a menor chance" de receber apoio da maior parte da bancada do partido.

"O texto [proposto pelo governo] não serve. Partido socialista aprovar uma reforma da Previdência tal como foi encaminhada ao Congresso, aí teria que mudar de nome", disse. "Não tem a menor chance de passar".

Segundo Siqueira, esse é o sentimento majoritário na bancada. Apenas um grupo "muito pequeno" da legenda votaria favoravelmente ao projeto original do governo, disse. Mas mesmo esses deputados, completa, "não chegam a dizer que são favoráveis, de tão impopular que é [o projeto]". O PSB tem 35 deputados em exercício. O dirigente não informou quantos seriam favoráveis e quantos seriam contrários à proposta do governo.

Siqueira afirma que, entre os itens vistos como críticos por ele e pela maior parte da bancada, está a desvinculação ao salário mínimo nas pensões e o aumento da idade de 65 anos para 70 anos para acesso ao Benefício de Prestação Continuada.

Ele entende também que a equiparação da idade mínima entre homens e mulheres deve ser feita, mas de forma gradual. "Precisamos fazer uma reforma da Previdência no país, mas sem diminuir ou retirar os benefícios dos mais necessitados", diz.

Na semana passada, Siqueira esteve com Michel Temer. Segundo ele, o partido só não fechou questão contra a reforma até agora porque o presidente mostrou-se "interessado" nas suas ponderações. O dirigente afirmou, porém, que vem recebendo pressão de alguns deputados da sigla para que o PSB feche questão contra a proposta.

Hoje, Siqueira recebe o relator do projeto, Arthur Maia (PPS-BA), para reunião com os líderes do PSB na Câmara e no Senado.