Itália pede que Brasil reveja asilo a Battisti

Francisco Leali

25/09/2017

 

 

Temer pode cancelar decisão de Lula, que negou extradição, em 2010; dois ministros já deram aval à revisão
 

Tratativas para extradição começaram no ano passado; parecer será dado pela consultoria jurídica da Presidência

 Condenado à prisão perpétua na Itália e mantido no Brasil após decisão do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu último dia de governo em 2010, o italiano Cesare Battisti corre o risco de perder o direito de permanecer no país. Em sigilo, o governo da Itália apresentou pedido para que o presidente Michel Temer reveja a decisão de Lula que garantira a Battisti residência em território brasileiro, evitando uma extradição para cumprir a pena em seu país de origem.

O pedido está no Palácio do Planalto. Já foi submetido a uma primeira análise técnica. Agora, cabe à consultoria jurídica da Presidência da República emitir um parecer. Até agora a gestão de Temer não encontrou problemas jurídicos que impeçam uma nova decisão sobre o caso.

Segundo integrantes do governo, dois ministros já teriam dado sinal verde para um ato de Temer a favor do pedido italiano: o ministro da Justiça, Torquato Jardim, primeiro a analisar a demanda do governo estrangeiro; e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, por considerar o ato como um gesto importante diplomaticamente.

Do ponto de vista jurídico, o governo já encontrou uma fundamentação em súmula do Supremo Tribunal Federal de 1969, tradicionalmente citada por especialistas em direito administrativo. Essa súmula, que resume o entendimento da Corte sobre tema específico, diz que “a administração pode anular seus próprios atos” quando houver vícios ou revogá-los “por motivo de conveniência ou oportunidade”. Ou seja, um ato de Lula pode ser revisto por Temer.

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TEMER EVITA TOMAR DECISÃO

Mas, por enquanto, o presidente prefere ficar longe do tema. E, neste momento, não deve haver decisão, apesar das pressões. Oficialmente, o governo é ainda mais cauteloso. Procurada pelo GLOBO, a presidência da República disse que o assunto não está sendo tratado no Palácio do Planalto. O GLOBO confirmou, no entanto, que o pedido formal foi feito pelas autoridades italianas; e o processo, remetido ao governo brasileiro.

As tratativas para a extradição de Battisti começaram no ano passado. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi chegou a declarar publicamente que esperava por uma mudança de posição brasileira sobre Battisti na gestão de Temer. Na época, Renzi evitou confirmar se sua administração pretendia tomar a iniciativa de pedir a revisão da decisão de Lula. O assunto passou a ser tratado, então, com discrição pelas autoridades.

Primeiro, o pedido foi levado por representantes do governo italiano ao então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. O caso voltou a ser tratado com o sucessor dele na pasta, o deputado Osmar Serraglio.

O porta-voz do pedido junto ao governo brasileiro foi o embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini. Ele teve uma série de reuniões com autoridades brasileiras. Procurado pelo GLOBO, o embaixador não quis falar sobre o assunto.

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STF NEGOU HABEAS CORPUS

A divulgação do pedido italiano antes de Temer tomar a decisão preocupa as autoridades daquele país. Há receio de que Battisti acione sua “rede de proteção” no Brasil e tente travar, pela via judicial, um eventual novo ato do presidente da República.

A preocupação das autoridades italianas é baseada na conduta do próprio Battisti. Logo após Renzi declarar que gostaria de ver uma mudança de posição do governo brasileiro na gestão Temer, o italiano, condenado pelo assassinato de quatro pessoas entre 1977 e 1979 em seu país, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em setembro, o ministro Luiz Fux rejeitou o pedido feito pela defesa de Battisti para que lhe fosse concedido um habeas corpus preventivo. Fux alegou que não havia nada de concreto na ocasião que justificasse o temor do italiano. Na decisão, o ministro do STF lembrou, entretanto, que o presidente da República tem poder para tomar decisões relacionadas à presença de estrangeiros no país. Fux citou o julgamento do próprio STF em 2009, quando, após uma grande polêmica e numa votação apertada, os ministros entenderam que Battisti deveria ser extraditado para a Itália, mas caberia ao presidente da República decidir se iria ou não executar a extradição.

Lula passou quase um ano para decidir o que fazer. No último dia de seu segundo mandato, em 31 de dezembro de 2010, uma edição extra do Diário Oficial publicou a decisão: parecer da Advocacia Geral da União (AGU) dizia que a extradição não precisaria ser obrigatoriamente cumprida, e Lula deixou Battisti viver no Brasil.

Após a negativa de Fux ano passado, a defesa de Battisti recorreu de novo. O processo tramitou no plenário virtual do STF, um sistema em que cada ministro apresenta seu voto por computador. Os advogados do italiano ainda tentaram argumentar que o caso era polêmico e merecia ser levado a julgamento no plenário tradicional em que as sessões são transmitidas pela TV Justiça. O pedido foi rejeitado.

Em maio deste ano, a maioria dos ministros, no plenário virtual, seguiu o voto de Fux, e entendeu que não havia motivos para conceder uma salvo-conduto a Battisti. O processo foi arquivado na semana passada.

O globo, n.30730 , 25/09/2017. País, p. 4