Moreira critica ‘espetacularização’ e afirma que ‘estrago foi feito’

Geralda Doca 

Gabriela Valente

Simone Iglesias 

Thiago Herdy

Katna Baran

21/03/2017

 

 

Operação cria mal-estar. No bastidor, PF diz que denúncias aumentaram
 
A Operação Carne Fraca colocou em lados opostos o Palácio do Planalto e a Polícia Federal. Ontem, um dia após o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, criticar a atuação da PF, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, disse que o “estrago” já está feito:
 

— A “espetacularização” da cobertura é muito mais grave que o fato. Se acontece um problema nesse setor, as dimensões econômico-financeiras e no emprego são infinitamente superiores às do setor de petróleo e gás (em referência às investigações conduzidas pela PF na Petrobras). O estrago foi feito, e nós estamos correndo para segurar.

Ele mencionou ainda que todo o ambiente deflagrado com a Operação da PF acaba favorecendo os competidores do Brasil.

— Você não pode tratar as questões econômicas com a mesma ligeireza da cobertura das futricas do Salão Verde e do Salão Azul, da Câmara dos Deputados e do Senado. No mercado europeu, por exemplo, França e Irlanda disputam palmo a palmo com a carne brasileira — completou.

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POSSÍVEIS NOVAS FASES

Fontes ligadas às investigações revelaram que, após a deflagração da operação na última sextafeira, a Polícia Federal passou a receber denúncias de todo o país sobre problemas na fiscalização do Ministério da Agricultura. As informações podem compor novas fases da ação da PF. A expectativa é grande porque, na operação da semana passada, os agentes identificaram irregularidades em todos os frigoríficos investigados. A avaliação de pessoas com acesso às investigações é que a indicação política de fiscais é o principal gatilho de corrupção desse caso.

— Em todos os frigoríficos houve problema. E, veja bem, não estou falando de carne contaminada, mas corrupção de agente público, era isso que a PF procurava — frisou uma fonte, que ainda rebateu as críticas feitas pela corporação: — Os policiais não investigaram qualidade de carnes, mas casos de corrupção de funcionário público nomeado com indicação política. Quem tem de cuidar de questões sanitárias não é a Polícia Federal.

A repercussão negativa sobre a Operação Carne Fraca causou incômodo na Justiça Federal do Paraná, responsável por autorizar a ação da PF. O juiz da 14ª Vara Federal em Curitiba, Marcos Josegrei da Silva, que assinou decisão que deflagrou a ação da PF, lembrou a interlocutores que o foco da operação nunca foi investigar a cadeia produtiva da carne e, sim, a ação de fiscais federais suspeitos de serem corruptos, vinculados a órgãos públicos.

Como exemplo disso, ele citou a negativa do juízo à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, que solicitaram a imediata interrupção da fábrica da BRF em Mineiros, Goiás, em razão dos indícios colhidos de irregularidades na atuação da unidade. Na ocasião, o juiz escreveu em despacho considerar “mais prudente autorizar o compartilhamento desses elementos com o Ministério da Agricultura, para adoção das providências administrativas necessárias”. O juiz entende também que a forma como a PF apresentou o caso contribuiu para uma “percepção equivocada” sobre a operação.

Depois de receber críticas do governo federal, a regional paranaense da PF se fechou para informações à imprensa. Segundo fontes, os agentes de Curitiba só podem se pronunciar com autorização da chefia de Brasília.

O gerente de Relações Institucionais e Governamentais da BRF, Roney Nogueira dos Santos, que foi detido ao desembarcar em São Paulo no sábado, e outros presos da Carne Fraca devem ser transferidos para Curitiba hoje. Ainda hoje, o juiz federal Marcos Josegrei da Silva deve decidir se prorroga os mandados de prisões temporária cumpridos na sexta, ou se as converte em prisão preventiva (sem prazo).

A PF apura se a denúncia feita por um dos fiscais não foi provocada por uma briga entre dois esquemas de grupos diferentes. Avalia, ainda, que a atuação desses grupos afastava os profissionais honestos dos principais centros de fiscalização.

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TEMOR DE ALTA NO DESEMPREGO

O presidente Michel Temer mantém intensa preocupação com o impacto da operação. Ele conversou com os ministérios da Agricultura e das Relações Exteriores ao longo do dia, e a percepção é que houve um dano muito grande ao país, podendo ainda se reverter em aumento do desemprego e eventual fechamento de empresas.

Agora, comentou um auxiliar presidencial, Temer aguardará as movimentações da PF para ver se o número de frigoríficos implicados no escândalo continuará em 21 investigados e também para saber se há alguma informação grave ainda não conhecida. Só depois disso avaliará os próximos passos, se telefonará a presidentes de países que compram a proteína animal brasileira ou, até mesmo, se fará um giro pelos países importadores tentando retomar a credibilidade.

O pior mercado a se perder, avaliou uma fonte palaciana, é a União Europeia. Primeiro, pelo padrão de qualidade exigido pelos países da comunidade e, segundo, porque coloca por terra esforços que vem sendo feitos pelo acordo de comércio entre o bloco europeu e o Mercosul.

O globo, n.30542 , 21/03/2017. Economia, p.24