MACACOS SEM FEBRE AMARELA

Ana lucia azevedo

Vera Araujo

21/03/2017

 

 

Fiocruz descarta doença, mas examinou amostras diferentes das de instituto que detectou vírus

Uma semana depois de o Instituto Evandro Chagas, no Pará, afirmar que cinco macacos encontrados mortos na Gávea, no Jardim Botânico, em Copacabana, em Manguinhos e em Engenheiro Leal estavam contaminados pelo vírus da febre amarela, o resultado de um novo exame, desta vez realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio, e divulgado ontem, deu negativo para a doença. Para o secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Júnior, o teste mais recente prova que o vírus da febre amarela não vem circulando na capital fluminense. Especialistas, no entanto, dizem que não é possível garantir que a cidade está livre da doença porque os exames não podem ser comparados: foram feitos com amostras e metodologias diferentes, como reconheceu o Ministério da Saúde, ao qual estão subordinados as duas instituições.

Em nota, o Ministério da Saúde, sem dizer qual metodologia seria a mais sensível e adequada para detectar o vírus da doença nos primatas, não defendeu qualquer resultado. Informou apenas que qualquer um deles “não interfere na estratégia adotada pelas secretarias estadual e municipal de Saúde do Rio” de aumentar a imunização da população. A pasta ressaltou que “não há evidência de circulação do vírus da febre amarela na cidade” e lembrou que os macacos morreram em outubro do ano passado. Desde então, não foi registrado nenhum caso de humano na capital. No estado, 36 pessoas estão sob suspeita de terem contraído a doença. A morte de um morador de Casimiro de Abreu, ocorrida há 13 dias, foi a primeira e única confirmada no estado. A mulher e os quatro enteados dele foram internados com suspeita de terem contraído a febre. Eles moravam na área rural do município.

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METODOLOGIA TERIA QUE SER A MESMA

Renato Pereira de Souza, diretor técnico do Núcleo de Doenças de Transmissão Vetorial do Instituto Adolfo Lutz (como a Fiocruz, um centro de referência regional para a febre amarela), diz que resultados diferentes em exames não são frequentes:

— Resultados díspares são possíveis, embora não sejam frequentes. Sem saber como os testes foram realizados e ver os laudos, é impossível dizer qual dos exames está correto. Para exames serem comparáveis, é preciso que sejam realizados com as mesmas amostras e metodologia. Se não, um não é contraprova do outro — observa o pesquisador.

Pereira de Souza explica que, para efeitos de comparação, seria necessário usar as mesmas amostras nos dois testes. Para isso, deveriam ter sido mantidas em condições idênticas e examinadas da mesma forma:

— Tem que ser usado, por exemplo, o mesmo reagente. Se um produto for menos específico e sensível, pode dar resultado negativo numa amostra positiva. Na verdade, não sabemos o que aconteceu porque não conhecemos os laudos. Transparência é fundamental nessa hora. Divulgar os laudos técnicos ajudaria a tranquilizar a população — salienta Renato.

O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Maurício Lacerda Nogueira, tem opinião semelhante:

— Não temos como avaliar resultados se os laudos dos exames não são conhecidos. Há numerosos fatores que podem fazer um mesmo tipo de exame ter resultado diferente de outro, como uso de reagentes diferentes, por exemplo. Sem poder ter acesso ao teor dos laudos, acredito que o exame do centro nacional de referência em febre amarela, o Instituto Evandro Chagas, é o que continua a valer — afirma Nogueira, especialista em febre amarela.

Em nota, o Instituto Evandro Chagas disse que não vai comentar os resultados da Fiocruz. Na semana passada, houve um mal-estar envolvendo o diretor da instituição paraense, o virologista Pedro Vasconcelos, e o secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Júnior. Vasconcelos criticou a demora do Rio de Janeiro para uma vacinação em massa. Segundo ele, “só um cego não veria que as lâminas com as amostras dos macacos infectados deram positivo". Teixeira Júnior, por sua vez, criticou o trabalho do instituto, dizendo que houve demora: “Não pode ser normal mandar amostras em outubro e ter o resultado agora, em março”.

Independentemente dos resultados dos exames realizados pelo Evandro Chagas, centro nacional de referência em febre amarela, e pela Fiocruz, os especialistas consideram fundamental dar ênfase à vacinação. Confiante no exame da Fiocruz, feito a pedido do governo estadual, o secretário municipal de Saúde, Carlos Eduardo de Mattos, disse que manterá o cronograma de campanha da imunização na cidade. Só ontem, foram vacinadas 9.480 pessoas em 34 postos municipais do Rio.

— O resultado negativo reforça a informação dada desde o início pela Secretaria municipal do Rio de que não há necessidade da população ficar assustada. A vacina pode ser feita com tranquilidade durante todo o ano,conforme o planejado. Peço à população que tenha calma e confie em nossos técnicos porque todos serão vacinados dentro da segurança que o tempo permite — disse Carlos Eduardo de Mattos.

O secretário estadual de Saúde também está confiante em relação ao resultado da Fiocruz:

— Os resultados convergem com o quadro epidemiológico, já que não há sinais de que o vírus esteja em circulação na capital. Vamos manter o programa de vacinação com toda a tranquilidade para atender a população de todo o estado.

A Fiocruz informou que, de outubro até ontem, 63 macacos foram analisados pelos pesquisadores da instituição. Apenas três primatas apresentaram o vírus da febre amarela. Dois deles foram achados em São Sebastião do Alto e um, em Campos.

— Não há filas de macacos nos laboratórios da Fiocruz para serem analisados. É verdade que houve um número de primatas maior do que o habitual morrendo. Esse foi um sinal que chamou a atenção — disse a infectologista Marilia Santini, pesquisadora da Fiocruz.

O estado já antecipou a campanha de vacinação em massa para 64 municípios. Ontem, o Ministério da Saúde reconheceu a relação entre a baixa cobertura vacinal da população e o surto atual. Minas Gerais, o estado mais atingido, tinha 52,6% dos habitantes vacinados no ano passado. Só 4,6% dos municípios do estado tinham mais de 95% de cobertura. Os estados do Rio e de São Paulo sequer tinham recomendação para vacinação.

O globo, n. 30, 21/03/2017. Rio, p.12