Valor econômico, v. 17, n. 4219, 22/03/2017. Política, p. A11
Kátia Abreu faz crítica dura a operação da PF
 
Vandson Lima
Fabio Murakawa

A atuação da Polícia Federal na Operação Carne Fraca, deflagrada sexta-feira, fez retornar com força no Senado a defesa da proposta que impõe penas mais duras ao crime de abuso de autoridade.

Senadora do PMDB e ex-ministra da Agricultura, Kátia Abreu (TO) chamou a condução dos trabalhos da PF de "infantil", "ridícula" e algo que trará grande prejuízo ao país. "Praticaram um crime de lesa-pátria. Essa ação da PF pode nos dar um atraso de quase dez anos, por vaidade, arrogância, por abuso de autoridade", disse. "Vamos aprovar, sim, a Lei de Abuso de Autoridade, doa a quem doer. É para todos aqueles que se julgam estrelas acima do bem e do mal, prejudicando Estados pelo Brasil afora", continuou a senadora.

As consequências da operação, avaliou a ex-ministra, serão graves para o país. "O preço do boi vai cair. Vamos perder empregos. Grande parte desses frigoríficos são exportadores. Vão todos para a rua", disse antes de apontar ao grupo responsável pela operação. "Essa é uma culpa que vocês, esse pequeno grupo da PF, vão carregar em suas consciências. Vão arcar com essas consequências."

A senadora falou ainda, de maneira velada, sobre a influência do atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio, na nomeação de Daniel Gonçalves Filho, ex-superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, preso na sexta-feira.

Segundo Kátia, ela havia pedido indicação para o posto ao senador Roberto Requião (PMDB-PR). Mas o senador cedeu diante da pressão de dois deputados para indicar Daniel. Esses parlamentares seriam Serraglio e Sérgio Souza, ambos do PMDB. "Eu nunca vi, em todo o período em que lá [no ministério] estive, uma pressão tão forte, para não tirar esse bandido de lá. Tenho que ser sincera, porque são dois deputados do meu partido."

Líder do PMDB no Senado e autor do projeto de abuso, Renan Calheiros (AL) subiu ainda mais o tom. Alvo de oito inquéritos na Lava-Jato, Renan afirmou que "o domínio das corporações já não tem limite. O que assistimos com a Operação Carne Fraca explicita. Como mobilizam mil policiais da PF?", questionou. "Temos que colocar resistência. Esse pessoal está demonstrando que ele vai forçando a barra mais e mais."

Renan atacou o Ministério Público, a quem acusou de vazar informações selecionadas aos jornais para atingir alguns políticos, como ele. "Como pode o MP fazer um vazamento e dizer que foi em off? [ou seja, que não foi declaração oficial]. É confissão de abuso de autoridade e não podemos fechar os olhos para isso."

Jorge Viana (PT-AC) foi outro senador a reforçar a tese. "Estamos passando um risco seríssimo de perder mercado. Alguém no Judiciário precisa ver se houve abuso de autoridade nesse episódio". Kátia apresentou ainda requerimento para criação de uma comissão temporária externa que acompanhe os desdobramentos da operação.

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou ainda convites para que os ministros Blairo Maggi (Agricultura), Marcos Pereira (Indústria, Serviços e Comércio Exterior) e Osmar Serraglio (Justiça) prestem esclarecimentos, bem como o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello.

O ministro da Justiça, que apareceu em um grampo da operação chamando o suposto líder do grupo investigado de "grande chefe", rebateu. "O ministro da Justiça e Segurança Pública, Osmar Serraglio, reitera que a indicação do cargo de responsável pelo Ministério da Agricultura no Paraná passou pelo partido. O nome de Daniel Gonçalves Filho, em 2007, surgiu do então deputado Moacir Micheletto e foi chancelado pela bancada do PMDB do Paraná e lá permaneceu nos governos Lula e Dilma", informou o ministro por meio de nota. "A senadora Kátia Abreu, então ministra da Agricultura na época, reconheceu hoje [ontem] em seu discurso que só manteria o superintendente regional no cargo se fosse apoiado por senadores do PMDB. No caso, para o Paraná, ela exigiu a concordância do senador Roberto Requião, o que de fato ocorreu, como ela própria confessou. Assim, Daniel foi ratificado", acrescentou.

Segundo Serraglio, a resistência de Kátia Abreu em nomear "deu-se por haver divergências políticas entre ela e a maioria da bancada, que era a favor do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff".

Serraglio, que foi citado na operação mas não é um dos alvos dela, afirmou ainda que "cabe lembrar que desde a nomeação do superintendente, sempre que um assunto envolvendo Daniel Gonçalves Filho precisou ser tratado no governo, foi feito em nome da bancada, nunca de forma individualizada".

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Gilmar e Toffoli cobram explicações da PGR

 
Luísa Martins
 
 
Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticaram ontem os supostos vazamentos à imprensa da chamada "lista de Janot" cometidos por integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ambos consideraram que a PGR tem de prestar explicações ao Supremo e avaliaram que o caso tem potencial para levar ao descarte das provas colhidas até então.

Os 320 pedidos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegaram ontem ao gabinete do ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato na Corte. O relator, agora, tem acesso ao material e pode decidir sobre a retirada do sigilo das delações das empresas Odebrecht e Braskem.

Para fazer a crítica, Gilmar e Toffoli tomaram como base a mais recente coluna da ombudsman do jornal "Folha de S. Paulo", Paula Cesarino Costa. Ela relata que representantes da PGR promoveram uma "entrevista coletiva em off" com jornalistas para repassar informações sigilosas sobre os pedidos, com a garantia de que seus nomes seriam preservados. O sigilo da fonte é garantido pela Constituição, mas a lei proíbe que servidores públicos compartilhem informações confidenciais.

"Parece ser regra, e não exceção, vazar coisas em sigilo. É uma caça ao escândalo. A imprensa dá pouca relevância ao fato de que, quando praticado por funcionário público, vazamento é crime. Mais grave ainda é isso ocorrer dentro da estrutura da PGR", afirmou Gilmar. "Cheguei a propor, no ano passado, o descarte do material vazado. É uma espécie de contaminação das provas, que foram colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente. Devemos considerar esse aspecto", completou.

Toffoli concordou, destacando que o Judiciário deve determinar, junto às diligências em operações, a proibição de qualquer comentário por parte dos agentes envolvidos, sob pena de anular as provas colhidas nas buscas e apreensões. "Temos que realmente evitar essas pirotecnias, porque afrontam a Constituição."

Presente à sessão, a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko afirmou "não saber detalhes" sobre a suposta reunião entre repórteres e PGR e que "não sabe como" a mídia tem acesso às informações. Gilmar rebateu com ironia: "Não vou acreditar que a mídia teve acesso aos nomes a partir de sessões espíritas".

Toffoli e Gilmar correlacionaram os vazamentos ao "escandaloso caso" da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal (PF), que denunciou esquema de propina recebida por funcionários do Ministério da Agricultura para liberar a venda de carne sem a fiscalização devida. Para os ministros, ambos são casos de "espetacularização" das informações.

"Se todos nós comêssemos carne podre, não estaríamos aqui em sessão, estaríamos no hospital. Os milhões de brasileiros que diariamente comem carne estariam com algum tipo de infecção, salmonela ou sei lá o quê", disse Toffoli. Para o ministro, a operação pode ter comprometido um setor importante para a economia brasileira.

Gilmar chamou o coordenador da operação na PF, Maurício Grillo, de "mero delegado" e disse que o policial demonstrou despreparo. "Confundiu o invólucro com o conteúdo da carne", criticou o ministro sobre a polêmica da carne com papelão. "Está faltando responsabilidade."