‘Tudo que for ilícito e crime tem que ser apurado e punido’

Cármen Lúcia

21/03/2017

 

 

Ao comentar articulações no Congresso para anistiar caixa 2, Cármen Lúcia afirma que tentativas de impedir medidas punitivas não serão bem recebidas

A movimentação nos bastidores do Congresso para anistiar o caixa 2 nas eleições foi alvo de críticas da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia. No encontro “E agora, Brasil?”, o colunista do GLOBO Merval Pereira lembrou as palavras da ministra durante o julgamento do mensalão no STF, em 2012. Na ocasião, o caixa 2 foi apresentado como algo menos grave pelos advogados dos mensaleiros, e Cármen Lúcia disse achar muito grave que alguém admitisse tranquilamente, na tribuna do STF, que houve o caixa 2, como se fosse algo banal.

Na última sexta-feira, na Maison de France, Cármen Lúcia sintetizou sua posição sobre o tema em discussão nos corredores da Câmara e do Senado:

— Eu não vejo nada porque a Justiça é cega, mas, na hora em que tiver que ver para aplicar a lei, ela será aplicada.

No último dia 7, o Supremo deu um passo relevante no combate do pagamento de propina também por meio do caixa 1, ou seja, através de doação oficial, registrada pelo candidato. O senador Valdir Raupp virou réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O parlamentar é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de receber vantagem indevida de R$ 500 mil por meio de doação oficial.

Em entrevista ao chegar para o evento com um exemplar da Constituição que a acompanhou em todos os momentos, Cármen Lúcia não comentou o caso de Raupp especificamente, mas disse que não interessa se o dinheiro ilícito vem de caixa 1 ou 2. Segundo ela, o que tem que ser apurado é a origem do recurso e, se for ilegal, é necessário haver punição:

— É preciso que se esclareça tudo isso e os ilícitos sejam efetivamente apurados e punidos. Não existe essa história de caixa u1m, ou caixa 2 ou caixa 3. Se vier de dinheiro ilícito, constitui-se em ilícitos previstos na legislação penal. E tudo que for ilícito e crime tem que ser apurado e punido.

Para dar andamento mais célere aos 83 pedidos de abertura de inquérito sobre políticos investigados na Lava-Jato, a presidente do STF criou uma sala especial, junto ao gabinete dela, com um grupo de servidores trabalhando em regime de esforço concentrado para registrar e cadastrar os documentos enviados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. E o relator dos processos da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, recebeu três juízes-auxiliares, dois a mais que os outros ministros, para dar prioridade ao caso.

A presidente do STF salientou a necessidade de se entender como seria a contabilidade correta tanto de empresas quanto de partidos políticos. A doação de pessoas jurídicas a partidos e candidatos foi proibida a partir da eleição do ano passado:

— É preciso que saia tudo da caixa, de qualquer caixa, e é preciso que se esclareça primeiro o que é uma contabilidade correta, honesta, de empresas, partidos políticos, como isso se passa.

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“PARA QUE A SOCIEDADE VIVA EM PAZ”

Embora evite entrar no mérito da questão, porque pode julgá-la futuramente, Cármen Lúcia disse esperar prudência dos políticos:

— Eu espero que todo mundo tenha prudência para saber que, num estado de direito, o Direito é para ser respeitado. E não acho que alguém hoje desconheça a necessidade de, depois de tanta luta para chegarmos a um Estado democrático de direito, como foi no Brasil, com quase 30 anos de Constituição em vigor, com uma legislação penal e eleitoral posta de maneira clara, queira tergiversar e, simplesmente, se escusar de cumprir aquilo que for apurado e considerado ilícito. Até porque o Direito existe para que a sociedade viva em paz. Todo mundo cumprindo e respondendo por aquilo que foi feito errado. Se houver algum tipo de tentativa nesse sentido (tentar anistiar o caixa 2), o Poder Judiciário vai ter de atuar.

Em entrevista ao jornalista Jorge Bastos Moreno, na Rádio CBN, a ministra também foi incisiva ao falar das tentativas de políticos de dificultar a punição pelo crime de caixa 2:

— A apuração dos crimes está em curso. Qualquer tentativa de obstaculizar medidas punitivas que são necessárias no caso de cometimento de crime não é bem-vinda.

O globo, n. 30542 , 21/03/2017. País, p. 7