Febre amarela expõe falhas na vigilância

18/03/2017

 

 

Ocaso do pedreiro Watila Santos, morador de Casimiro de Abreu que morreu de febre amarela, o primeiro óbito confirmado no Estado do Rio, expõe a fragilidade dos sistemas de vigilância. Segundo parentes, ele procurou três vezes o hospital local, com febre, dor de cabeça, taquicardia, falta de ar e dores no corpo. Na primeira, os médicos diagnosticaram sinusite; na segunda, virose. Quando chegou pela terceira vez, Watila já estava em estado grave e morreria poucas horas depois.

Ou seja, profissionais de saúde do município não foram alertados ou treinados para detectar possíveis casos de febre amarela, apesar de o Rio fazer limite com Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, estados que registram surtos da doença. O episódio mostra ainda que o vírus rompeu a tênue barreira montada pelas autoridades de saúde do Rio. Watila não tinha viajado para regiões de surto. E Casimiro de Abreu, na Região das Baixadas Litorâneas, não estava na área de recomendação da vacina — o bloqueio estava sendo feito nas divisas do estado. A vacinação da população de Casimiro só começou depois da morte do pedreiro.

Outro fato que revela as lacunas deixadas pela vigilância é o caso dos macacos mortos no Rio. Exames feitos pelo Instituto Evandro Chagas, do Pará, em quatro saguis e um macaco-prego recolhidos em outubro de 2016 em diferentes bairros da capital, deram positivo para febreamarela. Embora uma contraprova esteja sendo realizada pela Fiocruz, a informação do Evandro Chagas, centro de referência nacional para a febre amarela, por si só, é preocupante. Ela poderia indicar que, há cinco meses, o vírus da doença circula pelo Rio. Até agora, as autoridades desconheciam o fato.

Falhas parecidas já haviam acontecido em Minas Gerais, onde macacos começaram a morrer de febre amarela em abril do ano passado. Em dezembro, apareceram as primeiras pessoas doentes. Mas o surto só foi anunciado em janeiro deste ano. Diante da demora das autoridades de saúde mineiras em agir, não surpreende que o estado contabilize mais de cem mortes.

Na verdade, as deficiências no controle de doenças são um mal que atinge todo o país, perpassando esferas de governo. Não fosse isso, autoridades não estariam às voltas hoje com doenças que pareciam extintas. A febre amarela urbana foi erradicada no Brasil em 1942. Mas a presença do Aedes aegypti em quase todos os municípios do país torna possível sua reintrodução. No caso da forma silvestre, como ocorre atualmente, o próprio Ministério da Saúde admite que, a partir dos anos 2000, a doença, que estava concentrada principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, começou a se expandir em direção ao sul. Hoje, faz estragos no Sudeste.(...)

O globo, n.30539 , 18/03/2017. Opnião, p.16