Ofensiva pelo FGTS 

Gabriela Valente 

03/03/2017

 

 

Caixa oferece abertura de conta e procura quem tem valores altos a receber; investida gera polêmica

BRASÍLIA E RIO- Em uma estratégia para tentar ganhar espaço sobre os bancos privados, a Caixa Econômica Federal foca em mais de um milhão de pessoas com direito de sacar altas quantias de contas inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, a ofensiva da instituição prevê entrar em contato com trabalhadores que têm valores altos a receber, de R$ 20 mil a R$ 1 milhão, além de oferecer a abertura de conta para todos que ainda não são correntistas.

Esse procedimento, em princípio, não conta com a aprovação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça. Procurado, o órgão informou, em nota, que cabe ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tratar de temas concorrenciais, mas avaliou que a Caixa não deveria usar dados cadastrais sem consentimento dos clientes: “Entendemos que a CEF não pode se utilizar, sem o prévio consentimento, dos dados cadastrais para oferecer produtos”.

Já o Cade afirmou que não vê problemas na estratégia: “A atuação da instituição não fere o direito da concorrência por ela usar de um banco de dados que dispõe”.

ACESSO A DADOS DOS BENEFICIÁRIOS

Mesmo sem ser correntista ou ter caderneta de poupança, quem tem conta do FGTS ou é beneficiário de programas como o Bolsa Família também é considerado “cliente” pela Caixa. Isso significa que o banco tem os dados da pessoa, inclusive o telefone celular. Para ter acesso ao saldo das contas inativas, por exemplo, os clientes preenchem um cadastro com o número de telefone. Com esses dados em mãos, os gerentes da Caixa contatam facilmente os beneficiários das contas mais altas.

Mesmo polêmica dentro do governo, a estratégia começa a dar resultados. No primeiro sábado em que as agências funcionaram apenas para atender pessoas com contas inativas, foram abertas 1.915 cadernetas de poupança e 231 contas correntes. Para integrantes da instituição, esse montante pode ser considerado um sucesso, uma vez que ainda falta bastante tempo para o resgate do dinheiro do Fundo.

Segundo a Caixa, há 18,6 milhões de contas inativas no FGTS, um saldo de R$ 41 bilhões. Do total de pessoas que têm contas inativas, 9,9 milhões já possuem poupança na Caixa e 2,4 milhões, conta corrente. Alguns beneficiários, no entanto, podem ter os dois.

Para quem já tem conta corrente na Caixa, a ordem é segurar o investimento na instituição, oferecendo de caderneta de poupança a aplicações mais rentáveis. Fontes da instituição acreditam, porém, que é possível ganhar espaço no mercado, porque o movimento nas agências do banco começará a aumentar este mês, quando os saldos serão liberados, a partir do dia 10, para pessoas que fazem aniversário em janeiro e fevereiro.

— Há um milhão de clientes com valores altos, de R$ 20 mil a até R$ 1 milhão. Para essas pessoas, temos uma abordagem — disse uma fonte da instituição, sob a condição de anonimato.

Um dos argumentos da Caixa para atrair novos clientes é a comodidade de não precisar enfrentar filas quando os saques forem liberados. Com uma conta ou uma poupança do banco, o dinheiro será creditado automaticamente. Por isso, os funcionários ofertam a abertura de conta para todos que ainda não são correntistas.

Cada agência da Caixa tem sua linha de corte do saldo que quer atrair. Nas maiores cidades, a ideia é dar preferência a contas acima de R$ 20 mil. Já em municípios menores, os gerentes podem ligar para clientes com saldo, por exemplo, de R$ 5 mil. A ordem é procurar dos maiores para os menores.

— É uma abordagem por cliente: abra conta, receba o cartão em 15 dias e transfira tudo. Não precisa ir na muvuca — comentou uma fonte ouvida pelo GLOBO. — É um trabalho diferenciado que está sendo feito.

No primeiro sábado em que as agências abriram para tirar dúvidas, muitos trabalhadores estavam com dificuldade de encontrar suas contas inativas do FGTS. Sheila Pereira dos Santos, encarregada de higiene, e a comerciante Bianca Magalhães Lima se depararam com o mesmo problema na hora que fizeram a consulta pela internet: informações desencontradas. Bianca contou que, das dez contas inativas que tem, apenas duas apareciam no site, enquanto o aplicativo indicava os saldos completos. Já Sheila, que tem duas contas, só conseguiu verificar uma delas ao retirar um extrato no caixa eletrônico do banco.

— Só apareceram duas para mim no site. O aplicativo está completo; o site, incompleto. É uma divergência de sistema, e eu tenho que seguir o mais completo — comentou Bianca, que pretende usar o saldo para pagar parte de suas contas. — Vim logo no primeiro sábado porque esta é a “dúvida do momento”. E durante a semana não dá. Se tivesse domingo e feriado, eu também viria.

 

O globo, n. 30524, 03/03/2017. Economia, p. 17