APERTO NA FISCALIZAÇÃO

Bárbara Nascimento

Catarina Alencastro

20/03/2017

 

 

Após escândalo, governo promete rigor na vigilância e Temer vai à churrascaria com embaixadores
 
Dois dias depois de deflagrada a Operação Carne Fraca, na qual a Polícia Federal revelou um esquema de pagamento de propinas a fiscais agropecuários para liberação de carnes impróprias, o governo montou neste domingo uma ofensiva para tentar conter os efeitos do escândalo sobre o mercado internacional e o consumidor interno. Após uma série de reuniões no Palácio do Planalto, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, classificou como exagerada a narrativa da Polícia Federal, o que, segundo ele, gerou “fantasias”. No entanto, ele anunciou um aperto na fiscalização de 21 frigoríficos suspeitos e prometeu identificar os lotes vendidos por essas unidades. E, para comprovar a qualidade da carne nacional, o presidente Michel Temer convidou os embaixadores de 33 países compradores do produto para irem com ele jantar numa churrascaria.
 

 

O governo adotou o discurso de que o problema foi inflado e que está, na verdade, restrito a uma parte muito pequena da cadeia produtiva. A preocupação é que um esclarecimento sobre o real tamanho do problema seja disseminado dentro e fora do país a fim de evitar uma crise. O Brasil responde por 7% do mercado mundial de alimentos. E no ano passado, as exportações de frango e carne bovina somaram US$ 10,3 bilhões.

— Tenho preocupação. O Brasil é um grande exportador de alimentos. Uma atuação forte de países impedindo o recebimento dessas mercadorias significa uma crise muito grande, significa uma parada dos processos e a gente teria grandes dificuldades para colocar novamente isso nos trilhos — disse Blairo.

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LISTA DE LOTES SUSPEITOS SAI HOJE

O subsecretário-geral de Assuntos Econômicos do Itamaraty, embaixador Marcos Galvão, disse que até o momento nenhum país solicitou embargo à carne brasileira. China e União Europeia, no entanto, fizeram pedidos formais de informação ao governo. O Ministério da Agricultura prometeu divulgar hoje uma lista de quais países receberam esses produtos e quais foram os lotes supostamente comprometidos.

Em seu discurso para os embaixadores, Temer fez questão de quantificar a questão, afirmando que, das 4.837 unidades frigoríficas que o país tem, a suspeita recai sobre apenas duas dezenas delas. Ele também informou que o governo decidiu acelerar o processo de auditoria nos estabelecimentos citados na investigação da PF. Das 21 unidades, três foram suspensas. As demais foram colocadas sob regime especial de fiscalização, a ser conduzida por força tarefa específica do Ministério da Agricultura.

— O que está sendo investigado não é o sistema de defesa agropecuária brasileira, mas alguns poucos desvios de conduta, de poucos funcionários, em algumas poucas, pouquíssimas empresas — pontuou.

A maior parte dos parceiros comerciais importantes para o Brasil estava entre os 33 países representados na reunião com Temer, como China, Egito, Rússia, Arábia Saudita e Japão. O presidente explicou, que desses 21 frigoríficos investigados, apenas seis exportaram carne nos últimos 60 dias. O presidente afirmou ainda que, em 2016, foram expedidas 853 mil remessas de origem animal do Brasil para o exterior e que somente 184 foram consideradas pelos importadores fora da conformidade “muitas vezes por causa de temas não sanitários, como rotulagem e problemas de certificado”. Ele disse que o padrão sanitário brasileiro é de “excelência” e reiterou que, além da vigilância nacional, o produto exportado passa por inspeção ao chegar no país comprador. O Brasil exporta para mais de 150 países.

Temer terminou o dia com churrasco. Ele convidou embaixadores de países importadores de carne para uma churrascaria em uma área nobre de Brasília. Nem bem chegou, foi servido com picanha, que comeu acompanhado de uma caipirinha. Participaram do evento 19 embaixadores e oito encarregados de negócios. O presidente se sentou entre os representantes de Angola e China. A churrascaria cobra, aos domingos, R$ 119 por pessoa. A reserva foi feita para 80 convidados. O estabelecimento vende também carnes importadas, mas o Planalto garantiu em nota que todas as peças que foram servidas para o grupo eram de origem nacional.

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‘ISSO DE MISTURAR PAPELÃO É IDIOTICE’

O ministro Maggi disse que ninguém “quer passar a mão na cabeça de quem fez coisa errada”:

— Podíamos tomar uma medida mais drástica, de interditar toda as plantas, mas o efeito para a cadeia seria muito grande. Por isso estamos fazendo esse regime especial de fiscalização.

Blairo afirmou que há um problema na narrativa da Polícia Federal, que foi mal interpretada. Segundo ele, é uma “idiotice” acreditar que as empresas, que investiram milhões para se consolidar no mercado externo, tenham misturado papelão à carne. De acordo com o ministro, a forma como a operação foi divulgada ensejou “fantasias”.

— Isso de misturar papelão na carne é uma insanidade, uma idiotice. As empresas investiram milhões de dólares, demoram mais de 10 anos para consolidar mercado. E vão misturar papelão na carne? Pelo amor de Deus. A narrativa nos leva a criar fantasia. A partir de uma fala, as redes sociais, a mídia, cada um fala uma coisa.

Blairo disse ainda que a utilização de ácido ascórbico e o uso de cabeça de porco são permitidos no regulamento, desde que respeitem determinadas porcentagens. Maggi disse que a PF explicou que não consultou o ministério sobre questões técnicas porque funcionários da pasta estavam sob investigação. Mas o ministro disse que espera que a partir de agora a investigação tome “outro rumo”, aliando a apuração dos fatos com dados técnicos.

Colaborou Renata Mariz

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Perguntas e respostas

 

– O que a Operação Carne Fraca revelou?

– A operação mostrou a existência de uma organização criminosa que, em troca de propina, liberava produtos sem fiscalização. Segundo a PF, 40 frigoríficos cometeram irregularidades. O Ministério da Agricultura informou que foram fechadas duas unidade do frigorífico Peccin, em Jaguará do Sul (SC) e em Curitiba (PR), e uma da BRF, em Mineiro (GO). Outras 21 estão sob suspeita.

 

– Que irregularidades cada frigorífico cometeu? As carnes adulteradas estão à venda?

– A PF não detalhou as irregularidades de cada frigorífico, apenas citou alguns exemplos. Não é possível saber exatamente o destino da carne. Os códigos de barra dos produtos dos três frigoríficos fechados serão rastreados a partir de hoje.

 

– Pedaços de papelão foram usados nas carnes?

A PF afirmou que as investigações mostraram que carnes eram misturadas com papelão, mas, de acordo com a BRF (dona das marcas Sadia e Perdigão), houve um equívoco na interpretação do áudio capturado. A empresa sustenta que o funcionário gravado, ao mencionar o papelão, estava se referindo às embalagens do produto e não ao seu conteúdo. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, também disse que a narrativa da PF foi mal interpretada. Segundo ele, é “idiotice” imaginar que empresas misturavam papelão à carne.

 

– Qual era o produto usado para “maquiar” a carne?

No despacho do juiz que autorizou as prisões, são feitos relatos de fiscais de uso de ácido ascórbico (vitamina C) pelo frigorífero Peccin. Na reprodução de um diálogo dessa empresa, que consta do mesmo documento, o interlocutor cita, porém, outra substância: o ácido sórbico, que também é usado como conservante. Doses elevadas do ácido ascórbico são cancerígenas. No entanto, apenas quem tem uma exposição prolongada a elevadas doses dessa substância teria risco de desenvolver câncer.

 

- Foi usada carne de cabeça de porco em alguns produtos?

A PF afirma que, nas gravações, sócios de um frigorífico falam sobre o uso de carne de cabeça de porco em embutidos, o que é proibido. O ministro Blairo Maggi afirmou que o uso de carne de cabeça de porco, em determinados percentuais e em alguns produtos, é permitido.

 

– Havia a bactéria salmonela em produtos da BRF?

Segundo a PF, a partir de áudios da investigação, havia carne contaminada com salmonela em contêineres que seguiriam para a Europa. A BRF sustenta que o tipo de bactéria (Salmonella Saint Paul) é tolerado pela legislação europeia para carnes in natura , e, portanto, não impediria a entrada do produto no continente.

O globo, n.30541 , 20/03/2017. Economia, p. 17