CAIXA 2 É ‘MODELO REINANTE’ NO PAÍS’, DIZ EMÍLIO ODEBRECHT

Dimitrius Dantas 

Gustavo Schimitt

Cleide Carvalho

22/09/2017

 

 

Em tom semelhante, José Eduardo Cardozo fala que prática é ‘cultural’

O uso de caixa 2 para financiar campanhas eleitorais é uma prática tradicional entre os políticos. É o que disseram ontem ao juiz Sérgio Moro o empresário Emílio Odebrecht e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que afirmou ainda que nem sempre esses recursos são provenientes de atos de corrupção.

Nas últimas semanas, a criminalização do caixa 2 e do pagamento de propina por meio de doação legal de campanha vem sendo relativizada por políticos e até mesmo pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que fiscaliza o financiamento dos partidos.

Na semana passada, o expresidente Fernando Henrique disse que era preciso separar quem usou dinheiro de caixa 2 em campanha política de quem usou para enriquecimento pessoal. A declaração do tucano foi a senha para que outros políticos e Mendes começassem a relativizar o financiamento ilegal em eleições.

O presidente do TSE disse que a decisão de caixa 2 não é do candidato, mas das empresas, que não querem se expor com políticos, e que era preciso “desmistificar o caixa 2”.

Seu colega no STF, o ministro Luís Roberto Barroso disse em entrevista à “Folha de S. Paulo” que pode haver diferença entre caixa 2 e corrupção, “mas ambos são crime”. Em entrevista à GloboNews, antes de tomar posse como presidente da suprema Corte, a ministra Cármen Lúcia disse ser contra a anistia para quem fez uso do caixa 2.

— Ilícito é ilícito, anistia só pode ser concedia quando tiver uma causa social que justifique as circunstâncias nas quais ela comparece — disse à época.

 

Emílio Odebrecht, que falou como testemunha do filho Marcelo, que está preso em Curitiba, disse a Moro que a Odebrecht não tinha um “departamento de propina”, como vem sendo dito, apenas “um responsável por operacionalizar recursos não contabilizados”. Disse que sabia da existência de caixa 2 e de contribuições ao PT, mas não dos detalhes.

— Sim, sabia que existia uso de recursos não contabilizados. Sempre foi modelo reinante no país e que veio até recentemente. Houve um impedimento a partir de 2014. Até então, sempre existiu. Desde minha época, da época do meu pai (Norberto Odebrecht) e também de Marcelo, sem dúvida — afirmou.

Emílio, que assumiu o conselho de administração da empresa em 2002, disse que na época dele as coisas “eram mais simples”.

— Eu desconfio seriamente que sempre houve (caixa 2), porque na minha época existia doação de campanha oficial e não-oficial de recursos não contabilizados.

O ex-ministro José Eduardo Cardozo, que prestou depoimento como testemunha de defesa do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci, disse que, “infelizmente”, o caixa 2 no Brasil é “histórico, cultural”, mas que nem sempre “agasalha a prática de corrupção”. Para ele, quem causa confusão é o sistema político brasileiro, “anacrônico, atrasado e ultrapassado”.

—Não sei quando começou o caixa 2, mas a corrupção começou quando Pedro Álvares Cabral aqui chegou. Consta que Pero Vaz de Caminha, nas cartas, pediu emprego ao rei no Brasil — afirmou o ex-ministro, para quem a corrupção é uma “dimensão estrutural, histórica e cultural”.

 

“Sempre existiu. Desde minha época, da época do meu pai”

Emílio Odebrecht, Empresário

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O QUE ELES DISSERAM

 

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

“Visto de longe tem-se a impressão de que todos são iguais no universo da política e praticaram os mesmos atos. No importante debate travado pelo país, distinções precisam ser feitas. Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa 2 para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção.”

 

GILMAR MENDES, PRESIDENTE DO TSE

“O caixa 2 tem que ser desmistificado também. Necessariamente ele não significa um quadro de abuso de poder econômico. Temos a doação plenamente legal. Tem essa chamada doação legal entre aspas, (oriunda de) propina. Temos a doação irregular, informal, caixa 2, que não teria outros vícios. E podemos ter também essa doação irregular, informal, (oriunda de) propina, portanto com o objetivo de corrupção.”

 

SENADOR AÉCIO NEVES (PSDB-MG)

“Era errado o que fizemos até aqui? Vamos fazer um mea-culpa. Mas quem faz política não pode ser comparado com quem assaltou o país. Um cara que roubou dinheiro na Petrobras para enriquecer, que botou dinheiro no bolso, tem que ir em cana, não quem usou recursos de doação para fazer política. Ninguém me convence de que quem rouba e assalta o Estado pode ser igual a um cara que recebeu cem pratas para se eleger, ser colocado no mesmo bolo.”

 

RODRIGO MAIA (DEM-RJ), PRESIDENTE DA CÂMARA

“Essa discussão (sobre Caixa 2) tem que ser transparente, tem que se apresentar antes qual o texto será votado, não enganar a sociedade sobre o que se pretende fazer. Debatendo de forma clara, não fica parecendo algo pior do que é na realidade . Não estou tratando disto neste momento, mas concordo com o ministro (Gilmar Mendes). Tem que serA desmistificado mesmo.”

O globo, n. 30535 , 14/03/2017. País, p.4