Míriam Leitão
05/03/2017
As últimas semanas foram difíceis para o governo Temer. Apesar de não dizer que tratou de valores com o presidente, Marcelo Odebrecht deu elementos suficientes para elevar o risco de um voto pela cassação da chapa. As desavenças entre José Yunes e o ministro Eliseu Padilha mostram como as suspeitas chegaram ao círculo próximo do presidente. Os dois sempre foram a sombra e o braço direito de Temer.
Ahistória que José Yunes contou para a revista “Veja” parece repetição da desculpa dada por Henrique Pizzolato na época do mensalão. Yunes disse que em setembro de 2014 Padilha lhe disse que alguém lhe entregaria um envelope. Esse alguém que chegou no escritório era o notório Lúcio Bolonha Funaro. Yunes disse que precisou pesquisar no Google para saber quem era. Se pesquisou bem, encontrou que Funaro esteve envolvido com o Banestado, mensalão, Satiagraha. Foi delator no mensalão. Funaro, que agora está preso na Papuda pela Lava-Jato, é uma espécie de elo entre os escândalos. Mas Yunes precisou do Google. E a história se desenrola exatamente como a de Pizzolato: “depois disso veio outra pessoa e levou o documento que estava com a minha secretária.” Ele também não se lembra o nome dessa pessoa que levou o tal pacote. Está faltando imaginação aos suspeitos de corrupção no Brasil: eles já estão se repetindo.
Eliseu Padilha negou que tivesse intermediado qualquer coisa e disse não conhecer Lúcio Funaro. Mas os dois que se desencontram sobre esses fatos são as duas pessoas mais próximas do presidente Temer durante a sua vida pública.
Pela Constituição, nada que tenha ocorrido antes do seu mandato atinge o presidente, mas esses episódios o enfraquecem. Até porque atingem o círculo com o qual ele se organizou para governar. O primeiro a desembarcar foi Romero Jucá. Já saiu Geddel Vieira Lima. Yunes deixou a assessoria presidencial. Padilha afastou-se da poderosa Casa Civil e ainda foi atingido por outro raio. A cirurgia a que ele se submeteu foi mais extensa do que se pensava inicialmente, por isso o afastamento pode ser mais prolongado do que o previsto. Temer fez a estratégia de ter uma agenda pesada de reformas, tentar melhorar a economia e negociar intensamente com o Congresso para conseguir avançar. Mas seu time está ficando desfalcado e ele terá que fazer diretamente a articulação, ficando mais exposto às pressões e aos desgastes. A economia tem de fato melhorado e isso o fortalece, mas a relação com o Congresso está mais difícil, e as revelações sobre o financiamento ao PMDB criam zonas de turbulência no governo.
A base do governo dá seguidos sinais de que quer mudar e enfraquecer a reforma da Previdência. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, luta contra a perda do seu peso político demonstrando que é voz discordante. Disse na sexta-feira que a reforma é “bastante exagerada”. Em que ponto, não disse. Mas tudo tem estado sob ataque: a idade mínima, a igualdade entre homem e mulher, as regras de transição, a exigência de tempo de contribuição. Eles não se entendem nem quando estão do mesmo lado. O ministro Moreira Franco disse que não haveria fechamento de questão do PMDB para votar na reforma e foi desautorizado pelo senador Romero Jucá. O governo precisará mais do que nunca de uma boa articulação para aprovar a reforma da Previdência e seguir adiante com outras mudanças, mas está se enfraquecendo no meio das revelações da Lava-Jato, da ameaça do TSE e dos desfalques no círculo próximo do presidente.
A economia começa a melhorar, mas os números que saem ainda são muito ruins porque olham para trás. Na semana que vem sai o dado fechado do PIB de 2016. Foi outra queda enorme, a previsão está em torno de 3,5% de recessão. Pode-se dizer que esse desastre é dividido com a ex-presidente, porque a partir de maio foi Temer quem governou. Todos sabem que não existem mudanças automáticas na economia. Ela é um transatlântico que vira devagar. Os dados atuais são melhores. (...)
O globo, n.30526 ,05/03/2017. Economia, p.28