'Amigo' em planilha da propina é Lula, diz delator 

Jailton de Carvalho e Simone Iglesias 

08/03/2017

 

 

Hilberto Mascarenhas afirma que pagamentos ilegais da Odebrecht somaram US$ 3,4 bi, em oito anos

-BRASÍLIA- O executivo Hilberto Mascarenhas disse que o Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, o chamado banco da propina da empreiteira, movimentou US$ 3,4 bilhões entre 2006 e 2014 para abastecer caixa 2 de campanhas eleitorais no Brasil e pagar propinas no país e no exterior. O executivo disse ainda que desse total, aproximadamente US$ 500 milhões foram despejados em acertos com políticos no Brasil, segundo disse ao GLOBO uma fonte vinculada ao caso.

Em depoimento ao ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral, Mascarenhas citou que, entre os nomes listados em planilha de pagamentos da Odebrecht, a indicação “amigo” se referia ao ex-presidente Lula. Mascarenhas fez as declarações na noite de segunda-feira. Ele foi interrogado numa ação que pode resultar na cassação da chapa da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e do presidente Michel Temer (PMDB). Ele fez a revelação quando explicava a quem e como eram repassados recursos de propina a políticos e partidos. Ao dizer que não lembrava o codinome de todos os políticos listados nas planilhas, Hilberto observou que Lula era chamado de amigo pela relação próxima com Emílio Odebrecht, pai de Marcelo.

O executivo disse que o volume de desembolso para pagamentos supostamente ilegais cresceram ao longo do segundo mandato do ex-presidente Lula e do primeiro governo da ex-presidente Dilma. Foram pagamentos da ordem US$ 60 milhões, em 2006; de US$ 80 milhões, em 2007; de US$ 120 milhões, em 2008; e de US$ 260 milhões, em 2009. Ainda em escalada, o setor liberou mais US$ 420 milhões, em 2010, US$ 520 milhões, em 2011; US$ 730 milhões, em 2012. Em 2013, nada menos que US$ 750 milhões. Em 2014, em pleno curso da Operação Lava-Jato, o departamento fez pagamentos de mais US$ 450 milhões.

TEMER: APOIO FINANCEIRO

O ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho, que também prestou depoimento, confirmou que participou de um jantar com o presidente Michel Temer, em 2014, no qual o peemedebista pediu apoio financeiro às campanhas do partido nas eleições daquele ano. Em sua oitava, que durou cerca de 40 minutos, o ex-executivo disse que o encontro ocorreu no Palácio do Jaburu. Além dele e de Temer, participaram o então presidente da empreiteira, Marcelo Odebrecht, o ministro Eliseu Padilha, entre outros peemedebistas. A assessoria da Presidência da República afirmou que o presidente não tratou de valores com ninguém durante o jantar. Temer informou ontem à noite que Padilha volta ao governo dentro de uma semana.

Em nota, Lula disse que já teve seus sigilos fiscais e telefônicos quebrados, foi alvo de busca e apreensão e 68 testemunhas foram ouvidas “e não foi encontrado nenhum recurso indevido”. “Lula jamais solicitou qualquer recurso indevido para a Odebrecht ou qualquer outra empresa. O ex-presidente jamais teve o apelido de “amigo”, informou a nota.

O codinome “Amigo”, que consta na planilha da Odebrecht, é dono de um saldo de 23.000, que corresponderia a R$ 23 milhões na contabilidade paralela da empreiteira. Deste total, R$ 8 milhões teriam sido pagos entre novembro de 2012 e setembro de 2013, restando ainda na planilha R$ 15 milhões de saldo.

Anteontem, “Italiano” foi identificado por Fernando Barbosa, executivo da Odebrecht, como sendo o ex-ministro Antonio Palocci. A defesa de Palocci nega. Na semana passada, em depoimento ao TSE, Marcelo Odebrecht teria confirmado também que “pós-Itália” era o ex-ministro Guido Mantega. O empresário teria dito que, juntos, Itália e pos-Itália teriam recebido R$ 300 milhões.

3,4 bi

É o valor, em dólares, que ex-executivo afirmou ter sido pago entre 2006 e 2014, em propinas. Convertido ao real, equivale ao déficit da Previdência em janeiro, que fechou em R$ 10 bilhões.

Meio bi

É o valor, em dólares, que diz ter sido destinado apenas para pagamento a políticos brasileiros.

23 milhões

É o valor, em reais, atribuído na planilha da Odebrecht ao codinome “amigo”, que, segundo o delator, seria o ex-presidente Lula.
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Contradições levam Benjamin a determinar acareação entre Odebrecht e ex-executivos

08/03/2017
 
 
Para defesa de Temer, inconsistências devem ser esclarecidas; encontro será na sexta

-BRASÍLIA- O ministro Herman Benjamin, relator das ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que podem levar à cassação do mandato do presidente Michel Temer, determinou que seja feita uma acareação entre três ex-executivos da Odebrecht: Marcelo Odebrecht, Hilberto Mascarenhas e Cláudio Melo Filho. Eles já prestaram depoimentos, mas agora estarão juntos na mesma audiência, marcada para as 16h da próxima sexta-feira.

Para a defesa de Temer, haveria contradições nos depoimentos. Na semana passada, Marcelo Odebrecht, que está preso em Curitiba em razão da Operação Lava-Jato, afirmou que 80% do doado à campanha foi caixa 2. Ele também disse que não tratou de valores de doações ou propina com Temer. Segundo ele, a negociação com o PMDB foi feita por meio do ministro licenciado da Casa Civil, Eliseu Padilha. Marcelo Odebrecht teria dito que foi ele quem definiu o valor de R$ 10 milhões para o PMDB. Já Cláudio Melo filho teria dito que a cifra fora definida em conversa com o ministro Eliseu Padilha.

PEDIDO DE PROVAS A MORO

Hilberto Mascarenhas e Cláudio Melo Filho prestaram depoimento na última segunda-feira, no próprio TSE. Ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Melo Filho confirmou que participou de um jantar com Temer, em 2014, no qual o peemedebista pediu à construtora apoio financeiro para as campanhas do partido nas eleições daquele ano. Mas também disse que Temer usou a expressão “apoio financeiro" e que não foi definido diretamente com ele quanto seria repassado.

O ministro Herman Benjamin também solicitou que o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, compartilhe provas que estão em seu poder. Moro é o responsável pelas ações criminais da Operação Lava-Jato. O relator também determinou que os advogados de executivos e exexecutivos da Odebrecht apresentem provas que corroborem os depoimentos prestados por eles ao longo dos últimos dias. As medidas poderão atrasar ainda mais a conclusão do julgamento no TSE.

As ações foram apresentadas pelo PSDB, que pediu a cassação da chapa vencedora da eleição de 2014 e foram ajuizadas quando Dilma Rousseff ainda era presidente. Como ela sofreu o impeachment no ano passado, o julgamento no TSE poderá resultar no afastamento de Temer do poder. Ironicamente, o PSDB é o principal aliado do presidente hoje.

Herman Benjamin determinou também que os advogados dos executivos e exexecutivos da Odebrecht juntem nos autos “todos os dados de corroboração, de natureza documental, que lastreiem o depoimento prestado perante esta Justiça Eleitoral, no que diz respeito, especificadamente, ao objeto da presente Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitora), que é a eventual ocorrência de abuso de poder político e econômico na campanha da chapa Dilma-Temer em 2014”. Como as delações da Odebrecht estão sob sigilo, o acesso aos documentos também será restrito às partes e ao Ministério Público.

Herman Benjamin diz que quer julgar o caso até abril, antes de mudanças na composição no TSE. Mas seus colegas acham difícil concluir até lá. O próprio ministro fica no tribunal até outubro, mas poderá ser reconduzido ao cargo. Uma possibilidade estudada por aliados de Temer é estender o processo até 2018, quando termina seu mandato. É possível que, numa eventual condenação, Temer perca apenas alguns meses de mandato.

 

O globo, n. 30529, 08/03/2017. País, p. 4