Crimes contra mulheres no topo de quexas à PM 

Rafael Galdo e Dayana Resende 

09/03/2017

 

 

Em três meses, serviço da polícia recebeu 315 reclamações por dia, superando casos de perturbação do sossego

Nos últimos três meses, foram 315 chamadas, por dia, para o serviço 190 da Polícia Militar para relatar crimes contra a mulher. E, a cada 12 minutos em 2016, uma mulher sofreu agressão física no Rio. Os números, divulgados ontem, Dia Internacional da Mulher, pela Polícia Militar e pela Secretaria estadual de Segurança, respectivamente, dão um quadro da gravidade da violência de gênero no estado. Apenas as ligações para a central da PM somaram 28.372 entre dezembro e fevereiro, que alcançaram o topo das queixas recebidas pelo canal de atendimento, ultrapassando até as reclamações de perturbação de sossego, normalmente mais frequentes. Ontem, mulheres realizaram um protesto no Centro da cidade que reuniu desde temas sobre aborto até assédio sexual.

Os casos de violência ainda são muitos. Com menos de três meses de namoro, L., de 26 anos, ficou com o braço roxo, durante uma crise de ciúmes do companheiro. Depois, vieram os xingamentos. Antes de o relacionamento completar seis meses, ela foi agredida com um tapa no rosto, que feriu sua boca e marcou o fim da relação.

— E eu o denunciei, porque tinha medo do que ele poderia fazer depois da separação. Tomei a atitude certa. Não podemos nos calar diante das agressões — diz a moradora de Niterói.

De acordo com o levantamento da Secretaria, adiantado por Ancelmo Gois ontem, foram 44.762 agressões físicas contra mulheres no ano passado. Os casos respondem por 64% dos registros de lesões corporais em delegacias fluminenses.

O mesmo levantamento mostrou ainda que, diariamente, no ano passado, duas mulheres procuraram as delegacias para denunciar assédio. Para estimular as denúncias, o Instituto de Segurança Pública (ISP) realiza campanha de conscientização. Os agressores podem ser condenados a penas de um a dois anos de detenção, que podem ser agravadas em casos específicos.

Outro levantamento, das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulheres (Deams), revelou que, de março de 2015 a outubro de 2016, ocorreram 142 tentativas de homicídios de mulheres no estado. E, como mostrou O GLOBO ontem, as Delegacias de Homicídios (DHs) da capital, da Baixada e de Niterói e de São Gonçalo registraram, entre março de 2015 e março de 2016, 114 assassinatos de mulheres qualificados como feminicídio, quando a vítima é morta por questões de gênero.

Para Joana Monteiro, presidente do ISP, as estatísticas mostram que a violência contra mulher é maior do que se imagina.

— Os números mostram a magnitude do problema, que assombra a sociedade. É preciso conscientizar a população e exigir políticas para reduzir as agressões sofridas — afirma ela.

No entanto, o mesmo estado vem negligenciando o atendimento a mulheres em seus centros de referência. Dos quatro existentes, apenas um funciona efetivamente, o Márcia Lyra, no Centro. A Casa da Mulher de Manguinhos foi a primeira a fechar, em 2016. Em 31 de janeiro, o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam) de Queimados, que operava precariamente, também encerrou atividades.

Ele atendia, em média, a 220 mulheres por mês. Mas os problemas já se arrastavam. Pelas normas, cada Ceam deveria ter duas psicólogas, duas advogadas e duas assistentes sociais, o que só acontecia no Ceam do Centro. Em Queimados, havia uma profissional de cada especialidade, uma acolhedora, que fazia o primeiro atendimento às mulheres violentadas, além de uma funcionária administrativa e uma coordenadora. Mas, nos últimos meses, só trabalhavam duas técnicas e a coordenadora.

Situação de desmantelamento parecida com a do Centro Integrado de Atendimento à Mulher (Ciam) da Baixada, em Nova Iguaçu. Atualmente, a unidade só tem duas funcionárias, que trabalham em salas cedidas pela prefeitura da cidade. O prédio em que operava antes, no Bairro da Luz, fechou para obras, com promessas de recursos do programa estadual Via Lilás. Mas a reforma não aconteceu.

O secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Pedro Fernandes, garante que, no dia 24, os centros de Queimados, Nova Iguaçu e Centro serão reabertos:

— Por conta da crise (do estado), encontrei os centros praticamente fechados ao assumir.

O secretário admite que hoje não há planos de expandir a rede.

 

O globo, n. 30530, 09/03/2017. Rio, p. 12