Deltan: debate sobre caixa 2 tenta ‘anistiar corrupção’

André Souza

Gustavo Schmitt

15/03/2017

 

 

Marco Aurélio Mello se diz ‘perplexo’ com uso da Justiça Eleitoral como lavanderia

 Em meio à tensão antes do vazamento da lista de pedidos de inquéritos baseados nas delações da Odebrecht e entre as articulações por uma reforma política e mudanças nas regras de financiamento eleitoral, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, reagiu. Para o procurador da República, a discussão no Congresso para anistiar a prática de caixa 2 é uma cortina de fumaça para acabar com a Operação Lava-Jato. Em entrevista à “GloboNews”, na tarde de ontem, Dallagnol afirmou que congressistas querem o perdão para crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, por sua vez, se disse “perplexo” com o uso da Justiça Eleitoral como “lavanderia”.

Dallagnol lembrou que, até agora, não há políticos condenados na operação por caixa 2.

— Isso é um falso debate. Eles (se referindo aos parlamentares) introduzem um debate de anistia ao caixa 2. Mas qual seria o interesse de anistiar um crime se ninguém é condenado? A consequência no Brasil do crime de caixa 2 é nenhuma. Esse debate apenas é uma roupagem para anistiar a corrupção — disse Dallagnol.

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MARCO AURÉLIO: CASO RAUPP FOI “EMBRIONÁRIO”

O procurador defendeu ainda o endurecimento da legislação para punir o chamado caixa 2. Ele lembrou que o projeto de lei das 10 medidas contra a corrupção, de autoria do Ministério Público Federal (MPF), criminaliza a prática, com pena de até cinco anos de reclusão. Pela lei atual, não há um artigo específico sobre o crime de caixa 2. Porém, a punição pode vir por meio de outros artigos da Lei Eleitoral, sendo enquadrado, por exemplo, como abuso de poder econômico ou falsidade ideológica eleitoral (cuja pena pode chegar a cinco anos de prisão).

A Lava-Jato também quer, no projeto, responsabilizar partidos políticos em relação à contabilidade paralela (o caixa 2). Hoje, apenas os dirigentes respondem por eventuais crimes cometidos em benefício da legenda como pessoas físicas.

— O caixa 2 é, sim, nocivo. O dinheiro não é declarado porque é fruto de corrupção ou porque é usado para compra de votos. Caso contrário, não haveria razão para que o dinheiro não fosse declarado. Hoje, não se prevê um crime de caixa 2 consistente — disse Dallagnol.

Já o ministro do STF Marco Aurélio Mello falou sobre o pagamento de propina por meio de doações de campanha. Na semana passada, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que não inclui Marco Aurélio, aceitou denúncia e tornou réu o senador Valdir Raupp (PMDBRO). Ele é suspeito de ter recebido recursos desviados da Petrobras na campanha ao Senado em 2010. Os valores, possivelmente oriundos de propina, foram declarados à Justiça Eleitoral.

— Estou perplexo com os indícios de corrupção e de transformação da Justiça Eleitoral em lavanderia. Agora temos que apreciar caso a caso — disse Marco Aurélio Mello.

O ministro do STF elogiou o julgamento da semana passada, destacando, no entanto, que o processo ainda está longe do fim.

— Foi importantíssimo, um divisor de águas. Um julgamento embora embrionário quanto ao processo crime, mas que realmente implicou avanço — analisou o ministro.

Marco Aurélio Mello também afirmou que caixa 2 e corrupção são delitos diferentes, mas ambos são crimes. Assim, a prática ilegal deve ser punida, sim, com pena de até cinco anos, conforme estabelecido na legislação.

— Caixa 2, se não houver prestação de contas, é crime — afirmou Marco Aurélio.

Na semana passada, o ministro Gilmar Mendes disse que o caixa 2 de campanha precisa ser “desmistificado”. Segundo ele, há a doação não declarada que não teria outros vícios e a não declarada oriunda de propina. Seria preciso diferenciar as duas coisas. Ontem, Gilmar disse que isso não significa deixar de punir o caixa 2, mas argumentou que a gradação das penas deve ser diferente.

O globo, n.30536 , 15/03/2017. País, p.8