Passagem relâmpago pelo Alvorada 

Eduardo Barretto e Simone Iglesias 

02/03/2017

 

 

Após apenas uma semana de permanência no palácio, que passou por obras, Temer volta para antigo endereço

Nem mesmo uma reforma no Palácio da Alvorada — feita para adaptar uma das joias da arquitetura de Oscar Niemeyer ao cotidiano do filho Michelzinho — conquistou o casal presidencial. Depois de resistir vários meses a se mudar para a residência oficial da Presidência da República e após a obra que custou R$ 24 mil aos cofres públicos, o presidente Michel Temer e a primeira-dama, Marcela Temer, desistiram da ideia e voltaram ao Palácio do Jaburu, onde viviam desde 2011, quando Temer assumiu a vice-presidência. Foram apenas sete dias no Alvorada.

Na última terça-feira, quando retornou do carnaval com a família na base militar de Aratu, na Bahia, a comitiva presidencial foi diretamente para o Jaburu. Desde que se mudou de lá para o Alvorada, Temer mostrava incômodo com o novo endereço. Questionado se estava gostando, costumava responder:

— Eu não, mas o Michelzinho está — mencionando que o menino gostava de brincar com as emas no Alvorada.

O presidente dizia também a auxiliares que o filho caçula gostava do tamanho do quarto, amplo, uma das coisas, porém, que mais lhe incomodava no palácio. Segundo pessoas próximas, a grandiosidade e a impessoalidade do Alvorada o impedia de ver o filho com a frequência que gostaria. A ex-presidente Dilma Rousseff também reclamava que o Alvorada não tinha o aconchego de uma casa e que provocava o isolamento de seus moradores.

Temer só morou com a família no Alvorada de 17 a 24 de fevereiro e demorou seis meses para sair do Jaburu. A reforma incluiu tela protetora em varandas do segundo pavimento para evitar acidentes com Michelzinho, pintura e reparos nos armários. A Presidência informou, por meio de nota, que o palácio não foi reformado para receber a família. Como qualquer prédio público tombado, diz o comunicado, o palácio recebe serviços de manutenção e reparos. Os últimos envolveram “pintura geral do prédio, salas, pisos e reparos em armários”. O governo não divulgou os custos.

Segundo uma fonte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a tela não fere o tombamento. A tela para Michelzinho seria retirada em ocasiões especiais, como em visitas de chefes de Estado. Agora que a família Temer voltou ao Jaburu, a tela será removida permanentemente.

Desde a semana passada, as visitas turísticas ao local foram retomadas. O Alvorada é o primeiro prédio de alvenaria de Brasília, com projeto de Oscar Niemeyer, grandes obras artísticas nacionais e acervo bibliotecário idealizado por Carlos Drummond de Andrade e Manoel Bandeira. Dos nos 1960 para cá, Michelzinho foi a única criança a morar no palácio. Antes, filhos de João Goulart viveram na residência.

Além de Temer, os ex-presidentes João Figueiredo e Fernando Collor abriram mão do Alvorada. Figueiredo morou na Granja do Torto — assim como Lula e Dilma Rousseff, temporariamente — e Collor, na Casa da Dinda, uma propriedade privada localizada na margem oposta do Alvorada, no Lago Paranoá.

Dilma deixou o palácio em 6 de setembro, quando sofreu o impeachment. De setembro a fevereiro, Temer ficou no Jaburu e utilizou o Alvorada apenas para reuniões e eventos. De agora em diante, esse expediente será retomado. Interlocutores de Temer contam que a primeira-dama se incomodava com o entra e sai de políticos até altas horas da noite no Jaburu. Agora Temer deverá usar o palácio para receber chefes de estado e fazer reuniões políticas.

A criança que visitava Dilma no Alvorada era o neto Gabriel. Quatro meses antes de ser afastada, Dilma ganhou o segundo neto, Guilherme.

— Às vezes, o Gabriel tenta mexer em alguma coisa, e digo: “Não, meu filho, aí não pode”. Aí ele me pergunta a razão, e eu respondo: “Isso não é da vovó, pertence ao povo brasileiro. Pois de tanto eu falar isso, ele já está até com medo desse tal de povo brasileiro” — disse a petista, em 2014.

 

O globo, n. 30523, 02/03/2017. País, p. 5