No Itamaraty, Aloysio quer pauta econômica 

Eduardo Barretto, Simone Iglesias e Cristiane Jungblut 

03/03/2017

 

 

Novo chanceler, no entanto, pode ter problemas com governo de Donald Trump, a quem fez duras críticas

-BRASÍLIA- Indicado pelo PSDB para suceder José Serra, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDBSP), líder do governo no Senado, foi anunciado ontem como o novo ministro das Relações Exteriores. Com o anúncio, Temer definiu o último ministério ainda vago no governo. Na semana passada, o presidente escolheu o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) para a Justiça. Em sua primeira manifestação, o futuro chanceler anunciou que pretende ter atuação destacada na área de direitos humanos e que deseja dar nova vida ao Mercosul, aproximando o bloco da Aliança Para o Pacífico e da União Europeia.

— O Brasil tem influência na política internacional a partir dos valores que são próprios do povo brasileiro, que são inscritos na Constituição: a defesa da paz, da Justiça, do meio ambiente, dos direitos humanos. O Brasil, em todos esse temas, tem muitas coisas importantes a dizer — disse Aloysio.

Por meio do porta-voz, Alexandre Parola, o presidente Michel Temer afirmou que o tucano “tem uma longa trajetória de engajamento nas causas da diplomacia brasileira e na agenda internacional do Brasil”. Em video divulgado nas redes sociais, Aloysio disse o comando do Itamaraty é um cargo “muito honroso”. — Espero não decepcioná-los nessa nova incumbência que assumo. Penso que a política externa, nesse momento em que o Brasil começa a sair de uma crise profunda, pode dar uma grande contribuição, especialmente na área econômica — disse Aloysio.

SERRA: NÃO VAI MUDAR NADA COM BOLIVARIANOS

O novo chanceler, no entanto, assume com um retrospecto que pode ser obstáculo na sempre sensível e fundamental relação com os Estados Unidos. Ele escreveu, um dia após as últimas eleições americanas, que Donald Trump era “o Partido Republicano de porre”. A afirmação foi feita no twitter do senador no dia 9 de novembro.

“Trump é o Partido Republicano de porre. É o que há de pior, de mais incontrolado, de mais exacerbado entre os integrantes de seu partido”, disse Aloysio Nunes. “Agora é observar como é que ele se comporta na Presidência dos Estados Unidos”.

Em dezembro, como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, o senador solicitou uma audiência pública para discutir os impactos no Brasil e no mundo da eleição de Donald Trump.

“A eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos traz incertezas para o cenário internacional e impactos para o Brasil”, justificou o senador tucano em seu requerimento para a reunião.

Logo após o anúncio, o ex-chanceler José Serra reuniu-se com Aloysio durante duas horas e meia. Serra falou da política externa do governo Michel Temer, principalmente da abertura comercial e do esfriamento da relação com os chamados países bolivarianos, que marcou os governos Lula e Dilma Rousseff.

Serra afastou o Itamaraty dos países considerados autoritários na América Latina, como Venezuela e Cuba, e aproximou a chancelaria brasileira de Argentina e Colômbia. Como chanceler, Serra liderou um movimento para impedir que a Venezuela ocupasse a presidência do Mercosul em função do recrudescimento da violação de regras democráticas do governo Nicolás Maduro.

— Não vai mudar nada. O Aloysio, como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, foi o arquiteto daquela viagem de senadores da oposição à Venezuela, quando todos ficaram presos dentro de um ônibus no aeroporto, sem poder cumprir a agenda de visita aos presos políticos de Maduro. O Aloysio é um cara de altíssimo nível. Achei uma ótima solução — disse Serra, após o encontro com o futuro ministro das Relações Exteriores.

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Desejo antigo

Cristiane Jungblut 

03/03/2017

 

 

Tucano, que não queria voltar ao Ministério da Justiça, nunca escondeu a satisfação em participar dos debates da diplomacia

Ex-ministro da Justiça no governo de FH, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) brincava na semana passada que não tinha interesse em voltar ao cargo, quando a bolsa de apostas estava aberta, antes da escolha de Osmar Serraglio (PMDB-PR). Chegou a brincar: não queria mais ninguém “mandando nele’’. Mas a resposta mudou quando se tratou de comandar o Itamaraty. Aloysio nunca escondeu sua satisfação em ter comandado a Comissão de Relações Exteriores do Senado, no biênio 2015-2016.

Ontem, Aloysio conversou com o presidente Michel Temer. Somente depois do convite feito, esteve com o senador José Serra, que deixou o cargo por motivo de doença.

A atuação de Aloysio na comissão do Senado e sua proximidade com diplomatas foi fundamental para a escolha, com aprovação do corpo diplomático, segundo interlocutores do Planalto.

O temperamento forte também é visto como uma virtude em fazer a política externa ter mais vigor. Em 2015, no comando da CRE, o tucano se envolveu diretamente na crise na Venezuela, tendo participado da missão que foi àquele país.

O tucano é muito ligado ao seu antecessor, José Serra (PSDB-SP). Na prática, o presidente Michel Temer trocou um tucano por outro, de perfis parecidos.

O trabalho na Comissão de Relações Exteriores do Senado abriu caminhos para que o corpo diplomático aceitasse bem seu nome. Em várias ocasiões, deu declarações fortes contra a gestão do PT no Itamaraty.

Aloysio foi ministro de duas Pastas do governo Fernando Henrique: Justiça e Secretaria Geral da Presidência. Foi ainda secretário estadual de Transportes Metropolitanos, secretário de Governo do município de São Paulo e secretário-chefe da Casa Civil do governo do estado de São Paulo. Além de muito próximo a Serra, Aloysio também é grande amigo de Fernando Henrique.

 

O globo, n. 30524, 03/03/2017. País, p. 6