Valor econômico, v. 17, n. 4208, 07/03/2017. Brasil, p. A4

Câmbio valorizado reduz lucro da exportação

 

Marta Watanabe

 

O exportador iniciou o ano com perda de rentabilidade nos embarques por conta da valorização do real frente ao dólar. Em janeiro, a margem média de ganho nas exportações totais caiu 8,5% contra igual mês de 2016. A perda aconteceu porque a valorização nominal do real de 21,1% e a elevação de 3,1% no custo de produção não foram compensadas pelos preços de exportação que, com a ajuda das commodities, subiram em média 19,6%. Os cálculos preliminares são da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

O câmbio também continuou castigando a margem do exportador em fevereiro. Ao fim do primeiro bimestre, a cotação do dólar caiu 22,12% contra igual período de 2016, considerando a variação da Ptax, taxa calculada pelo Banco Central e referência para dados de comércio exterior. Mantido o nível atual de câmbio, diz André Mitidieri, economista da Funcex, a rentabilidade tende a cair, já que as cotações do dólar se mantiveram relativamente altas durante o primeiro semestre de 2016, especialmente nos primeiros três meses. Mitidieri calcula que, levando em conta mediana de dólar a R$ 3,36 para o ano, os preços teriam de subir 18% somente para compensar a valorização da moeda nacional para o total da exportação.

Na análise por grandes setores, o extrativista foi o único no qual o aumento de preços conseguiu compensar o efeito do câmbio em janeiro. As exportações do segmento ganharam 28,5% na margem de lucro. O custo de produção cresceu 8,6%, mas a alta média de 76,9% nos preços compensou o avanço do custo e a valorização.

Os preços do setor extrativista foram puxados principalmente pela alta de commodities. Os preços no embarque de petróleo e gás natural, por exemplo, subiram, em média, 51,5% em janeiro contra igual mês do ano passado. Os preços médios na exportação de minerais metálicos saltaram 102,2%.

Dentre os grandes setores, o que mais perdeu rentabilidade nos embarques foi a indústria de transformação, com recuo de 16,3%. Nesse segmento os preços médios de exportação subiram 8,8%, mas mesmo assim não conseguiram neutralizar os efeitos do dólar mais fraco. Também pesou contra a margem de lucro do setor a elevação de 2,5% no custo de produção. Na agricultura e pecuária, o custo de produção subiu bem menos (0,9%), enquanto os preços avançaram 9,7%. Mesmo assim a rentabilidade caiu 14,3%.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), afirma que em fevereiro o nível de médio de valorização do real frente ao dólar tende a ser menor que o de janeiro, amenizando a pressão sobre a rentabilidade. De qualquer forma, diz, deve haver boa queda de margem nas exportações. Ele avalia que este ano os embarques, para a indústria de transformação, devem funcionar mais para preservar clientela e manter o mínimo de atividade que para gerar lucro.

O repasse da valorização do câmbio para o preço de exportação, no caso da indústria de transformação, é inviável para a maior parte dos produtos, diz Castro, devido a um mercado internacional ainda em recuperação e da forte concorrência nos manufaturados.

Os dados da Funcex já mostram que na verdade, dentre 23 segmentos da indústria de transformação, em 9 houve queda de preço médio de exportação em janeiro. Em vestuário e acessórios, o preço caiu 6,5%. Nos produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos, o preço recuou 7,3%.

Além do menor espaço para compensar o real mais forte com queda de preços, diz Mitidieri, da Funcex, há ainda a necessidade de monitorar o custo de produção do setor, que poderá ser pressionado pela tarifa de energia elétrica. A favor da indústria de transformação, devem ficar os salários, que não farão pressão nos custos nos próximos meses, e dos insumos importados, por serem beneficiados com a mesma valorização do real que tira a rentabilidade na hora de exportar. O custo dos insumos nacionais no total da produção para exportação aumentou 7,5% em janeiro, enquanto o de importados caiu 16%.

Mantido o quadro atual, diz Castro, o desempenho da produção da indústria de transformação terá uma base de comparação bem baixa este ano e a expectativa de uma recuperação maior está lançada para o terceiro, mais precisamente para o quarto trimestre. Até lá, a exportação, para a média da indústria, irá funcionar mais como forma de ocupação de capacidade para ajudar a cobrir custos fixos.

Castro ressalta também que a boa rentabilidade dos básicos também deve ser olhada com cautela. A recuperação de preços de algumas commodities já era esperada para este ano, mas o nível de preços para minério de ferro e petróleo, por exemplo, pode não se sustentar ao longo do tempo. "Os Estados Unidos devem aumentar sua produção diária de petróleo e não há indicação de demanda chinesa para sustentar preços tão altos do minério de ferro, o que mostra que há grande componente de especulação."

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Acordo na OMC amplia prazo para empresa brasileira recolher tributos

 

Fabio Graner

 

Um dos poucos avanços na história recente da Organização Mundial do Comércio (OMC), o acordo de Bali, que visa facilitar o comércio entre os países com medidas na área aduaneira, entrou em vigor no fim do mês passado. Um dos signatários do acordo, o Brasil deve neste e no próximo ano adotar medidas para cumprir os termos do acordo multilateral. Entre as novidades em preparação, antecipadas ao Valor pelo subsecretário de Aduana da Receita Federal, Ronaldo Medina, está a possibilidade de pagamento diferido (não imediato) de tributos e taxas envolvidos na importação, que hoje são feitos logo no registro da mercadoria que chega ao país.

Esse diferimento deve dar um ganho de fluxo de caixa para as empresas que são Operadores Econômicos Autorizados (OEA), normalmente grandes empresas do comércio exterior e que representam mais de 10% do fluxo de comércio do país. "Nós vamos instituir, a partir do Portal Único do Comércio Exterior, a possibilidade de pagamento mensal dos tributos devidos na importação. Hoje, o pagamento deve ser feito no registro da mercadoria", explicou Medina.

Essa possibilidade, contudo, virá com uma exigência que o acordo da OMC desencoraja e que hoje não é cobrada no Brasil, que é a necessidade de uma apresentação de garantia, provavelmente um seguro-fiança bancário. "Quando entrar a garantia, nós vamos descumprir a regra, por isso estamos notificando um item que para a OMC não deveria ocorrer no caso dos OEA", explicou Medina. "Vamos exigir a garantia porque tem um risco [no diferimento]. É um crédito que estamos dando e, por isso, vamos pedir a garantia", acrescentou. "O importador tem um ganho de floating, financeiro, de capital de giro", explicou. Essa medida deve estar pronta até o ano que vem.

Outra iniciativa baseada no acordo de Bali é a permissão para os OEA fazer o chamado "despacho sobre águas", que viabiliza o processo de registro e demais necessidades relativas ao despacho aduaneiro antes da chegada da mercadoria no país, agilizando o processo de liberação dos produtos que serão comercializados. A previsão é valer já para este ano.

"A regra hoje é só registrar a declaração depois que a carga chegar. A regra geral é carga chegou, é descarrregada do navio, registra declaração de importação e recolhe todos os tributos. A gente vai instituir agora o despacho sobre águas, na qual o OEA, o operador qualificado, vai registrar a declaração antes da carga chegar, ela será processada e se ela estiver no canal verde (via expressa) já será descarregada e desembaraçada, o importador pega e já leva embora", explicou o subsecretário substituto de Aduana, Luis Felipe Reche.

O acordo da OMC também vai levar o Brasil a revisar algumas regras relativas a "remessas expressas", quando mercadorias de pequeno porte, como livros e outros bens, são entregues por operadores postais, como Fedex e DHL. Além da possibilidade permitir outras vias de entrega expressa, como marítima e terrestre (embora sejam pouco usadas), a ideia é autorizar os despachos expressos desse tipo de produto mesmo que tenham fins comerciais e não apenas para consumo próprio, como é hoje.

A ideia é que até o fim deste ano estas possibilidades já estejam valendo, explica Medina, destacando que a liberação por outras vias que não aéreas tem pouco efeito para o Brasil, no qual as remessas desse tipo normalmente são por avião, dada a dimensão do país. "Nós estamos planejando fazer a liberação de encomendas para bens de comércio", destacou o técnico.

Medina destaca que, a despeito das medidas em preparação, o Brasil já cumpre cerca de 90% dos itens que compõem os 12 artigos do acordo de Bali para facilitação do comércio. O entendimento já conta com 113 signatários entre os países membros da OMC e passou a ter vigência porque em 22 de fevereiro passou a contar com mais de dois terços dos participantes da entidade, tornando o cumprimento de suas obrigações mandatório para quem aderiu.