Ação que pede o fim da criminalização do aborto chega ao STF

Clarissa Pains

08/03/2017

 

 

Texto protocolado pelo Psol e pela ONG Anis defende 12ª semana de gravidez como limite

Uma ação que pede o fim da criminalização do aborto em qualquer situação até a 12ª semana de gravidez chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ontem, na véspera do Dia Internacional da Mulher, protocolada pelo Psol e pela ONG Anis. A partir de agora, o STF tem até oito dias para sortear quem será o relator da ação. E, caso seja levada a julgamento, ela será analisada em plenário pelos 11 ministros.

A ação é chamada tecnicamente de Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e defende que os dois artigos que criminalizam o aborto no Código Penal, datados de 1940, são incompatíveis com a Constituição estabelecida em 1988. Nesses dois artigos (124 e 126) está escrito que a gestante que realizar em si mesma um aborto pode ser presa por até três anos, e qualquer pessoa — profissional de saúde, parente, amigo — que provocar um aborto em uma mulher pode ir para a prisão por até quatro anos.

“A criminalização do aborto se mantém por uma lei do século passado, mas é incompatível com a Constituição Federal. Determinados direitos das mulheres previstos na Constituição são, hoje, violados diretamente pelo Código Penal, tais como direito à cidadania, à dignidade, de não ser discriminada, à vida, à igualdade, à liberdade, de não sofrer tortura ou tratamento desumano, degradante ou cruel, à saúde e ao planejamento familiar”, diz, em nota, o Psol.

Hoje, o aborto é legalizado no Brasil em três situações: quando levar a gravidez adiante gera risco de vida para a mulher; quando a gestação é resultado de um estupro; e quando o bebê é anencéfalo, isto é, não tem cérebro. Em todas as outras circunstâncias, o aborto é considerado crime, mas, ainda assim, estima-se que mais de meio milhão de mulheres tenham interrompido a gestação no Brasil em 2015, o equivalente a um aborto por minuto, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, estudo feito por pesquisadoras do Instituto Anis e divulgado em dezembro do ano passado.

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A ação enviada ao STF é assinada por Luciana Boiteux, professora do Departamento de Direito da UFRJ e ex-candidata a vice-prefeita do Rio pelo Psol; Luciana Genro, advogada e ex-deputada federal pelo Psol; e Gabriela Rondon e Sinara Gumieri, advogadas e pesquisadoras da Anis. Para elas, criminalizar o aborto viola direitos fundamentais e faz com que mulheres recorram a procedimentos clandestinos e arriscados, que muitas vezes levam à morte ou a graves complicações de saúde.

— A legalização do aborto é uma pauta histórica do movimento feminista, que tem crescido nos últimos anos, até como uma reação a um conservadorismo global mais intensificado — afirma a advogada Gabriela Rondon.

A marca de 12 semanas como limite para a interrupção da gravidez se baseia nas leis de diversos países que têm o aborto legalizado, como Alemanha, Áustria, Dinamarca, Espanha, França e Uruguai. Além de ser o período em que ocorre a esmagadora maioria dos casos de aborto no mundo, é também o período em que a prática é considerada mais segura: segundo estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), o risco de complicações até essa faixa temporal é de 0,05%.

 

O globo, n. 30529, 08/03/2017. Sociedade, p. 27