Título: Estado de alerta
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Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2011, Mundo, p. 18

Com a morte do ditador Kim Jong-il, aliados e adversários do regime observam os movimentos do filho e "Grande Sucessor"

A morte do ditador Kim Jong-il, ocorrida no sábado mas anunciada apenas ontem pela agência estatal norte-coreana, lançou uma nuvem de incertezas sobre o mundo. Única dinastia comunista do planeta, o regime da Coreia do Norte será agora comandado por um jovem com menos de 30 anos e sem qualquer experiência política, mas já batizado de "Grande Sucessor". Potências ocidentais temem que Kim Jong-un, o filho escolhido para suceder o "Querido Líder", queira exibir poderio militar, como maneira de se firmar no cargo — e ontem mesmo o país voltou a testar mísseis. A histórica rival Coreia do Sul chegou a decretar estado de alerta, com apoio dos Estados Unidos, enquanto outras vozes defendem o diálogo sobre o programa nuclear norte-coreano.

A notícia da morte correu logo após o meio-dia de ontem (horário de Pyongyang). Aos prantos, uma apresentadora da TV estatal informou que o ditador faleceu na manhã de sábado, vítima de um ataque cardíaco. Pouco depois, a agência oficial KCNA confirmou a escolha do filho mais novo para assumir a direção. "Todos os membros do Partido (dos Trabalhadores, comunista), os militares e o povo devem seguir fielmente a autoridade do camarada Kim Jong-un e proteger e reforçar a frente unida do partido, do Exército e da cidadania", informava uma nota. Assim que foi informado, o governo da Coreia do Sul convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional e determinou alerta para as tropas na fronteira intercoreana. Os dois países jamais assinaram um acordo definitivo para pôr fim à Guerra da Coreia (1950-1953).

Por telefone, o presidente dos EUA, Barack Obama, conversou com o colega sul-coreano, Lee Myung-bak. Segundo um comunicado da Casa Branca, os dois manterão contato para acompanhar os acontecimentos, nos próximos dias. A secretária de Estado, Hillary Clinton, disse esperar "uma transição estável e pacífica" no país comunista. Com preocupação semelhante, o Japão — que não tem boas relações diplomáticas com Pyongyang — também convocou uma reunião de emergência. "O governo japonês espera que essa situação não tenha consequências negativas para a paz e a estabilidade da Península Coreana", declarou um porta-voz, após prestar condolências. No Brasil, a embaixada norte-coreana decretou luto até o próximo dia 29. O funeral está previsto para um dia antes.

O temor de Japão, EUA e Coreia do Sul é de que o novo líder lance mão dos recursos bélicos do país para demonstrar seu poder. "Há um sério risco de provocação militar adicional, pois ele precisa se legitimar", diz Christoph Bluth, especialista em segurança internacional na Universidade de Leeds. "O principal impacto da morte de Kim Jong-il será esse período de instabilidade", ressaltou, em entrevista ao Correio. Os primeiros sinais de recrudescimento podem ter sido dados ainda ontem. A Coreia do Norte realizou dois testes de mísseis de curto alcance, lançados do litoral oriental, embora os sul-coreanos tenham refutado qualquer relação dessa operação com o morte do ditador.

Diálogo Mais otimistas, líderes europeus afirmaram que é necessário manter a negociação com o novo dirigente acerca do arsenal atômico. "Há um processo de diálogo com a Coreia do Norte, que tem altos e baixos, mas é preciso continuar essa conversa, com o apoio da China e de outros países, para que Pyongyang renuncie a suas armas nucleares", disse o ministro das Relações Exteriores da França, Alain Juppé. Autoridades alemãs e o chanceler britânico, William Hague, deram declarações semelhantes, enquanto o presidente russo, Dmitri Medvedev, disse esperar que as mudanças não afetem a "relação de amizade" entre os dois países. O regime norte-coreano realizou testes nucleares subterrâneos em 2006 e 2009, o que fez a Coreia do Sul interromper a ajuda humanitária que enviava à nação vizinha.

Para alguns analistas, a transição também pode servir para melhorar a vida dos habitantes. Castigados pela pobreza e pelo desabastecimento de comida, muitos dependem de ajuda estatal para sobreviver. "Eu acho que essa é uma excelente oportunidade. Se o país usar a situação para construir uma liderança coletiva, ao estilo chinês, ele também será capaz de perseguir mudanças econômicas graduais", avalia Ruediger Frank, especialista em economia e sociedade do Leste Asiático na Universidade de Viena, na Áustria. A China, que é parceira da Coreia do Norte e manifestou "profundas condolências", é uma das principais fornecedoras de alimentos e tem função estratégica nessa missão. Pequim também deseja que tudo corra bem na sucessão, para evitar que uma massa de refugiados tente atravessar a fronteira.

Leon Sigal, diretor do projeto de segurança cooperativa do nordeste da Ásia no Science Research Council, em Nova York, acredita que Kim Jong-un mantenha a estratégia do pai, pelo menos na relação com a China. Resta saber se o mesmo valerá para o programa nuclear. "Ao longo dos anos, esse sistema conseguiu se sustentar através das gerações, passando o poder de pai para filho", observa. "Agora, é o momento de verificar se o filho vai manter a mesma estratégia de negociação em assuntos delicados." Em outubro, EUA e Coreia do Norte estenderam o prazo para dialogar sobre a questão nuclear.

ONU condena a repressão Com o voto de 123 dos 193 países-membros, e apenas poucas horas depois de anunciada a morte de Kim Jong-il, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que condena o desrespeito aos direitos humanos na Coreia do Norte. O texto recebeu o voto contrário de 16 nações — entre elas a China, aliada do regime de Pyongyang — e 51 se abstiveram. A resolução, nos moldes da que é adotada anualmente pelo organismo, manifesta "uma preocupação muito grave" com a "tortura" e as "condições desumanas de prisão, as execuções públicas e as detenções extrajudiciais e arbitrárias". Minutos antes da votação, o secretário-geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, comunicou que a organização "continuará ajudando o povo da Coreia do Norte". Neste ano, Ban havia pedido aos países doadores que reunissem US$ 218 milhões para ajuda alimentar a Pyongyang, mas a arrecadação atingiu apenas 20% desse valor.

Serviço A Embaixada da República Popular Democrática da Coreia informa que o Livro de Condolências estará aberto, nesta Embaixada, no endereço: SHIS, QI 25, Conjunto, 10 Casa 11, Lago Sul, Brasília-DF. A representação aceitará as visitas de condolências durante o período de 20 a 27 de dezembro, no horário das 10h às 18h.