Título: Luta interna deve marcar a sucessão
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2011, Mundo, p. 19

Para se legitimar no poder, caçula de Jong-il terá que vencer a oposição da elite e do Exército

O regime mais fechado do planeta se preparava para a morte de Kim Jong-il desde 2008, quando um derrame tornou a saúde do ditador cada vez mais precária. Mas foi pego surpreso. Além de deixar a Coreia do Norte órfã, a ausência do "Querido Líder" mergulhou o país em incertezas. Especialistas admitem ao Correio que Pyongyang provavelmente assistirá a disputas internas pelo poder. Aos 29 anos, Kim Jong-un — o filho caçula de Jong-il e principal cotado a assumir o posto de "pai da nação" — não agrada ao Exército e é considerado jovem demais pelas elites norte-coreanas. Seu nome também desperta a ira de Kim Jung-nam, o irmão mais velho que, até pouco tempo, era considerado o sucessor natural do pai. Ao usar um passaporte falso em uma viagem à Disneylândia de Tóquio, Jung-nam teria deixado de ser o preferido de Jong-il.

A agência de notícias norte-coreana KCNA descreveu Kim Jong-un como "o grande sucessor" e pediu à população de 24,3 milhões de pessoas que se una em torno de sua figura. Ao ser escolhido para comandar a comissão de organização do funeral do ditador — composta de 232 membros —, Jong-un aparece como o novo presidente da nação. "Sob a liderança de nosso camarada Kim Jong-un, nós devemos transformar a tristeza em força e coragem", recomendou o Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte. "Todos os membros do Partido (dos Trabalhadores), os militares e o povo devem seguir fielmente a autoridade do camarada Kim Jong-un e proteger e reforçar a frente unida do partido, do Exército e da cidadania", afirma uma nota da KCNA.

Fã de James Bond e do ex-jogador de basquete Michael Jordan, além de prodígio em assuntos tecnológicos, Jong-un estudou na Suíça e tem fluência em inglês, alemão e, provavelmente, francês. Promovido a general de quatro estrelas no ano passado, ele experimentou uma ascensão meteórica na política norte-coreana. Chegou a vice-chefe da Comissão Militar Central do Partido dos Trabalhadores, mesmo sem experiência militar. Alguns analistas creem que essa limitação levará o caçula de Jong-il a estabelecer uma aliança estratégica e quase simbiótica com os líderes do Exército. Ou mesmo a acabar como uma espécie de testa de ferro em um governo comandado por parentes mais velhos e mais poderosos.

Isolamento Scott Snyder, diretor do Centro para Política EUA-Coreia do instituto The Asia Foundation (em Washington), aposta que Pyongyang adotará uma "estratégia de porco-espinho" para preservar o regime comunista. "A Coreia do Norte lançará mão de ameaças, enquanto busca se estabelecer internamente", acredita. "A provável liderança de Kim Jong-un exigirá um isolamento para ser capaz de sobreviver." Segundo ele, o nome do herdeiro de Jong-il seria cortejado pelas mais altas elites norte-coreanas. No entanto, estaria longe de ser uma unanimidade. "Debates e divisões podem surgir, enquanto o processo sucessório se desenrola", adverte. "As evidências de lutas internas devem se tornar mais visíveis, à medida que os desafios se apresentarem para a dinastia de Kim Jong-un", emenda.

O sul-coreano Yong Chen, historiador da Universidade da Califórnia-Irvine (EUA), não espera que Jong-un seja mais aberto que o pai. "Uma transformação desestabilizaria sua estrutura de poder e daria à oposição um bom motivo para destroná-lo", explica. Na tentativa de se afirmar ante a opinião pública norte-coreana e os inimigos ocidentais, Jong-un deve manter a política de linha-dura, especialmente em relação à Coreia do Sul e ao Japão. Essa tendência ficou evidente ontem, quando a Coreia do Norte disparou mísseis na costa leste de seu território.

"Não deveríamos esperar que Jong-un se esforce para reduzir a tensão na Península Coreana", adverte Chen. Qualquer medida de boa vontade projetaria uma imagem de fraqueza aos olhos dos norte-coreanos e de outros povos. "Não creio que o regime terá sobrevida longa. Não porque o povo esteja sofrendo, mas devido à legitimidade questionável de Jong-un", ressalta o historiador da Califórnia. De acordo com Chen, a duração do regime exige que o novo ditador implemente mudanças pessoais e brutais na estrutura de poder do país. "Jong-un se livrará daqueles que não são seu povo e colocará sua gente nos lugares certos", prevê.

Eu acho... "A história não será generosa com Kim Jong-il. Ele será lembrado como um ditador que pertencia ao passado. Como líder político, manteve um comportamento e um sistema de crenças contrário às tendências mundiais e ao interesse de seu próprio povo. O regime norte-coreano tornou-se menos uma questão de ideologia do que de proteção a uma dinastia".