Governo deve retomar conscientização contra a Aids

03/03/2017

 

 

No carnaval, um comercial de televisão contrastou com o clima de alegria, ao apresentar dados sombrios: o número de pessoas infectadas pelo vírus HIV cresce ano a ano no país, especialmente entre a população jovem. De fato, em entrevista ao GLOBO, a infectologista da Fiocruz Brenda Hoagland, coordenadora no Brasil de estudo para uma possível produção de vacina, afirmou que foram registrados 44 mil novas ocorrências em 2015 (de acordo com o Ministério da Saúde, foram cerca de 40 mil casos anuais nos últimos anos). A pesquisadora da Fiocruz disse ainda que o Brasil responde por 40% dos novos casos de HIV na América Latina.

Segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados em dezembro de 2016, há hoje 827 mil pessoas infectadas no Brasil. Desses, 112 mil desconhecem o diagnóstico, 260 mil sabem do seu estado mas não iniciaram o tratamento, e outros 455 mil estão em tratamento. Entre os jovens, apenas 57% encontram-se sob atendimento. São números preocupantes sobretudo porque representam uma inversão de tendência, uma vez que o número de infecções há alguns anos caía sistematicamente.

Entre as formas de infecção, a sexual continua predominando. Dados recentes compilados em boletins epidemiológicos sugerem que não se trata de desinformação em relação às formas de prevenção. A população conhece os riscos e os meios de evitá-los.

Mas expõe-se, supondo que a infecção é hoje administrável, graças ao desenvolvimento do coquetel de drogas, o que rebaixaria o HIV à condição de uma infecção crônica e não mais uma sentença de morte. As implicações dessa inferência na elevação do risco de contaminação e propagação do vírus são gravíssimas e exigem uma reação.

O governo acertou ao lembrar aos foliões, durante o carnaval, sobre a ameaça crescente da infecção, mas a iniciativa é insuficiente. Corre-se até mesmo o risco de que ela se torne um desperdício de investimento, caso não tenha continuidade. Apesar da escassez de recursos e da necessidade de corte de gastos gerada pela crise econômica, é preciso que a campanha vá além da efeméride momesca, voltando a ficar entre as prioridades das políticas de saúde pública no Brasil.

A informação continua aliada importante nesta guerra. É necessário alertar para os riscos da infecção e propagação do HIV no país, e inclusive superar resistências religiosas, estimulando o uso de seringas descartáveis e de camisinha nas relações sexuais. Mas, diante da situação atual, é essencial que um novo enfoque seja adotado, desconstruindo o raciocínio de que os coquetéis de drogas tornaram o HIV/Aids uma infecção tratável.

O custo de ações preventivas como estas será bem menor do que aquele relacionado ao tratamento contínuo de pessoas infectadas. Sem falar no drama humano.

 

O globo, n. 30524, 03/03/2017. Editoriais, p. 14