Uma cervejaria que funcionava como banco para lavar dinheiro

Chico Otavio

04/03/2017

 

 

Recursos trocados entre a Odebrecht e a Itaipava pagaram propina

Embora produza cerveja e outras bebidas, o Grupo Petrópolis atuou para a Odebrecht como operadora financeira, valendo-se de um esquema similar ao dólarcabo para lavar dinheiro e pagar propina a políticos. O dólar-cabo permite troca de recursos entre dois parceiros, no Brasil e no exterior, como se fosse um banco paralelo de compensações, sem a necessidade de movimentar o dinheiro de fato. Funciona na base da confiança.

Os investigadores suspeitam que, na condição de alvo recorrente de denúncias de sonegação fiscal, a cervejaria dispunha de recursos produzidos em seu caixa dois para honrar os compromissos políticos da Odebrecht no Brasil. Para isso, usava uma rede de distribuidoras que orbitava em torno da empresa. Em compensação, a Itaipava se valeria da empreiteira no exterior para pagar em moeda estrangeira os insumos necessários à produção de cerveja, do malte à lata de alumínio, longe do controle da Receita Federal e do Banco Central.

Para funcionar com a regularidade necessária, as duas empresas chegaram a ter um banco em comum. Em delação premiada, Vinícius Veiga Borin, apontado como um dos operadores do Setor de Operações Estruturadas, o departamento de propina da Odebrecht, detalhou como terceiros foram usados pela Odebrecht para adquirir o Meinl Bank Antígua, no arquipélago caribenho de Antígua e Barbuda. Um desses sócios foi Vanuê Antônio da Silva Faria, ex-membro do Conselho de Administração da Itaipava, que deixou a cervejeira após romper com o tio, Walter Faria, o dono do grupo.

Durante a 26ª fase da Lava-Jato, a Operação Xepa, a força-tarefa encontrou indícios de que, juntas, Odebrecht e Itaipava haviam movimentado pelo menos U$ 117 milhões para o pagamento de propina entre 2008 e 2014. Pelo menos mais três pessoas ligadas a Walter Faria estão envolvidas na operação internacional: Naede de Almeira, executivo responsável pelo esquema nas Antíguas; Maria Elena de Souza, que assinava as autorizações para a movimentação de recursos; e Arnaldo Kardek da Costa, contador do grupo.

O globo, n.30525 , 04/03/2017. País, p. 6