Janot apresenta versão do MP sobre abuso de autoridade

Isabela Bonfim e Isadora Peron

29/03/2017

 

 

 

Procurador-geral leva anteprojeto ao Congresso; principal ponto é o que não prevê crime em divergências na interpretação de lei por juízes

 

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sugeriu ao Congresso que não configure como abuso de autoridade a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentada.

Desta forma, os agentes públicos, como juízes e procuradores, não podem ser punidos pelo exercício regular de suas funções na lei de abuso de autoridade.

A sugestão foi feita por meio de um anteprojeto elaborado pelo Ministério Público Federal, que Janot entregou pessoalmente ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), em visita ao Congresso ontem.

Já no primeiro artigo do texto, Janot inclui parágrafo único que afirma “Não configura abuso de autoridade: I – a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentada”.

O dispositivo incluído por Janot é a principal diferença entre o anteprojeto do Ministério Público e o texto que já tramita no Senado e será discutido hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A medida já havia sido reivindicada durante debate na Casa pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira. O magistrado temia que o projeto do Congresso pudesse cercear a atividade da Justiça e as investigações.

Ontem mesmo o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) protocolou um projeto de lei com base na sugestão de Janot. “Eu adotei a ideia de Janot na íntegra.

Ela não é uma proposta de ódio, contra os integrantes do Ministério Público, nem de proteção ao Judiciário”, disse Miro.

Para o deputado, a grande virtude do projeto é que ele vale para todas as autoridades do País, desde o Executivo, Legislativo e Judiciário, até integrantes do Ministério Público, Tribunal de Contas e agentes da administração pública de modo geral. “É um texto cuidadoso, bem formulado”, afirmou.

Para procuradores e juízes, a sugestão de Janot permite a independência do trabalho dos agentes públicos ao evitar, por exemplo, que um juiz de primeira instância seja punido por condenar alguém que foi absolvido em instância superior. Pela medida, não configura crime a divergência de interpretação da lei ou do fato, a chamada “tipificação da hermenêutica”.

A proposta que tramita no Senado foi criticada por entidades ligadas ao Judiciário e ao Ministério Público, que acreditam que o projeto pode atrapalhar a condução de investigações.

 

Sugestões. O anteprojeto enviado por Janot também inclui dois novos crimes no âmbito da tipificação penal. Um deles é a “carteirada”, que é a utilização do cargo para se eximir do cumprimento de obrigação legal ou para obter vantagem. O outro é o uso abusivo dos meios de comunicação ou de redes sociais pela autoridade encarregada da investigação que antecipa a atribuição de culpa, antes de concluída a investigação e formalizada a acusação.

O projeto apresentado tipifica ainda a conduta de constranger o preso com o intuito de obter favor ou vantagem sexual, com o objetivo de exposição ou exibição pública ou aos meios de comunicação ou de produzir provas contra si mesmo.

“Nós do serviço público, que trabalhamos de forma responsável, nenhum de nós têm medo de uma lei de abuso de autoridade”, afirmou Janot. Ele disse ainda que a proposta de lei é moderna e abrange tanto abusos antigos, como a carteirada, como abusos atuais. “Essa lei não traz nem um traço de corporativismo”, declarou o procurador.

 

‘Limites’. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG) disse ontem ser favorável ao projeto sobre abuso de autoridade para todas as esferas de poder, e não apenas para magistrados e membros do Ministério Público.

“Todo aquele que detém algum tipo de autoridade deve ter limites para o exercício dessa autoridade”, afirmou.

O projeto de abuso de autoridade foi desengavetado por Renan Calheiros (PMDB-AL), então presidente do Senado, em julho do ano passado como uma retaliação aos pedidos do Ministério Público de busca e apreensão na casa de senadores e no Congresso. No entanto, não houve apoio na Casa.

O projeto tornou a ganhar força com os 83 pedido de abertura de inquéritos feitos por Janot no âmbito da Lava Jato com base nas delações da Odebrecht.

Renan é alvo da investigação.

Na semana passada, os parlamentares também aproveitaram as críticas à condução da Operação Carne Fraca para retomar o tema.

 

Congresso. Rodrigo Janot cumprimenta o presidente do Senado, Eunício Oliveira

 

Combate à corrupção

Rodrigo Janot pediu celeridade à apreciação do pacote das dez medidas de combate à corrupção. O presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), assinou o despacho, validando 1.741.721 de assinaturas da proposta.

 

PROPOSTAS

Interpretação

Projeto

Podem configurar crime de abuso de autoridade divergências de interpretações de uma lei ou de um fato – é o chamado “crime de hermenêutica”

Anteprojeto

Não tipifica tais divergências. Não configura abuso se um juiz de 1ª instância tomar decisão que não for mantida na 2ª instância

 

‘Carteirada’

Projeto

Prática – uso do cargo para obter vantagem – não está tipificada

Anteprojeto

Tipifica a famosa prática como crime

 

Exposição

Projeto

Prevê sanção a quem obrigar alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo

Anteprojeto

Tipifica a conduta de constranger o preso com o intuito de produzir provas contra si mesmo

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45088, 29/08/2017. Política, p. A6.