Celebridades do mal

 
Nelson Lemos
08/03/2017
 
 

Prisões de políticos e empresários, resultantes de fortes indícios reunidos pela Polícia Federal e confirmados pela Justiça, têm sido feitas pela Operação Lava-Jato com grande aparato policial, e sempre com intensa cobertura da mídia. Mas essa forma de agir tem provocado críticas contundentes de parlamentares, advogados e formadores de opinião, sendo que a última partiu do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. Segundo ele, as prisões se transformaram em “espetacularização” ou “ação-espetáculo”, quando “vão pegar um sujeito em um apartamento, e aparece gente com metralhadora”.

O que faria a direção do Flamengo, se tivesse de comunicar aos seus torcedores a contratação de Neymar? E se o Corinthians comprasse do Barcelona o passe de Lionel Messi? Como são celebridades do bem, certamente seria organizada uma grande festa popular, sem necessidade de cercar a apresentação deles no Brasil com policiais portando metralhadoras.

E por que idêntico tratamento não foi dado a Eduardo Cunha, Antonio Palocci, Marcelo Odebrecht, Sérgio Cabral e tantos outros cujas prisões caracterizaram o que Jobim denomina de “ação-espetáculo”? Simplesmente porque são celebridades do mal, cuja liberdade constituiria séria ameaça a investigações em curso e à manutenção de provas e documentos.

A exposição daqueles personagens à opinião pública precisa sempre ser feita, como tem ocorrido, da forma mais ostensiva possível, para que a sociedade fique sabendo quem são eles e que se trata mesmo de perigosos criminosos, ainda que não utilizem armas de fogo para a prática de seus delitos.

As entrevistas coletivas da equipe da Lava-Jato, depois das prisões, também fazem parte daquela comunicação estratégica para combater os crimes financeiros com um míssil — a exposição nas telas de TV, para milhões de pessoas, de figuras que antes se consideravam intocáveis e imunes à ação da Justiça e da polícia.

Ao contrário de Fernandinho Beira-Mar e outros bandidos, nossos homens de colarinho-branco não mandam matar magistrados, promotores ou policiais (pelo menos até agora), vestem-se com ternos de grife, levam vida de milionários e muitos têm curso superior, além de imunidade parlamentar e projeção social.

As celebridades do mal já causaram ao país prejuízos comprovados de bilhões de reais. Poupar esses maus brasileiros de exposição pública significa reconhecer que passaríamos a ser cúmplices dos crimes por eles cometidos.

O show não pode parar.

*Nelson Lemos é jornalista

 

O globo, n. 30529, 08/03/2017. Artigos, p. 15