Odebrecht confirma que negociou apoio com Temer 

Carolina Brígido, Simone Iglesias, Eduardo Barretto e Cleide Carvalho 

02/03/2017

 

 

Acordo sobre doações ocorreu depois, entre empreiteiro e Padilha

-CURITIBA E BRASÍLIA- Em depoimento prestado ontem, no processo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que julgará se a chapa Dilma-Temer cometeu abuso de poder econômico nas eleições presidenciais de 2014, o empresário Marcelo Odebrecht confirmou que participou de jantar com o presidente Michel Temer, em 2014, no qual foi acertado apoio político da empreiteira ao PMDB. Segundo o empresário, na ocasião não foi mencionado qualquer valor ou possibilidade de doação financeira. Mas, na sequência, o próprio empresário teria se reunido com o hoje ministro licenciado da Casa Civil, Eliseu Padilha, para tratar do repasse de R$ 10 milhões ao partido.

O acerto do valor teria ocorrido na presença de Cláudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht. Do total, R$ 6 milhões seriam destinados ao presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que foi candidato ao governo de São Paulo, em 2014. Perguntado se alguma fatia do valor seria destinada ao próprio Padilha, Marcelo Odebrecht disse que não se lembrava.

Em nota, divulgada pelo Palácio do Planalto, no último dia 24 de fevereiro, depois que o amigo de Temer José Yunes afirmou que recebeu das mãos do operador do esquema de corrupção da Petrobras Lucio Bolonha Funaro um documento que “financiaria a eleição de Eduardo Cunha” à presidência da Câmara, o próprio governo reconheceu o acordo eleitoral.

Na ocasião, a Secretaria de Comunicação afirmou que, quando presidente do PMDB, “Michel Temer pediu auxílio formal e oficial à construtora Norberto Odebrecht. Não autorizou, nem solicitou que nada fosse feito sem amparo nas regras da lei eleitoral. A Odebrecht doou R$ 11,3 milhões ao PMDB em 2014. Tudo declarado na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral. É essa a única e exclusiva participação do presidente no episódio”.

Na delação premiada acertada com investigadores, Cláudio Melo disse que, em um jantar no Palácio do Jaburu, Temer solicitou doação de recursos a Marcelo Odebrecht. O delator contou que Yunes recebeu, em espécie, R$ 4 milhões, que seria a parte de Padilha. Outros quatro executivos da empreiteira também prestarão depoimentos no mesmo processo até a próxima semana.

JULGAMENTO SÓ EM 2018

No mesmo dia em que Marcelo Odebrecht depôs, auxiliares do presidente Michel Temer passaram a trabalhar para que a ação seja julgada só em 2018. Com isso, o presidente, caso tenha o mandato cassado ao fim do processo, teria um mandato somente alguns meses menor do que o previsto. E, em vez de uma eleição indireta para a sucessão presidencial, a eleição de outubro do ano que vem seria antecipada em alguns meses.

— Me parece que esse caso não será julgado este ano. Há muitas testemunhas para serem ouvidas, questionamentos, produção de contraprovas, reinquirições. Não é um processo rápido — disse um interlocutor presidencial.

Cabe aos advogados de Temer e também de Dilma Rousseff exigirem contraprovas e reinquirições de testemunhas. Além da protelação por conta do andamento “mais lento” do processo, em abril e maio, o tribunal perderá dois ministros, e Temer terá que fazer as indicações.

Há em estudo também pelos advogados de Temer um pedido de nulidade de testemunhas, entre elas, Marcelo Odebrecht, por ter sido chamado a depor a partir de vazamento de delação no âmbito da Lava-Jato. Isso ocorrerá a depender do conteúdo dos depoimentos de Marcelo e de outros quatro ex-executivos da empreiteira.

Antes mesmo do depoimento de Marcelo, Temer, segundo este auxiliar, já esperava que o empreiteiro relatasse em seu depoimento o jantar que houve em 2014 no Palácio do Jaburu e no qual o peemedebista pediu “apoio financeiro” a sua campanha e ao partido. No encontro, do qual participaram outros integrantes do partido, como o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), Marcelo acertou a doação. O PMDB recebeu naquele ano R$ 11,3 milhões das empresas Odebrecht e Brasken. O Planalto sustenta que as doações ocorreram de forma legal e registradas junto ao TSE.

Marcelo prestou depoimento durante 4 horas, no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em Curitiba. Ao término da audiência, Luciano Feldens, advogado de defesa de Odebrecht, disse que Marcelo “falou tudo que deveria falar, o que poderia falar”.

Perguntado se o empreiteiro poderia prestar novo depoimento, o advogado disse apenas que “foi concluído”. O empresário segue preso na carceragem da Polícia Federal da capital paranaense.

Marcelo foi trazido numa viatura da PF e entrou rapidamente pela garagem. Os advogados da ex-presidente Dilma Rousseff saíram sem falar com a imprensa.

Para Gustavo Guedes, que representa o presidente, o depoimento de Marcelo Odebrecht e dos executivos do grupo é decisivo.

— O depoimento dele e dos executivos passa a ser decisivo porque todos os que foram ouvidos até agora disseram que não houve nem caixa 2, nem propina, e que as doações foram legais. Portanto, não há nada que justifique a procedência da ação — afirmou Guedes.

__________________________________________________________________________________________________________

Novos depoimentos podem atrasar ação

Carolina Brígido

02/03/2017

 

 

Relator quer liberar caso para julgamento em abril, mas até colegas são céticos sobre prazo

-BRASÍLIA- Aos colegas do TSE, o ministro Herman Benjamin tem sido claro: quer liberar para julgamento, até meados de abril, o processo que pede a cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer. Mas a inclusão de depoimentos de cinco executivos da Odebrecht, já na reta final das investigações, pode frustrar esse plano. Se a defesa de Temer quiser, poderá pedir novas diligências com base nos interrogatórios. Caso o relator negue o pedido, os advogados ainda poderão recorrer ao plenário do tribunal. Mesmo que o eventual pedido seja negado ao final, só essa movimentação já teria potencial para arrastar a conclusão do processo para além de abril.

A defesa poderá pedir, por exemplo, novos depoimentos para confirmar a versão dos executivos da Odebrecht. Ou, ainda, a apresentação de documentos e perícias em provas eventualmente utilizadas pelos depoentes.

Se o processo não estiver pronto até meados de abril, a formação do TSE que julgará o caso já não será mais a mesma. O ministro Henrique Neves deixa o tribunal em 16 de abril. No lugar dele, vai entrar um dos integrantes da lista tríplice aprovada na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O substituto será escolhido por Temer. O mais provável é que seja Admar Gonzaga, que já é ministro substituto do TSE e foi o mais votado da lista.

Se o julgamento se arrastar ainda mais, outra cadeira será substituída. O mandato da ministra Luciana Lóssio termina em 5 de maio, podendo influenciar no resultado do julgamento. No meio jurídico, ela é vista como aliada de Dilma. O nome que a substituirá ainda não é conhecido. O mandato do próprio relator termina em outubro — no entanto, ele poderá ser reconduzido ao cargo.

Nem mesmo os ministros do TSE acreditam na possibilidade de julgamento ainda em abril, como tem afirmado o relator.

__________________________________________________________________________________________________________

O relator discreto do maior processo do TSE

02/03/2017

 

 

Ministro do caso Dilma-Temer tem larga trajetória e é conhecido por atuação firme

-BRASÍLIA- Discreto e pouco conhecido do público leigo, o ministro Herman Benjamin saiu do anonimato para os holofotes no último ano. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tornou-se relator do processo que pede a cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), é o relator da Operação Acrônimo, que investiga suposto esquema de desvios de dinheiro do BNDES na época em que o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, comandava o Ministério do Desenvolvimento.

No ano passado, em declaração à imprensa, Benjamin disse que o processo contra a chapa vencedora nas eleições de 2014 é o maior que já tramitou no TSE. Além disso, é o primeiro que visa a cassação de uma chapa presidencial eleita. Por isso, o relator acompanhou todos os depoimentos, em vez de delegar a função a outro juiz, como normalmente acontece.

Na mesma ocasião, ele contou ter ficado impressionado com os valores desviados da Petrobras, revelados na Operação Lava-Jato.

— São valores estratosféricos. Nós, seres humanos normais, não temos condição de avaliar o que se pode comprar com aquilo. Os operadores perderam o controle do dinheiro e faziam acerto de contas por amostragem. Era dinheiro demais — afirmou.

O ministro, que integra a nata do Judiciário, é um homem de origem simples. Nasceu em 1957 em Catolé do Rocha, interior da Paraíba. Estudou em um colégio jesuíta em Recife e se formou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fez mestrado em Illinois, nos Estados Unidos. Integrou o Ministério Público de São Paulo de 1982 a 2006, quando foi indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma vaga no STJ. Benjamin também foi professor de várias instituições de ensino superior e, no meio jurídico, é reconhecido pela especialidade em direito ambiental.

No TSE, Herman costuma ter atuação firme. Nos julgamentos, discorda em diversas ocasiões do presidente, Gilmar Mendes. Os dois nunca protagonizaram um bate-boca mais acalorado, mas as alfinetadas entre eles são constantes. No ano passado, por exemplo, durante um julgamento, Gilmar acusou o Ministério Público e juízes da primeira instância de chantagear políticos com ações de improbidade. A condenação nesse tipo de ação causa a inelegibilidade, como prevê a Lei da Ficha Limpa. Na fala de Gilmar, Benjamin insistiu em dizer que os juízes que perseguem políticos eram minoria.

— Eu acredito nos juízes — declarou Benjamin. (Carolina Brígido)

 

O globo, n. 30523, 02/03/2017. País, p. 4