As altas taxas de juros e mudanças necessárias

Roberto Castello Branco

21/02/2017

 

 

As taxas de juros reais no Brasil são estruturalmente elevadas, o que alguns fatores de natureza macro e microeconômica podem ajudar a entender.

Somos o único entre os 27 países que adotam o regime de metas de inflação cujo banco central não possui autonomia para operacionalizar a política monetária nem mandatos fixos para seus diretores. Isso produz risco de politização da política monetária, causando a exigência de prêmio pelo mercado.

A materialização desse risco durante o governo passado teve, entre outras consequências, a prolongada manutenção da Selic em alto patamar em termos reais até que se produzisse mudança de expectativas e início de tendência declinante da inflação.

(...)

O financiamento de gastos públicos crescentes desde os anos 90 tem sugado considerável volume de recursos reais do setor privado via impostos, dívida pública e inflação, o que naturalmente resulta em taxas de juros reais mais altas. Impostos e recolhimentos compulsórios sobre depósitos bancários aumentam o custo de emprestar, que é repassado aos tomadores.

O mercado de crédito brasileiro possui uma verdadeira "jabuticaba", o crédito direcionado, responsável pela formação de um mercado dual. A metade do estoque de crédito bancário tem as taxas de juros determinadas pelo governo e em níveis inferiores aos custos da dívida pública. É a famosa "meia entrada", como batizou Marcos Lisboa, e ela não é um "free lunch", alguém tem que pagar.

O crédito direcionado bloqueia parcialmente um dos principais canais de transmissão da política monetária para a atividade econômica, o custo do crédito. Quando o BC aumenta a Selic, o impulso não se propaga integralmente para a economia porque as taxas de juros do crédito direcionado não se alteram. Tal como artéria entupida que demanda mais esforço do coração, a "jabuticaba" exige que o BC trabalhe com juros mais elevados do que seriam na ausência dessa distorção para induzir a convergência das expectativas de inflação para a meta desejada.

A obrigatoriedade dos bancos de ofertar crédito a taxas abaixo das de mercado atua como taxação implícita sobre os spreads. Esta é repassada aos tomadores de crédito no segmento livre, mecanismo que funciona como subsídio cruzado em que estes últimos financiam os custos do crédito direcionado. Adicionalmente, o diferencial entre a taxa de captação do Tesouro Nacional e a do crédito para o tomador é bancado pela sociedade.

A intervenção do Estado no mercado bancário via oferta de crédito de longo prazo a taxas subsidiadas dificulta o desenvolvimento do mercado de capitais doméstico, diminuindo a competição com os bancos. A evidência empírica internacional sugere que mercados de capitais menos desenvolvidos contribuem para fortalecer o poder de mercado dos bancos.

Outro fator muito importante é o prêmio de risco nas taxas de juros do crédito resultante da inadimplência. A estratosférica taxa de 485% ao ano cobrada no crédito rotativo para dívidas de cartão de crédito, agora limitado a 30 dias, tem como origem inadimplência de 30-35% nos últimos cinco anos. De acordo com o BC, 53,5% do spread bancário médio no Brasil no período 2011-2016 corresponde à inadimplência.

Para a redução estrutural das taxas de juros reais são necessárias mudanças estruturais e regulatórias. O BC já trabalha ativamente numa agenda de medidas destinadas a reduzir a inadimplência e custos administrativos e estimular a concorrência.

A Lei de Recuperação e Falências de 2005 foi inegavelmente um avanço, subindo o percentual de recuperação de ativos e encurtando o tempo de encerramento de falências, o que se refletiu na oferta de crédito. Entretanto, seu aprimoramento se impõe, ainda estamos distantes da situação que poderia ser considerada boa.

A modernização do status do BC, concedendo-lhe autonomia para conduzir a política monetária e mandatos fixos para diretores, é imprescindível.

A promoção de taxas de juros reais mais baixas é outra razão para a reforma da previdência social, assim como para o corte de gastos públicos em termos permanentes. A redução da demanda do Estado por recursos reais da sociedade é fundamental.

Estimativas indicam que o custo do direcionamento de crédito corresponde a uma parte relevante do custo do crédito livre. Portanto, é essencial diminuir significativamente a oferta de crédito subsidiado para que se amplie o mercado de crédito livre.

Várias implicações positivas podem ser obtidas, além evidentemente de menores custos do crédito: 1- aumento da potência da política monetária; 2- redução de gastos públicos com subsídios; 3- ampliação do espaço para o mercado de capitais doméstico e maior competição com o crédito bancário; 4- melhor alocação de recursos na economia com impacto favorável sobre a produtividade agregada e o crescimento econômico no longo prazo.

Enquanto o mercado de capitais pode se tornar uma alternativa mais efetiva ao sistema bancário, a digitalização financeira corta custos e tem o potencial de tornar mais vigorosa a competição dentro do mercado de crédito.

A era das grandes redes de agências bancárias deverá chegar ao fim. O Banco Mundial prevê que em 10 anos os bancos americanos e europeus terão entre 50 a 60% das agências de meados da década passada.

As fintechs se expandem no mundo, em particular na China, onde as maiores se equiparam aos grandes bancos em número de clientes. No Brasil se encontram em estágio inicial de desenvolvimento, porém em rápida evolução. Por seu turno, os bancos se preparam ativamente para a digitalização e contam com a vantagem da escala.

A queda permanente de taxas de juros reais não é trivial nem possível de execução a curto prazo por meio de atalhos fáceis. Requer esforço coordenado em várias áreas e provavelmente alguns anos, mas o retorno é elevado - mercados financeiros mais eficientes são essenciais para o desenvolvimento econômico.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4200, 21/02/2017. Opinião, p. A12.