Uma cidade tomada pelo medo

Renan Rodrigues

15/03/2017

 

 

Vacinação é ampliada em Casimiro de Abreu, que registrou morte suspeita de febre amarela

Com uma rotina típica de cidade do interior, Casimiro de Abreu, batizada com o nome do poeta romântico do século 19, deixou de lado, nos últimos dias, o clima pacato que marca o dia a dia da região e entrou em polvorosa. No município de pouco mais de 41 mil habitantes, a suspeita de que um morador tenha morrido, no último sábado, em decorrência da febre amarela, domina as conversas e tem deixado a população apreensiva. O caso, que está sendo investigado pelas autoridades de saúde, pode ser o primeiro óbito provocado pela doença registrado em todo o Estado do Rio, que tem ainda outras 37 notificações suspeitas em análise. Na Praça Feliciano Sodré, a principal da cidade, o burburinho ontem era todo em torno do pedreiro Watila Santos, de 38 anos, que morreu poucas horas após dar entrada, no fim de semana, no Hospital Municipal Ângela Maria Simões Menezes, com febre, dor de cabeça, taquicardia, falta de ar e dores no corpo. Ele não havia viajado para áreas com surto da doença.

— Ficamos preocupados principalmente porque não sabemos o que é exatamente. A dúvida é pior. Uma notícia como essa assusta as pessoas. A cidade é pequena, todo mundo se conhece. Só tem esse assunto nas redes sociais de quem mora aqui. A cidade está bastante assustada. Eu, por exemplo, quero me vacinar assim que puder — afirma Wendell Sevilla, de 23 anos, jornaleiro da praça.

Ontem, cerca de 80 pessoas foram ao Posto de Saúde Dr. Manoel Marques Monteiro, principal do município, em busca de informações sobre como se imunizar contra a febre amarela. Entre as pessoas com medo da doença estava a empregada doméstica Lurdes Rodrigues:

— Está assustador. Estou com medo. Eu já teria tomado a vacina, se pudesse. Vim aqui saber justamente se já teremos vacina amanhã. Quero trazer a minha neta de 4 anos também — afirmou a moradora, de 46 anos.

Vilani Paula da Silva, atendente em uma lanchonete de posto de combustível, também estava aflita:

— Se não tiver vacina, eu faço um barraco. Se há um caso suspeito, é obrigação ter vacina.

Lurdes e Vilani deixaram o posto, sem conseguirem ser vacinadas. Somente os moradores que iriam viajar para áreas com casos comprovados da doença — cerca de 30 — saíram do posto imunizados. A situação deverá começar a mudar a partir de hoje, quando a campanha será ampliada. A prefeitura de Casimiro de Abreu começará uma ação de vacinação nas 12 unidades de saúde básica que integram o programa Estratégia Saúde das Famílias (ESF). O município dispõe atualmente de 20 mil doses, suficientes para imunizar quase metade da população. Cinco mil foram enviadas pelo governo estadual na noite de segunda-feira e outras 15 mil doses, ontem.

— De amanhã (hoje) até o dia 22 serão imunizadas as crianças de 9 meses até os 15 anos. Depois, do dia 23 até o dia 5 de abril, pessoas entre 15 e 60 anos. É importante que a população fique tranquila. Não é uma campanha de vacinação, mas uma ação de imunização. Não faltará vacina. Temos uma capacidade de armazenamento. Vamos receber outros lotes conforme a imunização for acontecendo — disse o secretário municipal de Saúde de Casimiro de Abreu, Ibson Júnior.

Além da vacinação nos postos de saúde, equipes da prefeitura vão percorrer as áreas de difícil acesso da zona rural do município. É numa delas, distante 7,3 quilômetros do centro da cidade, que morava Watila, com a mulher, Mariana da Conceição, e os quatro filhos do casal, com idades entre 6 e 12 anos. A reportagem do GLOBO localizou parentes do pedreiro, que contaram que o drama continua. Depois da morte dele, Mariana foi internada no hospital da cidade com dor de cabeça. Ela tem o quadro estável e está sendo acompanhada. Abalada com a morte do marido, ela tem dificuldade para se alimentar. O tio de Watila, Joaquim de Oliveira Santos, de 45 anos, também está hospitalizado. Ontem, a prefeitura de Casimiro de Abreu informou que um segundo exame confirmou que Joaquim tem dengue, doença já descartada no caso de Watila.

— Minha preocupação são as crianças — desabafa Camila Oliveira da Silva, de 27 anos, cunhada de Watila.

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VÍTIMA PROCUROU AJUDA TRÊS VEZES

A preocupação não é à toa. O pedreiro morava com a família, composta por cerca de 30 pessoas, incluindo crianças, num terreno na localidade conhecida como Córrego da Luz. As sete casas do local são humildes, num chão de terra batida. A região, dizem os moradores, é infestada de mosquitos. A prefeitura garante que agentes fizeram no local uma nova varredura com larvicida anteontem para eliminar possíveis focos do mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue e também da febre amarela.

Segundo Camila, o atestado de óbito de Watila menciona apenas “insuficiência respiratória".

— A gente quer saber a causa definitiva. Nos deram o documento que só diz que a causa da morte foi insuficiência respiratória. Tem muito mosquito aqui. Estamos passando repelente, especialmente nas crianças.

Camila conta que Watila procurou ajuda três vezes na última semana:

— Ele foi ao hospital três vezes. Deu entrada na terça-feira com falta de ar. Os médicos disseram que era sinusite. Na quinta-feira, ele voltou a passar mal, também com falta de ar, mas mandaram ele voltar para casa dizendo que era uma virose. Na sexta, ele estava muito mal, vomitando e foi levado para o hospital pela terceira vez pelo Corpo de Bombeiros.

O globo, n.30536 , 15/03/2017. Rio, p.14