‘Todo cliente meu traz problema para o governo’

Mariana Sanches 

03/03/2017

 

 

Mariz usa argumento para descartar espaço em ministério, mas deve ser assessor especial de Temer

-SÃO PAULO- O presidente Michel Temer e o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira vêm tentando encontrar uma maneira de incorporar o advogado ao governo federal. No último mês, eles se encontraram quase semanalmente, em São Paulo, para discutir uma solução. Hoje, terão nova conversa. Mariz, que defende réus na Operação Lava-Jato, admite que, se ocupasse a chefia de algum ministério, fragilizaria a gestão.

— Eu não posso ser ministro. Faço uma advocacia criminal e, nesse momento de Lava-Jato, todo cliente meu acaba tendo algum envolvimento ou trazendo problemas para o governo — afirmou ontem ao GLOBO.

O provável é que Mariz passe a atuar como uma espécie de “assessor” do Planalto, sem um vínculo com o governo federal que o force a deixar seu escritório criminal.

— Quero dar pitacos em temas de sistema penitenciário e Segurança Pública e estamos estudando uma forma de eu contribuir — afirmou Mariz.

No começo da gestão Temer, há nove meses, o advogado chegou a ser o nome mais cotado para assumir o Ministério da Justiça, pasta responsável pela Polícia Federal. Sua posição crítica à Operação Lava-Jato e às práticas adotadas pela força-tarefa, como a delação premiada e as prisões preventivas de investigados, provocaram pressão pública suficiente para que o presidente desistisse da indicação.

AMIGO E CONSELHEIRO DE PRIMEIRA ORDEM

Na prática, no entanto, Mariz, amigo pessoal de Temer há mais de 40 anos, tem funcionado como um conselheiro de primeira ordem do governo. Participou da escolha do novo titular da Justiça, depois da saída de Alexandre de Moraes para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, e tem sido ouvido pelo presidente em momentos de crise como o atual, em que Eliseu Padilha, ministro licenciado da Casa Civil, é acusado de ser destinatário de propina paga pela empreiteira Odebrecht. O caso é investigado pela Procuradoria Geral da República no âmbito da Lava-Jato.

Se incorporado ao governo efetivamente, a função oficial de Mariz será a de ajudar na formulação de uma nova política comum para o sistema prisional.

O tema se tornou urgente no Planalto depois que, no começo do ano, uma série de rebeliões acabaram em carnificina no norte e nordeste do país. Embora a gestão dos presídios seja responsabilidade dos estados, Mariz defende que a União passe a interferir mais no assunto e ofereça diretrizes.

— Precisamos de medidas para a efetiva recuperação do preso, com um cumprimento de pena com dignidade — disse Mariz.

RESTRIÇÃO A PRISÕES PREVENTIVAS

O sistema prisional enfrenta um grave problema de superlotação. O advogado defende mudanças que esvaziariam as cadeias:

Prisões preventivas só poderiam ser feitas quando fosse absolutamente necessário — disse Mariz, reforçando críticas que já fez à LavaJato, por prender pessoas que não ofereceriam riscos à sociedade nem dariam indícios de planejar fugas.

Para Mariz, o governo federal deveria incentivar a criação de uma assessoria jurídica em cada presídio, que se responsabilizasse por revisar os processos de seus encarcerados.

— Temos que liberar quem já cumpriu a sentença e ajudar presos com pena parcialmente cumprida a progredirem de regime. A defensoria pública não dá conta da demanda, estamos encarcerando em massa, há muitas necessidades nos presídios e são as facções criminosas que têm suprido essas necessidades.

Mariz é conhecido como exímio jurista, com atividade há mais de 45 anos. Entre suas façanhas, está inocentar uma das rés do mensalão, no Supremo Tribunal Federal. Na Lava-Jato, entre seus principais clientes esteve Eduardo Leite, vice-presidente da empreiteira Camargo Correa. Mariz deixou a defesa quando o executivo decidiu fazer delação premiada.

 

O globo, n. 30524, 03/03/2017. País, p. 5